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TV que te quero ver…

Débora Pires Garcia
Coordenadora de Conteúdo do Canal Futura.
Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense – autora da dissertação: Muito além das Chiquititas: um estudo sobre representações sociais infantis acerca da televisão – 1998.

Os efeitos negativos que a TV acarretaria sobre seu público, sobretudo sobre aqueles telespectadores com menor poder aquisitivo, menos acesso aos bens culturais e, como poderíamos supor numa análise apressada, com menos condições de decodificar as mensagens televisivas, selecionando aquelas que de fato seriam as mais adequadas e – segundo nossa visão – “sadias”, nunca saiu da agenda de preocupações de toda sorte de especialistas, mas agora, especialmente, se tornou um tema candente.

Mais maléficos seriam, neste sentido, os efeitos da televisão sobre as crianças pobres, ainda mais “vulneráveis” a seus “ efeitos nefastos” , com pouca chance de compreensão e depuração das informações veiculadas neste sedutor veículo de comunicação.
Reforçando a compreensão de que as classes populares encontram dificuldades em optar por uma programação de maior qualidade na TV, altos índices de audiência em torno de programas classificados como “populares”, com forte apelo em cenas dramáticas, violentas ou mesmo bizarras, têm sido freqüentes.

No entanto, contrariando a crença de muitos teóricos da comunicação e da educação, recente estudo feito com 4.358 estudantes das classes A, B e C de São Paulo, revela que justamente os jovens com menor poder aquisitivo são os que mais reclamam por programas educativos, em detrimento daqueles que ridicularizam seus participantes, ou não oferecem conteúdo edificante. A pesquisa foi realizada durante o mês de maio pela empresa CPM Market Research, ouvindo estudantes de 12 escolas particulares e quatro escolas públicas da cidade.

Segundo a pesquisa, 69% dos entrevistados preferem que a TV exiba mais programas educativos, sendo que a demanda por esse tipo de programação cresce à medida em que o poder aquisitivo do entrevistado diminui.
O que esses dados significam? Como pode, por exemplo, o jovem pobre assistir a programas de qualidade duvidosa e, ao mesmo tempo, pedir por uma oferta televisiva de conteúdo educativo? Essa foi uma das questões que balizou a pesquisa para a dissertação de Mestrado, que investigou como crianças pobres cariocas entendem a TV, defendida em 1998 no Departamento de Educação da Universidade Federal Fluminense.

A pesquisa partiu, então, da idéia de que a criança (e assim também o jovem) faz parte de uma comunidade maior, onde encontra ferramentas necessárias para construir sua identidade, sua visão de mundo, seus valores e crenças. Todo esse processo acontece nos espaços e vivências cotidianas, com a família, no convívio com o grupo social, na escola, e também diante da TV. São essas, portanto, as estruturas básicas que permitirão à criança (ou ao jovem) interpretarem o que acontece a sua volta, atribuindo significado e relevância aos acontecimentos sociais.

As crianças ouvidas na pesquisa são moradoras de favelas da zona sul carioca, freqüentam escola pública, são filhas de pais com baixíssimo poder aquisitivo e estudam no primeiro segmento do ensino fundamental. Para elas, ficou claro na investigação, TV é educação e entretenimento. É informação com propósito, informação que necessariamente deve ajudar o cidadão pobre a melhorar de vida e a entender o mundo que o cerca.

Recorrentemente afirmaram que não gostam de ver na TV cenas de violência e de sexo. Por viverem um dia-a-dia tenso, povoado por ameaças reais de vida e pela incerteza do amanhã, é compreensível que não lhes agrade depararem-se novamente com tais cenas na tela da TV. Isso diz respeito também às cenas de sexo, pois, em seus depoimentos aparecem esperanças intensas de um futuro mais doce, tranqüilo e, também, mais romântico.

Coincidindo com os jovens de classe C da pesquisa da CPM Market Research, essas crianças esperam que a TV lhes traga uma certa antecipação de futuro, quando afirmam que este meio de comunicação de massa precisa dizer o que está para acontecer, predizendo o “duvidoso” e permitindo-lhes, de alguma forma, organizarem seu cotidiano em função das poucas certezas de que dispõem.

Espantosa também é a forte referência que essas crianças encontram em família, que funciona como balizadora de atitudes, de comportamentos e de escolhas de vida. Em muitos relatos colhidos, ficou patente o respeito e a admiração com que falam do esforço de seus familiares em lhes garantir a comida de cada dia e a possibilidade de acesso à escola.

O entorno social é capaz de nortear as escolhas televisivas infantis. Elas pedem por mais novelas “caseiras”, por mais informação útil, por mais prognósticos de futuro e, em contrapartida, por menos violência gratuita e desnecessária.

Mesmo contrariando os índices de audiência, podemos afirmar que as crianças que participaram desta pesquisa, assim como os jovens de São Paulo já citados, – tal como afirmam – querem uma TV menos apelativa, com mais informação útil, com mais compromisso com a ética e com a qualidade. O acesso deste grupo social à Internet, a cursos extra-curriculares, a viagens, ao teatro, ao cinema é consideravelmente menor que o de grupos abastados. Para estes, sim, a TV pode ser mais uma possibilidade real de acesso ao saber, além da escola. Para os mais pobres, o tempo urge.

É com certeza possível associar programação atraente, divertida e saborosa à informação, conhecimento, valores… Ou estaríamos vivendo uma profunda crise criativa e emburrecedora que não nos estaria permitindo romper com a lógica de mercado que acredita que “menos é mais”? Respondendo a essa provocação estariam aí os recentes canais a cabo Futura e TV Senac, além das já tradicionais TV Cultura e TVEducativa, fora os canais de fora, com conteúdos que mesclam entretenimento e informação, tais como NGO, History Channel, Discovery, Animal Planet, Discovery Health.

Seja pelo compromisso político de falar com, para e sobre as classes populares, uma vez que assim conhecemos suas lutas, dilemas, fragilidades e conquistas ou, simplesmente porque nos indignamos com a tônica da programação de baixa qualidade oferecida pela TV aberta brasileira, é preciso que engrossemos o coro daqueles que, a despeito de suas origens sociais ou conta bancária, clamam por uma TV engajada e ética.

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