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“Repetimos a mesma ladainha há muitos anos, só que entre nós mesmos”

O discurso sobre educação não circula, aponta Janaina Specht Menezes, diretora da Faculdade de Educação da UniRio.

Educação: o que eu quero para minha cidade? Este é o slogan da campanha da revistapontocom.Conheça a proposta e participe. Abaixo, você confere as primeiras entrevistas publicadas pela campanha.

As entrevistas aqui publicadas não traduzem a opinião da revistapontocom. Sua publicação obedece ao propósito de promover o debate da política pública municipal de educação, no Brasil, com ênfase no Rio de Janeiro, e de refletir as diversas tendências de pensamento. O espaço está aberto a todos os interessados em se manifestar.


Por Marcus Tavares

“Precisamos envolver a sociedade no debate da Educação. E envolver implica mobilizar a participação da população, que, ao se perceber realmente envolvida em um determinado processo, passa a se sentir corresponsável pelos seus resultados, sejam eles positivos ou não. No momento em que os indivíduos perceberem que têm, unidos, poder decisório sobre a definição das políticas públicas, eles se tornam corresponsáveis. Todo esse processo precisa ser desencadeado”. A constatação é da professora e diretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), Janaína Specht Menezes.

Para a professora, a ladainha sobre os desafios e as possíveis saídas para a melhoria das políticas educacionais é sempre a mesma e há muitos anos é dita. Porém, trata-se de um discurso que circula somente entre os professores. Daí a necessidade de envolver a sociedade.

Em entrevista à revistapontocom, na sede da Faculdade de Educação da UniRio, Janaína destaca de que forma a população deve observar as plataformas educacionais dos candidatos.

Acompanhe:

revistapontocom – Como a senhora avalia a educação municipal do Rio de Janeiro?
Janaína Specht – Para falar da cidade do Rio de Janeiro é preciso, primeiramente, fazer uma breve análise nacional. Durante a década de 1990, aconteceram muitos avanços, principalmente em termos de acesso e permanência do aluno na escola pública. Pode-se dizer que presenciamos uma revolução educacional. Foi nesta década de 1990 que foi aprovada a Emenda Constitucional de número 14, que clarificou as responsabilidades dos entes federados para com a Educação. Estabeleceu-se que o município ficaria responsável pela Educação Infantil e pelo Ensino Fundamental e, o Estado, pelos Ensinos Médio e Fundamental. Isso facilitou muito o acompanhamento e controle das responsabilidades dos entes federados para com a Educação nacional. Antes, nem eles sabiam o que deveriam priorizar. Não existia uma política de responsabilização. A  emenda trouxe essa clarificação. Em seguida, foi criado o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), que fortaleceu a política de financiamento da Educação Básica. Não existe direito à Educação se ele não vier associado a fontes estáveis, regulares e sólidas de recursos. O Fundef trouxe esse recurso para o Ensino Fundamental, vinculando o repasse das verbas ao quantitativo de alunos matriculados. Isso possibilitou a ampliação do atendimento. Em1996, foi também aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que trouxe uma nova orientação para a Educação para o país. A partir daquele ano, o país começou a caminhar diferente. Agora, em 2006, o Fundef foi substituído pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Mais recentemente, em 2010, tivemos a Conferência Nacional de Educação (CONAE), que subsidiou, ou que pelo menos deveria balizar a construção do novo Plano Nacional de Educação, a qual indicou que o país deveria aplicar 10% do PIB (Produto Interno Bruto) na Educação. O projeto de lei, hoje, está em análise no Congresso Nacional. Ao listar estas questões quero mostrar que houve, sim, um significativo avanço na educação do país. Foram suficientes? Não, não foram. Mas não podemos negar que melhorou. No que tange ao Rio de Janeiro, com certeza a Educação tem muito a avançar. O Rio apresenta valores para o IDEB distantes das suas reais possibilidades. Talvez a quantidade de alunos, por ter a maior rede de escolas da América Latina, no âmbito de uma cidade, interfira na qualidade. Não sei. O fato é que a cidade poderia e merecia contar com uma melhor qualidade não só na Educação.

revistapontocom – Quais seriam os desafios da Prefeitura do Rio em busca da qualidade?
Janaína Specht – Não sei se eu tenho condições de responder a esta questão. Para isso, teria que haver uma pesquisa, que levantasse as dificuldades da rede. Mas, entre outros aspectos, creio que é preciso rever o currículo do Ensino Fundamental. Além disso, um grande desafio é cumprir efetivamente as determinações associadas ao financiamento da educação, quero dizer, respeitar o ordenamento normativo associado ao financiamento da Educação pública. Questiona-se se o Rio de Janeiro vem aplicando o percentual constitucional de 25% dos impostos na Educação. E outro ponto importante: faz-se necessário a ampliação das matriculas em horário integral. Não há saída: precisamos possibilitar aos jovens uma Educação integral em tempo integral. Se o Sul do país é comparado com a Europa e no Norte temos altos indicadores de pobreza, a cidade do Rio constitui-se importante exemplo da desigualdade brasileira. Uma escola de tempo integral que tenha por objetivo a formação integral das crianças, que possibilite atividades que extrapolem e fortaleçam o currículo regular, como aulas de música, teatro e esportes, com certeza, impactaria positivamente na Educação das crianças e jovens cariocas, portanto, na diminuição desta desigualdade. É necessário ampliar o tempo que os estudantes passam na escola. Mas que este tempo não resulte o dobro do mesmo. Para que isso seja de fato implantado voltamos à questão do financiamento. Não sou ingênua, não acho que a Educação vai resolver os problemas do mundo, mas contribuirá enormemente se a priorizarmos no contexto da administração pública, e de forma intersetorial, envolvendo a Educação, a Saúde, a Cultura e outras áreas.

revistapontocom – Professora, todas essas reivindicações já foram ditas mais de mil vezes. Por que é tão difícil de concretizar/realizar uma política pública educacional de qualidade?
Janaína Specht – Todas essas reivindicações estão claras para mim e para você, para os professores das universidades. Mas a população, de modo geral, tem pouco acesso às informações. Um exemplo simples: a sociedade não sabe que parte do preço dos alimentos é composta de impostos. Diferentemente dos EUA, nossa população esquece e, pior, não é lembrada, não é informada de que é ela quem financia o Estado e, portanto, pode e deve cobrar por seus direitos. Sabemos que 25% dos impostos devem ser investidos na Educação. Você acha que a população sabe disso? Ela quer que o filho tenha uma escola melhor, porém desconhece que é parte integrante do processo do financiamento do Estado e que pode cobrar por seus direitos, simplesmente, porque paga muito bem por isso. Na verdade, repetimos a mesma ladainha há muitos anos, só que entre nós mesmos. Esse discurso, portanto, não circula. Quando discuto estas questões com meus alunos, eles se espantam por desconhecerem algo tão importante, e, felizmente, ficam inquietos. Além disso, atualmente, a Educação, em nosso país, infelizmente, tem dificuldade para mobilizar a população. A mídia, que poderia auxiliar neste processo, parece ausente. Veja a questão atual da greve das universidades. Não se fala sobre isso nos meios de comunicação e quando se fala, é muito pouco. Quem controla a mídia no Brasil? Quais são os interesses da mídia? A quem ela atende? Precisamos envolver a sociedade no debate da Educação. E envolver implica mobilizar a participação da população, que, ao se perceber realmente envolvida em um determinado processo, passa a se sentir corresponsável pelos seus resultados, sejam eles positivos ou não. No momento em que os indivíduos perceberem que têm, unidos, poder decisório sobre a definição das políticas públicas, eles se tornam corresponsáveis. Todo esse processo precisa ser desencadeado.

revistapontocom – Nestas eleições, como a população deveria avaliar as propostas para a pasta da Educação dos candidatos à prefeitura do Rio?
Janaína Specht – Sugeriria que analisasse o histórico dos candidatos em relação às suas ações associadas à Educação. O que o candidato está propondo? O que ele já fez pela educação, se já teve algum cargo eletivo? Dizem que o brasileiro não tem memória. Eu luto pela preservação da minha memória, luto pela divulgação da importância das memórias para que não cometamos os mesmos erros. Se o candidato é novo na política, temos que analisar o projeto que está propondo para a Educação. Ele vai investir na Educação? Em quê? Quanto? Como? Ele pensa na ampliação de vagas? Em horário integral? Como analisa a importãncia do controle e acompanhamento social da política educacional? De que forma ele planeja chamar a sociedade para debater a educação? É preciso ficar bem atento.

revistapontocom – Qual deveria ser o perfil do próximo secretário de Educação do Rio?
Janaína Specht – Já morei em muitos municípios e Estados brasileiros. Nestas andanças, já vi um engenheiro ser um ótimo secretário. À primeira vista, não arriscaria ser corporativista com a área educacional. Indicaria alguém com experiência, que venha atuando na Educação. Não precisa ser necessariamente professor. A pessoa precisa, sim, ter uma história na Educação, conhecer a Educação do município. Tem que ser um profissional que tenha investido parte de sua vida, do seu conhecimento e energia na área da Educação. Há de ser também, é claro, uma pessoa política e moralmente idônea. O que me preocupa muito é quando o prefeito eleito coloca um político para dirigir a Educação. Quero uma pessoa que tenha uma história associada à educação e que essa história seja digna.

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