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O pop é papa: fortuna e infortúnios de Michael Jackson

João Vianney Cavalcanti Nuto
Professsor da UNB

A trajetória de Michael Jackson – marcada por fama, fortuna e infortúnios – distingue-se daquelas de demais astros da cultura pop somente pelo grau supremo de sua realização, que lhe valeu o título de “rei do pop” – agora tão propagado, apesar da fase de decadência da qual o astro tentava reerguer-se. Seu sucesso, seus dramas pessoais, a comoção mundial causada por sua morte resultam não somente de suas qualidades individuais, mas também do aparelho da indústria cultural e dos condicionamentos da sociedade de consumo. Em que pesem seu inegável talento e carisma, não se pode deixar de notar que sua obra ganhou repercussão mundial graças ao poder de propagação da indústria cultural norte-americana.

Comoções à parte, o sucesso e a morte precoces de Michael Jackson são ótima oportunidade para refletirmos sobre as condições que o geraram – que incluem também o fascínio exercido por sua personalidade. Mais que louvar seu talento ou lamentar os problemas que enfrentou e sua morte repentina, importa entender Michael Jackson como figura emblemática de uma série de características da sociedade ocidental, intensificadas a partir de meados do século XX.

Zygmunt Bauman, ao caracterizar a fase atual da sociedade capitalista como sociedade de consumo, afirma que os membros dessa sociedade não são apenas consumidores: são, eles mesmos, mercadorias, pois, para se aproximarem do ideal do consumo ilimitado, precisam constantemente renovar-se no atendimento ao mercado, sempre ávido por novidades.

Em Michael Jackson, esse trabalho de adequação, sua “fórmula de sucesso”, encontra-se na lapidação do seu talento, por meio de um intenso trabalho – imposto pelo pai de maneira brutal – que lhe roubou a infância. Há também a precocidade do sucesso, a gigantesca fortuna que auferiu (contudo, insuficiente para atender suas exigências de consumo), os traços narcisistas do seu comportamento – manifesto nas sucessivas alterações a que submeteu o corpo, no comportamento extravagante, no consumo compulsivo tanto de medicamentos quanto de bens em geral, no esforço insano para recuperar o sucesso e pagar dívidas resultantes de um consumismo sem limites, na espetacularização (voluntária ou não) de sua vida privada, na propagação globalizada do seu trabalho e na comoção mundial causada por sua morte.

Desde a infância, Michael Jackson teve corpo e alma treinados para o sucesso, entendido unicamente como fama e fortuna. Esse verdadeiro adestramento resultou em enormes dificuldades para lidar com todos os aspectos da vida que não se relacionassem com trabalho, sucesso e consumo. Seu estilo de vida narcisista reflete todos os excessos e carências de uma vida voltada para a celebridade, que, no mundo atual, é a personalidade mercantilizada. Não há dúvida de que Michael Jackson atingiu o ideal da sociedade descrita por Bauman: a fusão do máximo de consumo com o máximo de mercadoria.

Disso resulta sua fortuna e infortúnios. Como observa Bauman, o que move a sociedade de consumo é a permanente insatisfação, que torna os produtos rapidamente obsoletos e descartáveis. Mas, para manter seu padrão insaciável de consumo, o próprio consumidor – também  mercadoria – luta constantemente para não se tornar obsoleto, o que eliminaria sua capacidade de consumo, empurrando-o para o mundo dos excluídos.

No caso de Michael Jackson, exclusão significava redução da aura de celebridade e da fortuna. O narcisismo fomentado pelas carências afetivas jamais compensadas pelo sucesso contribuiu para o tom melancólico da vida e morte do rei do pop. Ironicamente, o homem que não queria largar a infância e pretendia viver até os 150 anos, teve uma morte hoje considerada precoce mesmo para quem não tem as melhores condições materiais.

Esse artista multimilionário morreu, como tantas pessoas comuns, por causa do esforço para pagar dívidas e manter-se no mercado. Como tantos, buscou aliviar seus problemas emocionais por meio do trabalho e do consumo compulsivo. Como tantos, precisou sustentar-se nessa forma de consumismo afetivo, que é a busca constante da admiração dos outros. Mas, ao contrário da grande maioria, contou os com meios para satisfazer seus caprichos – e também passou pela experiência melancólica de sentir que esses meios não trazem toda a satisfação que prometem.

Em que pese a grande admiração por sua obra – que, pelo menos fora dos Estados Unidos andava meio esquecida – parte do fascínio de sua personalidade provém do fato de ter realizado um ideal de consumo que poucos conseguem e muitos desejam. O lado melancólico de sua trajetória nos alerta para as carências que o ciclo trabalho-sucesso-consumo não satisfaz. Lembremos que, talento à parte, há uma porção de Michael Jackson em muitos anônimos da sociedade moderna.

– Artigo publicado no site da Universidade de Brasília
www.unb.br

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