“Compreendo que o papel fundamental da educação é formar para a vida, em especial, a vida em sociedade, o que implica um conceito de cidadania”, destaca Inês Vitorino.
Por Marcus Tavares
O que é midiaeducação? Um conceito? Uma ideia? A sua grafia escrita junta ou separada traduz algum significado? Existiria outro termo que definiria melhor a interface entre a educação e a mídia? Trata-se de um novo campo de estudo? A revistapontocom dá prosseguimento à publicação da primeira parte do Dossiê midiaeducação, na qual publica entrevistas com professores, estudiosos e pesquisadores sobre o tema. A cada semana, uma nova entrevista. Um novo olhar. Uma nova perspectiva sobre a interface mídia e educação.
Para a OSCIP Planetapontocom, midiaeducação é um conceito que se traduz em um trabalho educativo sobre os meios, com os meios e através dos meios. Sobre os meios, refere-se ao estudo e análise dos conteúdos presentes nos diferentes meios e suas linguagens. Com os meios, trata-se do uso dos meios e suas linguagens como ferramenta de apoio às atividades didáticas. E através dos meios, diz respeito a produção de conteúdos curriculares para e com os meios, em sala de aula e, também, a educação a distância ou virtual, quando o meio se transforma no ambiente em que os processos de ensino-aprendizagem ocorrem.
Nilda Alves, Rosália Duarte, Eduardo Monteiro, Monica Fantin, Guaracira Gouvêia e Marcia Stein são alguns dos nossos convidados que já foram entrevistados. Nesta semana, você confere a entrevista concedida pela professora Inês Vitorino.
Coordenadora do Grupo de Pesquisa da Relação Infância e Mídia (Grim), da Universidade Federal do Ceará (UFC), e integrante do projeto de extensão TVez: educação para o uso crítico da mídia, da mesma instituição, Inês afirma que, nos dias de hoje, os profissionais da educação devem investir na capacidade de comunicação e de expressão dos seus alunos. “Isto significa, sobretudo, contribuir para que dominem as tecnologias da informação e comunicação, em particular, suas diferentes linguagens e signos, favorecendo processos de leitura crítica de si e da sociedade em que vivem e, com isso, sua participação cidadã”, destaca.
Em entrevista à revistapontocom, Inês, professora do mestrado em Comunicação da UFC e autora do livro “Televisão, publicidade e infância”, analisa o conceito e a origem do termo midiaeducação.
Acompanhe
revistapontocom – Como podemos definir o conceito mídiaeducação?
Inês Vitorino – Terminologias como “educomunicação”, “mídia-educação”, “educação para o uso crítico das mídias”, entre outros, expressam alguma tentativas de articulação dos campos da comunicação e da educação. São termos que se encontram em disputa, evidenciando as ênfases concernentes aos campos tensionados por esta aproximação. O termo educomunicação, por exemplo, tende a ser mais aceito pelos comunicadores, tal como Soares (1999). Nessa perspectiva, o conceito de comunicação assume um sentido amplo e complexo, não reduzido ao conceito de mídia simplesmente, mas associado à noção de processos comunicativos. Em outras palavras, questiona-se, nessa linha, a expressão “mídia”, considerada empobrecedora, pois vinculada, sobretudo, à dimensão instrumental da comunicação, como “veículo”, “canal” mediante o qual se realizam os processos comunicativos. Associada a essa lógica instrumental de caráter redutor se compreende a ênfase nos “usos” da comunicação como “recurso” pedagógico. O termo mídia-educação, por sua vez, tende a ser preferido pelos pedagogos, como Fantin (2006). O conceito se propõe a resgatar a importância do campo educacional para essa discussão, o qual estaria, na terminologia anterior, reduzido ao prefixo “edu”. Com isso, estaria assegurado, para os autores que defendem essa nomenclatura, o equilíbrio necessário entre os campos da comunicação e da educação, em particular, os aspectos da autonomia e da complexidade dos referidos campos. Na nossa compreensão, a redução do processo comunicacional ao termo mídia, compromete a terminologia proposta, ao ressaltar apenas uma dimensão da comunicacão, a instrumental, negligenciando as outras dimensões – técnicas, de linguagem e institucional – da comunicação. Um problema presente em todas essas terminologias, contudo, é, ainda, a abrangência que se pretende dar ao termo educação. Será mesmo adequada esta ênfase? Não seria necessário pensar, na verdade, a comunicação no diálogo com a psicologia, a sociologia, a filosofia, assim como a biologia, a geografia, enfim, com todos os campos de saberes que possam ser importantes à produção ética e de qualidade de conteúdos e formas? Em outras palavras, como formar, sem considerar todo o conhecimento humano produzido?
revistapontocom – De onde surgiu este conceito?
Inês Vitorino – Creio que esta não é uma questão muito pessoal. Sugiro ver sobre o assunto nas respectivas obras dos seguintes autores: FANTIN, Mônica (2006.). Mídia-Educação: conceitos, experiências e diálogos Brasil e Itália, Cidade Futura; e SOARES, Ismar de Oliveira (1999). Comunicação/Educação, a emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais in Contato, Revista Brasileira de Comunicação, Arte e Educação, Brasília, ano 1, n.2.
revistapontocom – Qual é o objetivo da mídiaeducação?
Inês Vitorino – Pelas razões supra-citadas, não utilizo este conceito, mas identifico que a proposta subjacente às terminologias “educomunicação”, “midia-educação”, “alfabetização para os meios”, “uso crítico das mídias” etc. seja (ou deveria ser) a de promover um envolvimento crítico com os processos comunicativos, em particular, da comunicação midiática, o que inclui a leitura crítica dessa comunicação e também a sua apropriação, ou seja, a possibilidade de vivenciar a comunicação como direito, em particular, como forma de expressão, como partilha de diferentes formas de ver e agir no mundo.
revistapontocom – Haveria algum nome mais oportuno para o binômio mídiaeducação?
Inês Vitorino – Ainda não tenho uma resposta que considere satisfatória. Se compreendermos a comunicação, com base em uma perspectiva freireana, por exemplo, talvez não tivéssemos a necessidade de ter um termo específico para definir esse campo. Em outras palavras, talvez seja mais frutífero resgatar o sentido fundamental do próprio termo comunicação, como partilha de diferentes modos de ver e vivenciar o mundo. Mas estas são questões que eu ainda estou elaborando.
revistapontocom – Qual é o papel da educação na interface mídiaeducação?
Inês Vitorino – Compreendo que o papel fundamental da educação é formar para a vida, em especial, a vida em sociedade, o que implica um conceito de cidadania. Nesse processo formativo, cabe aos profissionais da educação estimular a capacidade de comunicação e, portanto, de expressão dos seus alunos. Isto significa, sobretudo, contribuir para que dominem as tecnologias da informação e comunicação, em particular, suas diferentes linguagens e signos, favorecendo processos de leitura crítica de si e da sociedade em que vivem e, com isso, sua participação cidadã.
revistapontocom – Qual é o o papel da mídia na interface mídiaeducação?
Inês Vitorino – Nesse caso, compreendo que você está se referindo ao papel das instituições de comunicação e seus profissionais. Eu diria que o principal papel que lhes cabe é contribuir para a constituição e o fortalecimento de esferas públicas plurais e participativas, nas quais os diferentes indivíduos e grupos que compõem a sociedade – inclusive as crianças e os jovens que nela se inserem como aprendizes – tenham a real possibilidade de exprimir suas idéias de forma livre e transparente sobre as questões que os tocam nos campos político e cultural, em sua acepção mais ampla. Nessa perspectiva, os profissionais de comunicação teriam a responsabilidade de colaborar para a prevalência de uma comunicação de qualidade no âmbito de tais esferas públicas, que permitisse aos cidadãos o acesso à informação qualificada e a partilha da riqueza e complexidade dos mundos nos quais vivemos, em termos locais e globais.