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Arte, web e educação: poder ilimitado

Por Marcia Stein

Uma coisa é certa: a interface entre arte, educação e internet é cheia de possibilidades. O limite? Sim, existe. Chama-se criatividade. Que o diga Francisco Carlos de Carvalho Marinho, professor de curso de cinema de animação e artes digitais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Líder do grupo de pesquisa 1magináriO: poéticas computacionais e pesquisador do Grupo de Alfabetização e Letramento em Ambientes Digitais Multimodais (Aladim), Francisco acredita que a escola do século XXI deve ser integradora. “Deve pensar não mais só em formar cidadãos cultos e educados, mas em se formar e se reformar constantemente de modo a incluir sistematicamente os novos saberes e as novas experiências que crescem exponencialmente”, resume.

Em entrevista à revistapontocom, o professor explica detalhes dos dois projetos e o objetivo de cada um deles. Fala sobre a importância da internet no ensino aprendizagem dos estudantes e o lugar da escola.

“Não há como pensar a escola do futuro em escaninhos e compartimentos estanques. Escola não é feudo. Os gregos nos ensinaram uma lição que pode ser reaproveitada. Eles pensaram o cosmos, o homem, o universo de maneira integrada e pensavam na praça – ágora – como o lugar de discussão e produção de conhecimento e ação política. Evidentemente não se trata de um recuo no tempo. Tempo esse em que a noção de cidadania começava a brotar. Hoje, a praça na qual estamos inseridos é uma aldeia global conectada digitalmente. A praça somos nós e a Escola é mais um lugar dentro dessa praça. É mais um nó na rede”, destaca.

Acompanhe:

revistapontocom  –  Quais são os objetivos e as interfaces dos grupos Alfabetização e Letramento em Ambientes Digitais Multimodais (Aladim) e o 1magináriO: poéticas computacionais?
Francisco Carlos Marinho – O grupo Aladim é coordenado pela professora Carla Viana Coscarelli, da Faculdade de Letras da UFMG. O segundo, o 1magináriO: poéticas computacionais, por mim e pelo Professor Jalver Machado Bethônico, da Escola de Belas Artes da UFMG. O Aladim é um projeto que conta com a participação de uma equipe interdisciplinar composta por professores e alunos dos cursos de Belas Artes, Computação, Matemática Computacional, Letras e Pedagogia. Tem o objetivo de analisar e criar protótipos de jogos digitais para auxiliar a alfabetização e o letramento digital. O projeto também busca desenvolver jogos que empregam interfaces multimodais como mesa multitoque e visão computacional. Já o 1magináriO é um grupo de pesquisa que tem como meta desenvolver linguagens poéticas que usam o computador (software e hardware) como ferramenta de criação, suporte e meio de apreciação de obras de arte computacional. Desenvolvemos obras de arte no computador para serem vistas no próprio meio. Também procuramos desenvolver interfaces que possam explorar novas possibilidades de expressão artística. Essas interfaces vão desde mesas multitoque interativas para vários usuários a equipamentos robóticos, como máquinas/esculturas musicais que tocam ritmos e músicas de acordo com informações colhidas e processadas por essas máquinas. O ponto de convergência entre os dois grupos é o uso do computador como meio e ferramenta, seja para produção e difusão de conhecimento (educação) ou para experiência artística. Em ambos, usamos interfaces multimodais, como modo de promover níveis diferenciados de interatividade e imersão. Interatividade pode ser entendida como atividade, troca de informações, entre homem e computador. Imersão pode ser considerada como uma característica que significa experiência sensorial e emocional profundas por parte do usuário (aluno, jogador ou espectador) ao utilizar o sistema.  Em sistemas imersivos, o usuário se sente dentro dos mundos digitais sem notar quaisquer dispositivos de interface, quer sejam ícones, menus e mesmos os equipamentos físicos envolvidos na troca de informações entre o usuário e a máquina. Dizemos que na experiência imersiva a interface é transparente para quem usa. É como no cinema, ficamos envolvidos totalmente com a história e nos esquecemos de que uma sessão de cinema é uma projeção de luz sobre uma superfície plana.

revistapontocom – Podemos afirmar definitivamente que a internet e os recursos digitais revolucionaram o ensino e a aprendizagem? É um caminho sem volta?
Francisco Carlos Marinho – A internet é um campo aberto de possibilidades, mas também é um enorme campo de resultados já alcançados. A educação já ganhou muito com o aparecimento da internet. Para citar um exemplo simples, informações e textos, antes restritos às bibliotecas, cinematecas e videotecas, de difícil acesso, agora estão disponíveis, em grande parte, ao público geral. Se na atividade de leitura e no acesso à informação houve um aumento tremendo de conteúdos disponíveis, na atividade da escrita e produção de informação houve um aumento relativo maior ainda, pois os usuários, além de simples leitores também passaram a produzir textos dos mais variados tipos e gêneros. A internet também viabilizou a emergência de sistemas, ferramentas e ambientes para desenvolvimento de conteúdo por parte de usuários. Surgiu não só uma massa enorme de produtores de conteúdo como também novas formas de editoração e de publicação de conteúdo. Exemplo pontual são os grupos de pessoas se organizam para produzir enciclopédias como a Wikipedia. Sites, blogs, e redes sociais são outras redes dentro da rede internet que produzem volumes gigantescos de informação. Temos que aproveitar essas informações da maneira mais eficiente possível. É importante dizer que nem todo texto disponível na web é interessante sob o ponto de vista da educação. Isso implica a necessidade de criar mecanismos novos e usar os já existentes para filtrar as informações que sejam adequadas ao processo de produção de conhecimento. As redes se caracterizam por não ter uma hierarquia definida a priori, ao contrário das escolas que estão estruturadas hierarquicamente. Nas escolas, dentro das salas de aula, a dinâmica metodológica mais comum é aquela em que o professor em pé, na frente dos alunos tenta “transmitir” conhecimentos de qualquer natureza. Essa dinâmica concentra um poder enorme nas mãos do professor e deixa os alunos em situação mais passiva, participando quase que exclusivamente como observadores. Se o professor não corresponde aos requisitos necessários, todos os alunos são prejudicados de alguma forma. A relação de aprendizado nesse modelo é centrada no desempenho do professor.  Não queremos dizer com isso que a estrutura tradicional das escolas deva mudar radicalmente. O que enfatizamos é que existem outros processos que as escolas devem incorporar, entre eles os sistemas digitais e a internet. Na internet, o usuário tem um papel mais ativo. Ele busca informação, filtra as melhores que achar, discute com colegas, pergunta aos mais experientes, enfim interage de maneira ampla com um grande número de usuários/colegas. Nesse modelo, a figura do tutor (ou professor) não tem papel tão centralizador. Seu perfil é mais colaborativo e supervisor. O conhecimento é distribuído e sua produção é articulada colaborativa e coletivamente. É preciso incentivar e incorporar esse tipo de atividade nas escolas. Os processos de construção do conhecimento baseados em redes colaborativas na internet, são mais caracterizados como produção de conhecimento do que aquisição/transmissão de informação. Outro fator extremamente importante com relação à internet é que ela se caracteriza como um ambiente plural de comunicação. A informação flui em todos os sentidos e atinge todos os participantes dos processos de produção de conhecimento. Ou seja, os internautas passam a produzir conteúdos em grupos, trocando informações e constituindo um corpo mais interativo de produção de conhecimento. Quando queremos estudar ou nos informar sobre um tópico específico, quase sempre já encontramos usuários que se habilitaram a produzir tutoriais e conteúdos próprios. É interessante notar que, apesar dos conteúdos partirem de fontes às vezes não muito confiáveis, a própria internet cria mecanismos próprios de autorregulação e controle das informações veiculadas. Casos exemplares são os fóruns de discussão onde encontramos participantes levantando questões e apontando incorreções postadas por outros usuários.  Apesar de a internet possibilitar também a difusão de estruturas hierarquizadas de ensino e aprendizagem, podemos constatar que grande parte do conhecimento é gerado, organizado e mantido pela própria comunidade sem necessariamente ter um órgão regulador impositivo. O que queremos enfatizar é que a internet deve ser colocada à disposição de todos participantes no processo de educação.  Ela faz parte do processo de inclusão do cidadão. A educação se abre, então, para processos que caminham da base para o topo, com a inclusão de usuários participativos em processos colaborativos.

revistapontocom – Essa interface positiva da internet com a educação também se aplica, particularmente, ao letramento?
Francisco Carlos Marinho – Com relação ao letramento, podemos dizer que o próprio processo de escrita passa a ser aperfeiçoado graças à ação cotidiana do ato de ler e escrever. A escrita se manifesta na sua dinâmica própria, seja nos termos informais de chats, e-mails ou mesmo em sites específicos nos quais os textos são extremamente formais como em sites e blogs destinados a juristas. A atividade participativa do usuário e o contato com vários registros, gêneros e tipos textuais permitem a ele vivenciar a experiência da escrita no contexto fim. Ou seja, não é um exercício de sala de aula que simula textos de um ou outro tipo, mas é antes de tudo um exercício de produção de textos para o contexto real em que eles são lidos e escritos. Os mundos digitais, além das redes de comunicação, também possibilitam um tipo especial de conhecimento que não poderia ser produzido de outra maneira que não em computadores. Estamos nos referindo ao conhecimento por simulação tais como: pesquisar como uma epidemia pode se propagar, como um vírus se difunde ao redor do mundo, como a bolsa de valores reagiria se houvesse um fenômeno devastador qualquer, como o clima na terra vai mudar e outros tantos quanto se queira imaginar. Esses mundos virtuais de simulação têm potencial pedagógico enorme, principalmente quando a eles se alia o prazer dos jogos de um modo geral e, em particular, os jogos digitais. Jogar e simular uma situação qualquer que pode ser objeto de estudo pode ser uma experiência ativa e estimulante. Alguns jogos já se tornaram ferramentas de estudo em vários campos do conhecimento. O jogo SimCity (simulador/gerenciador de cidades) de Will Wright já foi usado para mostrar aos agentes de políticas públicas como é complexo administrar uma cidade. Nosso grupo tem particular interesse no desenvolvimento de jogos educacionais que tenham uma estrutura própria, que não seja a mera transposição para o meio digital de jogos e conteúdos já conhecidos. O jogo da memória, por exemplo, é algo que invariavelmente vem à mente dos educadores quando se pensa em jogos digitais. Tal jogo é o resultado de um jogo já conhecido aliado a conteúdos diversos. Não que haja algo de errado na proposta de produção de tais jogos, mas o que queremos é desenvolver linguagens em que aprendizado e jogabilidade não sejam coisas distintas, mas que façam parte de uma mesma dinâmica, com uma lógica própria. Para que as novas formas de produção de conhecimento sejam bem aproveitadas e alcancem um número maior de pessoas é necessário tomar algumas atitudes em várias esferas diferentes. As mudanças devem vir desde os órgãos governamentais até a reestruturação dos hábitos e metodologias dos professores e agentes de educação. Com relação às políticas governamentais devemos levar em conta não só a inclusão digital, mas principalmente a formação digital. O Projeto Prouca (Um Computador por Aluno), entre outros, é uma iniciativa muito interessante de incluir digitalmente grande parte das crianças nas escolas públicas. Mas é necessário qualificar essa inclusão com a formação dos professores que não nasceram ou cresceram em meio digital. As Universidades Federais têm que ter papel importante no desenvolvimento de metodologias e propostas de produção de conhecimento que levem em consideração a realidade dos professores que ainda não têm “habilidades digitais” desenvolvidas para alcançar um bom desempenho no processo de ensino/aprendizagem como um todo.

revistapontocom – No mundo digital, os games são um diferencial. Como trazê-los para a escola?
Francisco Carlos Marinho – As novas tecnologias nos permitem combinar, expandir e criar novas possibilidades de jogos envolvendo várias habilidades, físicas ou mentais. Hoje vemos como as tecnologias que conseguem capturar gestos dos usuários e usá-los como forma de interação com mundos digitais. Nosso grupo desenvolve vários ambientes de imersão com conteúdos ligados às temáticas de meio ambiente e sustentabilidade. O exemplo da figura 02 apresenta uma instalação interativa chamada de “Piracema”. O objetivo é educar pela experiência de simulação e jogo. Não se trata de passar conceitos literalmente, de divulgar uma informação, mas de viver uma experiência sensorial e perceptiva que irá subsidiar a construção dos significados dos conceitos correlatos à própria experiência. Os jogos e novas tecnologias se conectam de modo a construir novas possibilidades expressivas em cada uma das modalidades de interesse que descrevemos anteriormente, ampliando suas potencialidades. Tecnologias como reconhecimento de gestos, por exemplo, podem ser extremamente interessantes sob os pontos de vista artístico, pedagógico e científico. Tais tecnologias podem ajudar pessoas portadoras de necessidades especiais, podem criar novas formas de interação homem computador no campo da dança, podem dar luzes a processos ligados à robótica etc. Recentemente e Microsoft lançou um gadget (dispositivo) chamado “Kinect”. É uma câmera que consegue analisar o espaço tridimensionalmente, reconhecer a estrutura de ossos do jogador e “linkar” essa estrutura ao jogador de modo que seu avatar responda no mundo virtual com os mesmos movimentos feitos pelo usuário. O dispositivo pode ainda analisar de onde vem uma fonte de som, reconhecer fala (em inglês) etc. Bem, isso tem várias consequências em termos de aplicações em interface, experiências imersivas e interatividade. Podemos criar interfaces “táteis” com pessoas tocando em elementos virtuais. Mas o que significa isso sob o ponto de vista da educação? Significa que podemos criar ambientes digitais que: favoreçam a imersão (atenção); expandam a experiência sensorial; que possam ampliar nossas formas de (e entendimento sobre) comunicação e expressão de ideias, sentimentos e emoções. As redes sociais são decorrentes de tecnologias computacionais e das tecnologias de inteligência e informação. Redes são formas de organização que não são hierárquicas, não têm centro e são mais capazes de comunicação multidirecional. Coloca em um mesmo nível de interação e participação pessoas com diferentes graus de conhecimento, fazendo com que o conhecimento possa ser compartilhado e construído colaborativamente. Exemplo disso são os softwares livres cujos autores anônimos colaboram para a construção de aplicativos e programas que podem ser usados livremente e gratuitamente por qualquer pessoa que tenha acesso a um computador e à Internet. As redes não são somente uma forma de comunicação, mas uma forma de organização política.  No que toca as ditas redes sociais há muita discussão. Algumas são consideradas supérfluas e limitantes, como Twitter, Orkut etc. Entretanto as limitações impostas pelos sistemas dessas redes sociais particulares favorecem a criatividade por parte de seus participantes na medida em que estes são capazes de construírem, sem nenhuma direção imposta de cima para baixo, capacidades e habilidades comunicativas extremamente eficientes para o meio, a despeito da patrulha ideológica da “norma culta”. Os usuários criam códigos que são eficientes para o meio e o propósito a que se destinam. Falar que essa prática é nociva ao bom desempenho linguístico é, no mínimo, desconhecer que a língua é viva e dinâmica, assim como a rede. Essas são qualidades importantes. Entretanto, há o outro lado da moeda. As tecnologias impõem uma velocidade de aprendizado enorme, na mesma maneira com que torna obsoletos alguns sistemas extremamente interessantes. Por exemplo, programas que “rodavam” em determinados Sistemas Operacionais, dois ou três anos depois não rodam mais no novo sistema operacional. Isso tem implicações várias, desde a manutenção da memória de processos e produtos até a imposição de um tempo rapidíssimo para atualização e conhecimento das novas possibilidades que surgem a cada dia com novos aplicativos, sistemas operacionais e tecnologias de interface. Esse é um problema com o qual a rede deve lidar.Nossos grupos de pesquisa também estão atentos tanto para a produção de novidade quanto para a necessidade de uma memória de processos e produtos, de experiências que não deveriam se perder em função de imposições mercadológicas. Estamos também atentos, e temos pesquisa na área, com relação aos dispositivos móveis (celulares, tablets etc) como ferramentas e meios interessantes para produção de conhecimento e expressão artística. A explosão desses meios e formas de comunicação ainda está longe de alcançar as escolas. Nosso dever é pensar como utilizar esses recursos de forma a produzir conteúdos de qualidade. Na realidade, estamos pensando as formas de comunicação como um todo, uma espécie de grande rede que engloba outras redes, de saberes que englobam outros saberes. Outro fator importante que sempre levamos em consideração é pensar nas novas tecnologias como um modo de aproximar pessoas afetivamente. O meio digital é importante, mas a presença física e a experiência sensorial e corpórea coletiva são fundamentais. As instalações mostrada nas figuras anteriores pressupõem o contato verbal, a comunicação corporal além da imersão digital.

revistapontocom – Quais são os principais problemas e desafios que hoje impedem as escolas de atrair seus alunos e cumprir com eficácia seu papel social?
Francisco Carlos Marinho – As escolas devem estar preparadas para seu tempo. No caso brasileiro, além das dificuldades que incluem a falta de infraestrutura, há a questão da qualificação dos educadores e profissionais de ensino. Quando falamos em inclusão digital notamos o grande descompasso tecnológico e metodológico que existem entre o estado da arte em educação digital e a capacitação dos professores e das escolas. É preciso ressaltar que uma geração de nativos digitais (pessoas que já forma criadas com acesso e uso de computadores) convive com uma geração ainda ligada a estruturas midiáticas diferentes. De um lado, os nativos digitais estão acostumados ao hipertexto, à hipermídia, às redes sociais e a estruturas narrativas não lineares. De outro, agentes de educação que não nasceram e cresceram em meio digital e tem dificuldade de lidar com a não linearidade. Essa geração cresceu vendo filmes e lendo livros. É preciso aproximar as experiências. Aqui vemos dois modelos de comunicação que entram claramente em conflito. De um lado o modelo das TVs com comunicação unidirecional sem a perspectiva da intervenção do usuário no conteúdo produzido. De outro, o modelo da Internet que é multidirecional e propicia a participação ativa dos usuários. Cada qual tem seus limites, potencialidades qualidades e deficiências. Precisamos de modelos que possam integrar esses discursos de natureza diferente. É preciso pensar em troca de experiências em vez de exposição unilateral de vivências e saberes. As gerações podem e devem trocar suas histórias e o modo de contá-las. Atrair alunos é importantíssimo, tanto quanto incentivar e incluir os professores nessas novas metodologias de ensino, aprendizagem e produção de conhecimento. A escola deve ser pensada como um corpo dinâmico que varia com o tempo e com as circunstâncias, pois o conhecimento é assim. O papel social da escola é preparar indivíduos capazes de ler o mundo criticamente para torna-lo melhor. Esse preparo é uma via de várias mãos. Educar hoje significa pensar em comunicação, tecnologia, cidadania etc. Não cabe mais a um ministério o dever de gerir e propor políticas públicas para o setor. É necessário colaboração de vários setores. O mundo está mais conectado e articulado. Presente em praticamente todos os lares do Brasil, a TV aberta apresenta poucos conteúdos de qualidade. O projeto da TV digital interativa ainda engatinha e é totalmente desvinculado da Internet. As escolas estão sendo equipadas aos poucos com computadores e acesso à Internet. O acesso é ainda muito reduzido para as demandas digitais de nossas escolas. Quando as escolas têm acesso a conteúdo digital, elas têm ainda que competir pela atenção dos meninos que tem experiências em lan houses. É fundamental integrar a grande variedade de formas e meios de comunicação de modo a alcançar o maior úmero possível de pessoas. Essa integração não é somente uma integração numérica e de meios, mas antes de conteúdos e da qualidade desses conteúdos. Precisamos nos preparar para esse desafio.

revistapontocom – Neste sentido, para que escola vocês criam e formulam esses projetos?
Francisco Carlos Marinho – As escolas em foco são as escolas públicas de Ensino Fundamental e Médio. Pesquisamos tecnologias e metodologias de ensino e aprendizagem de baixo custo que privilegiam atividades fundamentais como colaboração, pró ativismo, criatividade, responsabilidade social, cultural e ambiental, crítica e reflexão e cidadania. A lista de categorias é grande, mas elas se articulam e se entrelaçam necessariamente. Ser um cidadão do século XXI é ser cidadão da história entendida como um fluxo, uma dinâmica entre passado, presente e futuro. Podemos ver a questão do futuro sob outra perspectiva sem ser a cronológica.  Podemos pensar sob a perspectiva lógica. Se considerarmos alguém que nunca leu Aristóteles, podemos pensar que a experiência da leitura desse autor do passado é ume experiência futura para o leitor. É um futuro metodológico também. É novidade. É criatividade. É inovação. Com relação ao conhecimento científico, ele pode ser cumulativo no sentido em que uma teoria pode vir a substituir a outra. Mas devemos pensar que nem todo conhecimento é um saber científico. A arte e a filosofia, entre outros saberes, são importantes e são sempre relidos e reinventados a partir das fontes. Sob o ponto de vista da escola, devemos pensar principalmente em como conectar conteúdos, tecnologias, metodologias, heurísticas, processos, atividades. Não há como pensar a escola do futuro em escaninhos e compartimentos estanques. Escola não é feudo. Os gregos nos ensinaram uma lição que pode ser reaproveitada. Eles pensaram o cosmos, o homem, o universo de maneira integrada e pensavam na praça (ágora) como o lugar de discussão e produção de conhecimento e ação política. Evidentemente não se trata de um recuo no tempo. Tempo esse em que a noção de cidadania começava a brotar. Hoje a praça na qual estamos inseridos é uma aldeia global conectada digitalmente. A praça somos nós e a Escola é mais um lugar dentro dessa “praça”. É mais um nó na rede. Certamente um nó fundamental através do qual passam vários fios de conexão. Nesse sentido, a Escola deve ser integradora. Deve pensar não mais só em formar cidadãos cultos e educados, mas em se formar e se reformar constantemente de modo a incluir sistematicamente os novos saberes e as novas experiências que crescem exponencialmente. Especificamente, nosso grupo de pesquisa está trabalhando com a educação em rede através de jogos digitais colaborativos e coletivos. Essa escolha se deve também a oportunidade circunstancial de trabalhar junto ao projeto Prouca (Um Computador por Aluno) na cidade de Tiradentes onde a UFMG, através da Fundação Rodrigo Melo Franco de Andrade, tem atuação. Estamos desenvolvendo um projeto em acordo com o BNDES para a produção de conteúdos específicos paradidáticos em forma de jogos digitais. Esses jogos tratam de problemáticas pertinentes ao cotidiano dos cidadãos daquela cidade. O conteúdo proposto, como princípio metodológico nosso, deve brotar da comunidade a que se destina o jogo. Especificamente em Tiradentes estamos propondo o jogo “Quintais” que tem relação com o patrimônio cultural, histórico e de biodiversidade ligado à Serra São José. A ideia é que os conteúdos dos jogos sejam construídos pela equipe de nossos pesquisadores e professores e a comunidade ligada à educação daquela cidade. Há um conjunto de propostas de trabalho que inclui formação de professores da rede pública de ensino para capacitá-los a produzir conteúdos digitais de qualidade. Quando pensamos em competências, capacidades e habilidades, entendemos um todo, no qual participam todos como aprendizes e professores, enfim como colaboradores e coprodutores. Partindo desse pressuposto, entendemos como capacidades e habilidades um conjunto de funções e competências de toda uma comunidade que se pretende ativa, cidadã, criativa, participativa, crítica, reflexiva, inovadora e desafiadora.

revistapontocom –  A parceria entre universidades e escolas é necessária e fundamental?
Francisco Carlos Marinho – As universidades têm um papel fundamental que é o de formação dos professores. As pesquisas na ordem das novas tecnologias e metodologias de produção de conhecimento são fundamentais para o desenvolvimento da educação de uma forma geral. As escolas de Ensino Fundamental e Médio devem estar incluídas necessariamente nesse processo. Quando falamos de escolas envolvidas em processos de pesquisa falamos também de alunos, não como dados de experiência pedagógica, mas como propositores de caminhos e possibilidades que estejam em consonância com suas esperanças, preocupações e dúvidas. O exemplo citado anteriormente sobre o projeto na cidade de Tiradentes exemplifica, de maneira breve e pontual, os agentes que pretendemos articular para a produção de conhecimento de qualidade. Incluímos no projeto de construção dos jogos a qualificação docente como condição de produção do jogo enquanto método e conteúdo. Toda parceria, por princípio filosófico, e interessante. Devemos, entretanto saber como articular tais parcerias para a produção de conhecimento e para a educação de uma forma mais ampla. A internet é o exemplo vivo de como parcerias podem ser interessantes. Um bom “navegador” de Internet é aquele que sabe escolher os portos seguros em que atracar. Sabe escolher os lugares que são pertinentes ou não.  O que devemos fazer é criar as condições para que as parcerias sejam auto-organizadas e não impostas de cima para baixo. Criar condições significa uma buscar conexões que são estruturalmente interessantes, como, por exemplo, articular TVs, internet, redes de dispositivos móveis, produtores independentes, universidades etc, de modo a construir uma rede mais poderosa sob o ponto de vista da formação do homem.  Certamente esperamos também de todos os órgãos competentes (do governo ao estudante) a mesma postura do navegador sábio que procura rotas, caminhos (métodos) que nos levem a novos mundos, cheios de oportunidade e potencialidades.

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