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Juventude, participação e cidadania: que papo é esse?

Por Regina Novaes
Antropóloga e professora. Ex-secretária-adjunta da Secretaria Nacional de Juventude e ex-presidente do Conselho Nacional de Juventude

Juventude, cidadania e participação: que papo é esse? Pode ser um papo furado, que não leve a nada. Pode ser que não renda, que seja insuficiente em termos de contribuição à democracia, de questionar padrões da cultura brasileira. Se a juventude repetir apenas uma maneira usual de fazer política, de disputar espaços, ela não vai mudar nada. Ou seja, não estamos falando apenas de uma questão de faixa etária, mas de uma mudança de olhar a sociedade. Se assim for, este papo pode render muito. Pode render, sim, com muitos desafios. Não é nada automático, nada mágico. Pode ser um importante elemento construtor de democracia, de uma sociedade mais justa de direitos.

Acho que essa pergunta “que papo é esse?” poderia ser substituída “por que onda é essa?”, “que moda é essa?” Por que está na moda falar em políticas públicas para a juventude? Por que se inventou agora que a juventude é depositária de todas as possibilidades? Não é por acaso que hoje, ao final do século XX e início do século XXI, um novo ator social [a juventude] aparece na cena pública, como a questão racial e a das mulheres já apareceram. Por que agora a juventude aparece? Infelizmente, não é por uma coisa boa. Poderia ser por reconhecimento. Mas não é. A questão da juventude vem para a cena pública quando ela passa a ser o segmento mais vulnerável frente às mudanças sociais que acontecem no mundo de hoje.

Quando a gente soma, em especial no Brasil, uma história de desigualdades sociais e de exclusão com uma realidade mundial de mudanças de relações de produção e de exclusão de grupos sociais, a juventude torna-se o segmento mais atingido. É por isso que a juventude aparece, atualmente, como um ator social, enfrentando diversos desafios da sociedade contemporânea.
A grande questão é que o jovem dos dias atuais tem medo de sobrar. A sua inserção produtiva não está garantida. Vocês poderão dizer que sempre foi assim. Sempre existiu o jovem pobre e o jovem rico, o jovem incluído e o excluído. Sim, isto é verdade. Mas acontece que tínhamos um sistema de produção que garantia uma reprodução: o filho do camponês continuaria o trabalho do pai, da mesma forma que o filho do operário. Era injusto porque o jovem não tinha possibilidade de ascender socialmente, mas havia a possibilidade de pensar o futuro a partir de um lugar social. Aqueles que estudavam, que passavam no funil, tinham a garantia que poderiam exercer a sua profissão ao final dos estudos.

Com a mudança do mundo do trabalho, cada vez mais restritivo e mutante, os jovens foram e são atingidos. Todos os jovens passaram a ter medo do futuro. Neste cenário, temos que ver todas as diferentes juventudes e suas questões sociais e raciais, suas questões de gênero e opções/orientações sexuais. Os mais vulneráveis têm mais medo de sobrar e são os mais atingidos. Estamos diante de uma geração que é atingida na possibilidade de pensar o futuro a partir de mudanças estruturais da sociedade.

Outro ponto importante é o medo de morrer de uma maneira prematura e violenta. O jovem de hoje conhece a morte de pares. Toda idéia de juventude é que a morte está longe. A vida humana é como se fosse uma vida de uma planta: nasce, cresce, desenvolve e morre. É o ciclo da vida. O que acontece é que a juventude, dos nossos dias, convive com a morte de seus pares. São seus irmãos, seus primos, seus vizinhos que morrem, na maioria das vezes, por armas de fogo ou acidentes de trânsito. A questão da violência tem causas locais e internacionais e há três elementos fundamentais que configuram este cenário: a indústria bélica, o tráfico de drogas e o despreparo das polícias. Hoje nenhum jovem, de uma grande cidade, como o Rio de Janeiro, seja das camadas populares ou das classes mais favorecidas, sai para o lazer noturno sem pensar na hipótese de que ele não voltará para a casa.

Temos, portanto, marcos geracionais que dizem respeito à inserção produtiva e ao fato de poder projetar sua própria vida. Esses marcos exigem políticas públicas. As políticas surgem no momento em que uma geração tem problemas diferentes de outras. Trata-se de uma fase da vida que já não é mais a infância, sob a proteção dos pais, nem ainda uma nova família. Esse momento de passagem exige direitos universais e direitos específicos que dizem respeito a esta faixa etária.

As políticas públicas têm que somar estas duas coisas: os direitos universais (o acesso à educação, ao trabalho etc.) e os específicos. As políticas públicas têm que pensar então numa nova interface entre escolaridade e preparação para o mundo do trabalho. O Estado tem que ter o compromisso de fazer as suas políticas macro, mas tem que fazer isto com a sociedade civil para que cada um participe, transformando a política de juventude numa política de Estado, não de Governo. O que tentamos fazer hoje é colocar duas palavras na roda: direitos e oportunidades.

Mas para que tudo isto aconteça e para que este papo seja produtivo e dê resultado positivo, dependemos muito da ação de levar para a sociedade a perspectiva geracional. Uma questão complicada. Quem entra no movimento feminista milita a vida inteira como mulher. Não sai deste lugar. Quem entra no movimento racial, passa a vida toda nisso. A questão da juventude é uma questão marcada por uma faixa etária específica. Portanto, ela não pode ser pensada sem levar em conta a relação intergeracional. Os jovens e os adultos se colocam em todos os espaços sociais. É preciso que os jovens consigam aprender com os adultos valores da cidadania que são trazidos pela história social do país. Os jovens não podem achar que estão começando do zero. É preciso promover um diálogo intergeracional, um diálogo que traz valores. Os jovens têm que escutar os adultos e vice-versa, o que provocará um aprendizado mútuo. Só sabe o que é ser jovem hoje quem é jovem. Os adultos de hoje foram jovens em outro tempo histórico.

Por fim, é necessário também que haja um diálogo intrageracional. Esse é o maior desafio porque as tribos existem, os grupos são heterogêneos e têm objetivos diferentes. Precisamos encontrar o que une esta geração e a partir daí desenvolver políticas públicas. Claro que as diferenças continuarão existindo. Os jovens estarão no mesmo jogo dos adultos (que às vezes não é um jogo muito bom) se eles se fragmentarem completamente, não perceberem o que há de comum entre eles a partir dos desafios e dos direitos de sua geração. Estabelecer os diálogos é difícil. Não é fácil porque muitas vezes os jovens reproduzem os preconceitos e os ‘faccionalismos’ dos adultos. Esta geração tem uma chance de inovar na cultura política, inovar a partir de seus interesses e de uma forma que faça até mesmo que os adultos aprendam.

Texto de palestra ministrada por Regina Novaes no Centro do Teatro do Oprimido, na Lapa, Rio de Janeiro, durante o evento Juventude, participação e cidadania: que papo é esse?, promovido pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), em novembro de 2006.

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Hilda Carolina dos Santos
9 anos atrás

Gostei muito deste texto, vai me ajudar a fazer um treinamento com os adolescentes para a conferencia regional da criança/adolescentes agora no mes de agosto deste ano.
Se tiver mais texto neste nível, por favor me envie. Obrigada

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