“A criança brinca independentemente de ter ou não brinquedos”, Edda Bomtempo
Por Marcus Tavares
Vem aí o Dia da Criança e com ele uma grande preocupação dos pais: qual presente comprar para os filhos? Na sociedade do consumo, a data não pode passar em branco sem algum embrulho bonito e aguardado pelas crianças. Conselheira da Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedo (Abrinq) e professora do Instituto de Psicologia da USP, Edda Bomtempo tem vários trabalhos publicados sobre o tema, a maioria na área de psicologia dos brinquedos.
Estudiosa do assunto há mais de 30 anos, a professora afirma que os pais, em sua grande maioria, não sabem presentear seus filhos por uma simples razão: não escutam o que eles querem. E mais: além de saberem ouvir a criança na hora de comprar o brinquedo, a professora recomenda aos pais que brinquem com seus filhos. “Na brincadeira, a criança relaxa e se solta. Muitas vezes descobrimos o que ela tem para contar. É uma oportunidade de conhecer a criança, seus medos, anseios e valores”, destaca.
Para Edda, os brinquedos devem fazer parte, principalmente, do cotidiano das escolas. “Se o processo de aprendizagem for desenvolvido por meio da brincadeira, ele será facilitado. Veja, por exemplo, como as crianças – muitas ainda recém alfabetizadas – já sabem de cor todos os nomes dos personagens do desenho animado Power Rangers. Nomes, muitas vezes, complexos. Ficamos bobos de ver como eles sabem. Isso prova que, por meio da ludicidade, é possível aprender conhecimentos”, destaca.
Acompanhe a entrevista publicada pelo Centro Internacional de Referência em Mídias para Crianças e Adolescentes (Rio Mídia):
Qual é a função do brinquedo no crescimento da criança?
Edda Bomtempo – O brinquedo é um objeto que serve como suporte para a brincadeira. Ele tem diversas funções. Entre elas, destaco a função terapêutica, a socializadora e a cognitiva. Um bom brinquedo é aquele que é desafiador para a criança. Ele precisa instigar a curiosidade da garotada. Um brinquedo que não estimula a criança, que não cria desafios, acaba não sendo atrativo. Digo sempre que o brinquedo tem que trazer elementos novos. Mas é preciso destacar que a criança brinca independentemente de ter ou não brinquedos. Ela por contra própria transforma objetos em brinquedos. Deixe a criança, por exemplo, na cozinha. As panelas ganharão um novo significado. Serão transformadas em brinquedos e a criança vai se divertir da mesma forma.
É possível classificar uma geração de crianças por meio dos brinquedos que fazem parte do seu cotidiano?
Edda Bomtempo – Oficialmente não existe esta classificação, mas se olharmos para as crianças de hoje e para o tipo de brinquedos que usam poderíamos chamá-las de Geração das Tecnologias ou Geração das Máquinas. Afinal, estamos diante de crianças que utilizam, principalmente, os suportes eletrônicos como brinquedos. Veja o sucesso dos jogos eletrônicos e dos videogames. As crianças, e em especial os meninos, são vidradas neste tipo de entretenimento. Esta atração (a dos jogos eletrônicos) está muito ligada ao fato de que o computador é um brinquedo altamente desafiador e instigante. Não é à toa que as crianças vivem grudadas nele. Sem dúvida nenhuma, ao contrário das anteriores, é uma geração voltada para os brinquedos eletrônicos e digitais. Antigamente, as meninas e os meninos brincavam fora de casa, tinham outros costumes. Hoje em dia quase não há mais espaços livres. Mas faça uma experiência: viabilize o contato deles com outros tipos de brinquedos e brincadeiras. Você verá que eles vão gostar bastante. Brincar desenvolve o repertório verbal, a criatividade, a formação de conceitos, conhecimentos em geral, etc.
A indústria de brinquedos está atenta a estes detalhes?
Edda Bomtempo – Diria que muito mais do que antes. No entanto, em sua grande maioria, os fabricantes fazem pesquisas apenas mercadológicas querendo saber o que vende. O problema é que nem sempre o que vende é o melhor. Poucas indústrias desenvolvem pesquisas e estudos com o objetivo de entender a fundo a relação entre as crianças e os brinquedos. Trata-se de um processo que requer tempo e investimento. É muito importante saber o que as crianças gostam, porque gostam de determinados brinquedos e de que forma esses brinquedos podem ser cada vez mais atrativos.
Os pais sabem comprar brinquedos para seus filhos?
Edda Bomtempo – Em geral não sabem. E digo que não sabem por uma simples questão: eles não escutam seus filhos. Muitas vezes, os pais ou responsáveis compram determinado brinquedo achando que seus filhos vão gostar ou que vai ser útil do ponto de vista da aprendizagem. Muitas vezes se enganam. É preciso escutar o que as crianças têm a dizer. Estou do lado delas. Durante estes 30 anos de estudo, constato que as crianças sabem o que querem e geralmente estão cheias de razão. Não estou querendo dizer com isto que os pais ou responsáveis não devam lançar mão de novos brinquedos que às vezes as crianças desconhecem. Isto também é importante. Mas é fundamental escutá-las. Não podemos esquecer que as crianças também são bombardeadas pela publicidade a todo o instante. É o papel da propaganda. Cabe aos pais filtrar estas informações.
Que brinquedos vêm sendo usados de geração em geração?
Edda Bomtempo – Há brincadeiras e brinquedos que vêm se perpetuando de geração em geração. Entre eles podemos citar a bola, o pião, a bola de gude, o dominó, a dama, o xadrez, a trilha (jogos de tabuleiro); os jogos de memória; os de conhecimento; e os de construção. Estudos mostram que há um resgate deste tipo de brincadeira. O Banco Imobiliário, o War e o Detetive também são jogos que vêm sendo utilizados por várias décadas. Isso sem falar nas bonecas, é claro. Sua origem provavelmente ocorreu no Egito, há cinco mil anos.
Brincar rima com escola?
Edda Bomtempo – Deveria. A presença do brinquedo na sala de aula é muito importante. Se o processo de aprendizagem for desenvolvido por meio da brincadeira, ele será facilitado. Veja por exemplo como as crianças – muitas ainda recém alfabetizadas – já sabem de cor todos os nomes dos personagens do desenho animado Power Rangers. Nomes, muitas vezes, complexos. Ficamos bobos de ver como eles sabem. Isso prova que, por meio da ludicidade, é possível aprender conhecimentos. A brincadeira e o brinquedo não devem estar na sala de aula como mais uma tarefa, mas como uma proposta lúdica. Aquilo o que as crianças aprendem com e por meio dos brinquedos fica gravado. Muitas vezes, brincar só é permitido na Educação Infantil. Quando as crianças chegam à 1ª série, os professores logo dizem: acabou a brincadeira. O que é reforçado pelos pais. Eles acham que seus filhos não podem ir para a escola para brincar, mas para estudar.
No Dia das Crianças que presente os pais poderiam dar a seus filhos?
Edda Bomtempo – Eles deveriam procurar observar os brinquedos que seus filhos gostam. Deveriam dialogar com eles e, principalmente, brincar com eles. Quando você brinca com a criança, você passa a conhecê-la melhor. Na brincadeira, a criança relaxa e se solta. Muitas vezes descobrimos o que ela tem para contar. É uma oportunidade de conhecer a criança, seus medos, anseios e valores.
A professora Edda Bomtempo, argumentou com propriedade, seu lado de Conselheira da Associação de Fabricantes de Brinquedos (Abrinq). Nos tempos de hoje, onde a mídia impõe o que devemos consumir, realmente os pais devem estar atentos. Grande parte dos brinquedos fabricados hoje, além de estarem fora da realidade financeira do país, se divertem por si só ou se reportam a programas veiculados na TV, que acarretam além de grande excitação, também uma enorme carga de violência nas crianças. Realmente, se faz necessária esta aproximação dos pais nesta data lúdica. Porém, como o lúdico não representa dinheiro gasto, o mais saudável seria, se os pais, realmente estivessem entrosados com seus filhos, participando desse período lúdico, e criando com seus filhos seus próprios brinquedos. É necessário deste cedo, fazer com que a criança sinta a necessidade de controlar esse consumismo desenfreado que aí se encontra; aprender a reciclar materiais, contribuindo com o meio ambiente, e ter noção do que aquele valor cobrado por um simples brinquedo, representa no orçamento de cada família. Quantas são as crianças que por possuirem tantos brinquedos, não veem graça em mais nada? Quantas são as crianças que deixam seus pais com o coração partido, por não poderem ofertar ao filho, aquele brinquedo pedido, que por muitas vezes, tem seu preço maior que o orçamento daquela família? Ideal seria, que pais e filhos, se unissem, quanto a compra de algum brinquedo industrializado, economizando juntos, até obter o valor necessário para a compra. São tantos os brinquedos que podem ser feitos com material reciclável! Que tal fazer como uma boa costureira, que vai a loja, vê os modelos da época, e depois, faz uso, reciclando roupas já usadas, dando a elas, nova cara? Assim, também pode ser feito com as famílias, com relação a determinados brinquedos que são vendidos. Vai-se até a loja, registra-se o que se quer, observa-se que tipo de material pode ser usado dentre os recicláveis e…mãos à obra! Será muito mais divertido para criança estar com seus familiares unidos num objetivo comum; o que servirá como conduta para outras situações familiares, do que ficar meses e meses, pagando por vezes um brinquedo, que talvez, nem mesmo no dia comemorativo, tenha surtido o efeito desejado. Se ensinarmos desde pequeninas, as nossas crianças a comprarmos, aquilo que realmente acreditamos ser de necessidade, estaremos dando um passo em direção a vida real, brasileira. Ensine seus filhos a dar valor ao que luta por conquistar; como você pai, que sai para trabalhar todos os dias, e muitas vezes, tem um salário inferior a um “brinquedo” que seu filho tanto foi condicionado pela mídia, a desejar. Se aproxime mais de seu filho, converse com ele, mostre-lhe o quão melhor é passar esses momentos com a família, e não, por vezes, observando um brinquedo que se”diverte” sozinho, e ele é mero espectador.
Reflita sobre isso!