Os tempos modernos de Marcelo Tas

Foto de Rodrigo Fuzar

Provocador e ao mesmo tempo brincalhão, o jornalista Marcelo Tas sempre está em busca de mudanças e novas experiências. Atualmente, concentra seus principais trabalhos na apresentação do programa CQC, veiculado na Band, e no Plantão do Tas, programa voltado para as crianças, que acaba de estrear no Cartoon Network.

No ano passado, Tas, a personalidade mais seguida no Twitter brasileiro, concedeu uma entrevista para o livro Cultura digital.br, produzido e elaborado pelos integrantes do Fórum da Cultura Digital Brasileira. A publicação está on-line e pode ser acessada gratuitamente. Nela, Tas fala sobre cultura digital, novas tecnologias, audiência e valores no mundo moderno. A revistapontocom selecionou e editou alguns trechos.

Vale a pena. Confira:

Cultura digital
É uma expressão que está sendo usada momentaneamente só porque digital é uma palavra muito nova na nossa vida. Estamos com essa obsessão de falar assim: cultura digital, TV digital, rádio digital, esparadrapo digital. Daqui a pouco a gente vai parar de falar nisso e falar só cultura, rádio, televisão, como de fato é. O digital já entrou na nossa vida, mesmo na de quem não sabe disso. Mesmo a minha avozinha – que tem quase 90 anos e mora numa cidadezinha do interior – já vive na cultura digital. Mesmo que não navegue na internet, ela vive na cultura digital. As contas, o supermercado, as notícias, a televisão analógica que ela assiste já são impregnados de cultura digital. Vivemos nessa nova plataforma, mas ainda não entendemos isso. Daí essa necessidade de falar, de reforçar o digital. E realmente o impacto não é pequeno. É gigantesco. Digital significa velocidade, interatividade, compactação. Significa que a informação que nos chega só é possível porque foram descobertas várias formas de captação de imagem, de som, de texto. Vivemos brigando com os controles remotos, com as tomadas que estão cheias de aparelhos pendurados. É uma fase de readaptação a isso tudo.

A geração que fala ‘computador’
Quando falo nós, falo de gente da minha idade, da minha geração. Para os meus filhos, isso nem é um assunto. Eles já nasceram assim, eles não possuem nenhum interesse em discutir isso. Quer dizer, eles talvez já estejam automaticamente dentro dessa conversa, mas para eles não faz muito sentido ficar debatendo, sei lá, o controle remoto ou até o computador. Tem uma maneira muito fácil de você identificar a idade de uma pessoa: é contar quantas vezes ela fala a palavra computador. A molecada não fala computador porque computador é igual à eletricidade, é igual à escova de dente, à caneta Bic. Não é algo que chame atenção dela, já que faz parte do cotidiano.

Publicar não é mais privilégio de alguns
No início da minha vida profissional, estava diante de uma novidade tecnológica chamada vídeo. Apareceu a primeira câmera de vídeo, pesava 15 quilos, mas já era uma novidade, porque antes as câmeras só existiam dentro das emissoras de televisão. Então começamos a produzir vídeos e não tínhamos onde publicá-los. A gente passou alguns anos até um canal de televisão ter coragem de publicar um vídeo da Olhar Eletrônico, nossa produtora. Hoje, a revolução digital permite que a gente pegue esse vídeo e publique imediatamente, até ao vivo se a gente quiser. Essa é uma mudança de paradigma gigantesca. A publicação não é mais privilégio de quem detém concessões de televisão, das gravadoras ou, enfim, de quem consegue prensar um DVD. Todos nós podemos ter uma pequena estação de TV, uma pequena editora.

Tempos modernos
Vivemos numa época em que somos muito pretensiosos. Falamos de novas tecnologias como se fosse a primeira vez que elas tivessem aparecido. Vai falar isso para o Buster Keaton [diretor de cinema americano]. Ele foi um cara da nova tecnologia. Ele renovou totalmente a linguagem do cinema no início do século XX. Ele fez coisas que até hoje a gente está assimilando. Para mim, o Keaton inventou uma narrativa não linear que até hoje estamos tentando decifrar. A importância do Buster Keaton não é como descobridor e desenvolvedor de câmeras de cinema, apesar de ter feito isso também. A importância dele está nos filmes, assim como os do Chaplin. Os dois fizeram obras que vão ficar para sempre na nossa imaginação, exatamente por conta da sua capacidade de contar histórias. Seven Chances, Navigators, O General, por exemplo, são filmes do Keaton que tecnicamente são tão complexos como hoje você desenvolve Java, Flash e tal. Só que ele escondeu esse esforço de tecnologia para que ficasse só a história.

O que realmente vale a pena
A gente vive um deslumbramento com isso, o que é natural. Não estou querendo crucifixar quem fica deslumbrado com isso. Afinal, realmente é fascinante o que está acontecendo. Só que a gente tem que tomar cuidado para não ficar falando só da motocicleta. Inventou-se a motocicleta e a gente fica falando do pneu, do aro, do banquinho e não fala da viagem que a gente tem para fazer com a moto. A gente tem que tomar cuidado com isso para não pagar um mico histórico nessa virada. É como aquele cara que aponta para a lua e fica falando do dedo dele e não da lua. Temos que tomar muito cuidado com isso, porque é uma era muito especial, que é, ao mesmo tempo, subestimada e superestimada.

Ferramenta ou conteúdo?
Essa nossa era é subestimada pelos preconceituosos. As pessoas antigas morrem de medo. Os jornalistas são um bom exemplo disso. Ficam falando: “Não, eu gostava da minha Olivetti, quando eu ficava lá na minha Olivetti escrevendo.” Ou seja, confunde-se uma máquina de escrever com uma revolução na comunicação. Para ele, o computador é uma Olivetti com uma impressora que imprime depois. A Olivetti imprimia em tempo real, digamos assim. Ele não vê o computador como um veículo de comunicação. Mas a nossa era também é superestimada,  qualquer blogueiro é um gênio, qualquer um que tem Twitter é um gênio e dá voz, inclusive, para esse cara. Aparece alguém falando: “Ah, o cara foi criticado no Twitter.” Temos que ter cuidado para não perder a perspectiva de que nós estamos falando de pessoas que estão usando essas ferramentas e não das ferramentas. É como se a gente elogiasse um escritor porque ele usa a caneta Bic Cristal Azul. Sou apaixonado por canetas Bic. Tenho coleções de Bic. Mas por que tenho coleção? Porque gosto de entender que tudo aqui é ferramenta, e que não é porque eu vou usar esta daqui que a minha história de hoje vai ser melhor. Tudo vai depender da minha história, da história que tiver para contar. E confundem tudo. Não adianta se você tem essas máquinas todas e não sabe usar. É a confusão do homem com a máquina. Não se pode fazer essa confusão.

Audiência no século XXI é … relevância
Há uma confusão de como definir audiência. Existe uma maneira antiga de se descrever audiência. Claro, tem muita gente que aparece na televisão que tem um blog com muitas visitas. Mas isso, por exemplo, não quer dizer que o blog tenha relevância – que para mim é palavra que devemos colocar no lugar da audiência nesse mundo novo. E me parece que até o pessoal da publicidade está percebendo isso: que não basta mais ir ao Google Analitics e ver quem tem mais visita, porque não vai ter impacto nenhum a mensagem dele. Ele vai procurar quem tem mais relevância, persistência, permanência. É muito fácil, na internet, você ganhar audiência de um dia para o outro, o duro é você manter. Tenho vivido isso muito com o meu Twitter, porque, por alguma razão estranha, eu virei o cara mais seguido no Twitter, no Brasil. Quer dizer, estou há três anos no Twitter e agora o Twitter virou um assunto relevante e estou bem colocado lá. Mas não basta alguém ganhar um monte de seguidores no Twitter. Tenho feito essas experiências. Tem muita gente chegando ao Twitter que fala assim: “Ô, Tas, me anuncia aí, pô, que eu tenho certeza que um monte de gente vai me seguir.” Faço com o maior prazer, você entendeu? Boom! Num dia ele ganha 1.500 seguidores, mas não é fazer com que você tenha um boom de Ibope, como a gente pensava antigamente, que você vai manter a audiência.

Palavra chave: discernimento
Acho que a gente caminha, ou tem a chance de caminhar, para um mundo de maior discernimento, palavra que todos nós devemos guardar no nosso coração. O discernimento é um produto bastante precioso nessa era de gigantescas montanhas de informação. Sem ele, a gente fica navegando à deriva. Isso tudo depende de como as pessoas que planejam a educação vão tratar este mundo novo. Antigamente, o professor chegava à sala de aula e fazia uma transmissão do seu conhecimento. Ele era dono do conhecimento e você fazia um download do que ele trazia. Na prova, ele fazia um teste de memória para ver se você tinha decorado o que ele tinha trazido. Hoje, se o professor achar que é proprietário do conhecimento, ele está fora do mundo. A informação está totalmente disponível e nós vamos ter que encontrar esse discernimento em rede. O conhecimento vai ser produzido desse relacionamento do professor com seus alunos. É tarefa do professor ser um produtor de insights, de fricções de mentes e corações. Você tem que provocar um movimento físico, emocional no interior da pessoa. O cenário digital é muito propício a isso, porque não precisamos mais carregar e decorar livros para cima e para baixo. Tudo está na rede. O que sobra é o discernimento.

Na revolução digital, é preciso ouvir
Está todo mundo falando, como sempre. A maioria das pessoas continua só falando e não ouvindo. Mas as pessoas que começam a se destacar no meio desse barulho são as que ouvem. Essa é uma diferença muito grande. Tem muita gente que me pergunta: “Você fica respondendo e-mail de telespectador?” Tem gente que me faz essa pergunta. Eu falo: “Escuta, essa é a minha profissão.” As pessoas usam a palavra gastar. “Você gasta tempo respondendo e-mail?” Eu falo: “Se eu não faço isso eu não consigo me comunicar, porque é outra obviedade da comunicação: que o quê eu comunico não é o que eu falo, mas é o que a pessoa ouve.” As pessoas ouvem coisas muito diferentes daquilo que eu acho que eu estou falando, então escuto a pessoa, porque só aí entendo o que estou comunicando. Ou faço isso ou falo sozinho. Eu conheço dezenas, para não chegar a centenas, de colunistas que ficam falando, e eles não sabem que as pessoas estão ouvindo outra coisa. E o colunista passa uma carreira inteira achando que arrasou. Publica aquele livro com todas as colunas e… as pessoas ouviram uma outra coisa. Hoje existe a chance de poder receber de volta, em tempo real, o que você está falando. O Twitter permite muito isso. Você diz e tem uma volta muito rápida dessa onda que você disparou.

Fonte – Cultura.br
Edição – Marcus Tavares
Foto da capa da revistapontocom – Renato Stockler

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Flai
Flai
14 anos atrás

Gostei muito, como sempre, do que o Marcelo fala. Tudo muito oportuno, principalmente, para mim como professora da área de comunicação integrada de marketing e pesquisando novas mídias na publicidade. Parabéns. Vou continuar seguindo o Marcelo pq ele escreve também de forma muito agradável. Passo alguns de seus textos para discutir em aulas e concordo totalmente que nós não somos donos da verdade, até porque muitos alunos vêm hoje com um conhecimento muito grande e atualizado. Trocamos idéias nas aulas e eu também aprendo muito com esses mais informados. Abraço para o Marcelo.

Danielle Calado
Danielle Calado
14 anos atrás

O que Marcelo escreve é uma realidade, infelizmente não há como voltar atrás e querer escrever em uma Olivetti. A internet, o Twiter, a TV digital, blogs e etc estão aí, o mais importante é conhecer, saber usar e poder colocar em prática na sala de aula. Contudo os nossos educadores tentam repassar o conhecimento da mesma forma como aprenderam, ou seja, a duas ou três décadas atrás. Se for assim como conquistar os jovens para aprender a ser, aprender a aprender se os seus educadores vivem numa realidade da máquina de escrever?

Mario
Mario
14 anos atrás

Gosto muito do Tas, já vi muitas de suas aparições na TV e concordo com seus pontos de vista, mas ainda não compreendi o que realmente é este tal de Twiter, embora eu já esteja conectado a ele. Acho que internet é uma ferramenta que não só pode nos fornecer oportunidades de desenvolvimento pessoal como de emburrecimento. Aparentemente está havendo uma confirmação do McLuhan: o meio é a mensagem. O que é dicernimento, afinal? Alguém que não me lembro o nome escreveu um livro dizendo que o Google nos emburrece, que não temos mais paciência para ler textos longos, que ninguém hoje em dia tem saco para ler Guerra e Paz, etc. etc. Não quero estender-me mais. Desculpe minhas observações não lineares. Enfim, a vida não é linear…

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