Livro resgata o lugar dos impressos efêmeros do século XIX

“Mexendo nessa papelada desprezada que são os efêmeros, descobrimos um Brasil bem mais divertido e original daquele  que aparece nos livros de História”, Rafael Cardoso.

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Por Marcus Tavares

Você, com certeza, não dá muita atenção para aquela quantidade enorme de papeizinhos que é insistentemente oferecida por ambulantes nas principais ruas da cidade. Muito menos para os rótulos das embalagens, cardápios, filipetas, santinhos… Mas saiba que estes papéis têm nome e sobrenome. São chamados de impressos efêmeros. E mais: despertam interesse de pesquisadores, pois, por meio deles, é possível reescrever a história de uma sociedade.

Não é à toa que um dos textos do livro Marcas do progresso: consumo e design no Brasil do século XIX, lançado na semana passada pela Editora Mauad e pelo Arquivo Nacional, aborda exatamente a importância destes papéis. O autor Rafael Cardoso, escritor, historiador da arte e professor da PUC-Rio, destaca as características técnicas do material e o potencial desse acervo para demolir uma série de esquemas históricos estabelecidos, permitindo também traçar a evolução do processo litográfico no país.

Organizado pelas historiadoras Cláudia Hevnemann e Maria do Carmo Rainho, o livro faz um passeio pelas ruas do século XIX, vislumbrando os balcões de lojas, as penteadeiras e armários de cozinha que exibiam rótulos luxuosos ou caseiros, evocando repetidas vezes, em imagens de locomotivas e máquinas a vapor, a velocidade incessante do progresso.

A revistapontocom conversou com Rafael Cardoso para conhecer um pouco mais sobre o universo dos impressos efêmeros.

Acompanhe:

revistapontocom – O que são os impressos efêmeros?
Rafael Cardoso –
“Efêmeros” é um termo usado por pesquisadores de história gráfica para falar sobre os impressos avulsos que costumam ser descartados ou negligenciados, em relação aos cuidados recebidos por impressos mais ‘nobres’, como os livros.

revistapontocom – Quais são as características destes impressos?
Rafael Cardoso –
A rigor, excetuando-se os livros, quase todo impresso é “efêmero”, pois é feito para ter uma duração curta. Mas, na prática, usamos o termo para se referir a uma gama considerável de impressos que não entra nas categorias livro, revista, jornal e nem fazem parte de categorias tradicionalmente colecionáveis como selos, papel moeda, mapas, cartazes etc. Para citar alguns exemplos: rótulos, etiquetas, folhetos, filipetas, calendários, santinhos, cardápios, embalagens, cartões de visita, papéis timbrados e assim por diante.

revistapontocom – Qual era a importância destes impressos?
Rafael Cardoso –
Os impressos efêmeros são geralmente ligados às atividades comerciais. Refletem os costumes e linguagens de sua época com uma espontaneidade e franqueza que, muitas vezes, escapa aos impressos mais formais. Os efêmeros estão para a linguagem gráfica assim como os coloquialismos e a gíria estão para a linguagem verbal.

revistapontocom – O que estes impressos efêmeros nos dizem hoje? Eles representaram uma transição/evolução do dia a dia da sociedade do século XIX?
Rafael Cardoso –
Os efêmeros continuam a ser produzidos a todo vapor. Grande parte da papelada com qual você entra em contato todos os dias é efêmera. Esses impressos não são fenômeno de transição. Eles são um aspecto onipresente da sociedade de comunicação em massa.

revistapontocom – Estes impressos efêmeros são uma característica do Brasil?
Rafael Cardoso –
De forma alguma. Existem no mundo todo. A designação “efêmeros” vem do inglês, aliás. O original é “printed ephemera” (efêmeros impressos). Existem, há décadas, sociedades e coleções dedicadas a esse tema nos países de língua inglesa.

revistapontocom – Ainda existem esses impressos? Qual é o espaço que eles têm hoje?
Rafael Cardoso –
É só olhar à sua volta. Deve ter um monte de impressos efêmeros pertinho de você: na sua mesa, na sua pasta, no seu bolso. Se não tiver, é só ir para a rua. São distribuídos de graça e vendidos em camelôs e bancas de jornal.

revistapontocom – O Brasil desenvolveu uma linguagem própria para esse tipo de impresso?
Rafael Cardoso –
Eu diria que sim. Este é um dos aspectos mais fascinantes do estudo dos efêmeros. Por serem objetos gráficos ‘coloquiais’, evoluem muito rapidamente e acabam assumindo uma inflexão própria em cada lugar, um sotaque, distanciando-se da ‘norma culta’ do bom gosto.

revistapontocom – Que História podemos contar a partir da história destes impressos?
Rafael Cardoso –
Ótima pergunta! Ainda não foi contada essa história. Para mim, descobriremos um outro país. No Brasil, costumamos pensar nossa história a partir dos registros canônicos, das grandes obras, dos documentos oficiais. Poucas vezes, olhamos para o lado e para o chão, ainda mais no estudo histórico de nossa cultura. Mexendo nessa papelada desprezada que são os efêmeros, descobrimos um Brasil bem mais divertido e original daquele que aparece nos livros de História.

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