Jogo, imagem e tecnologia: possibilidades de ludicidade

Por Lynn Alves
Mestre e doutora em educação e comunicação
Professora da Universidade do Estado da Bahia
 
A presença dos jogos na história da humanidade começou com a própria evolução do homem, antes mesmo de serem estabelecidas normas e regras de convivência. Os rituais da caça e guerra tinham um caráter lúdico, de entretenimento, de força e poder. Segundo o historiador holandês Johan Huizinga, os jogos são uma atividade universal anterior à própria cultura, que mesmo em suas definições menos rigorosas sempre pressupõe a sociedade humana.

Os próprios animais realizam atividades lúdicas. Com o passar do tempo, os jogos passaram a ser entendidos apenas como atividades de entretenimento. Contudo, jogar é mais que distração. Segundo Huizinga, os jogos são um elemento da cultura, um dos pilares da civilização e têm cinco características fundamentais. A primeira, o fato de serem livres, uma escolha dos jogadores – peculiaridade de qualquer atividade lúdica.

A segunda é que não têm nem vida corrente nem vida real. A criança, o adolescente e o adulto, quando se entregam ao jogo, estão certos de que se trata apenas de uma evasão da vida real, um intervalo na vida cotidiana, embora o encarem com seriedade.

A terceira característica está na distinção entre jogo e vida comum, tanto pelo lugar quanto pela duração que ocupa. Há, portanto, um início e um fim para o jogo, assim como uma fronteira espacial deste com a vida real. Como quarta característica, o fato de que o jogo cria ordem e nela se configura, organizando-se através de formas ordenadas compostas de elementos como tensão, equilíbrio, compensação, contraste, variação, solução, união e desunião.

A menor desobediência a esta ordem “estraga o jogo”. Por fim, como quinta característica, a tensão gerada pela imprevisibilidade, incerteza e o acaso pode provocar um engajamento passional que implicará o desenvolvimento de um senso ético na definição dos limites do jogo. São as regras que definem o que é possível ou não. Contrariá-las implica pôr em xeque a existência da comunidade dos
jogadores.

O jogo pode ser considerado um fenômeno cultural na medida em que mesmo depois de ter chegado ao fim permanece, segundo o historiador, como nova criação do espírito, um tesouro a ser conservado pela memória e, ao ser transmitido, torna-se tradição.

Essas reflexões contradizem a visão de pais e professores, que argumentam que crianças e adolescentes estão apenas se divertindo quando jogam. Para muitos, há ali apenas lazer, o que muitas vezes é visto como perda de tempo. Esquecem-se de que brincar preenche as necessidades das crianças2. Para teóricos e especialistas, entretanto, existe uma unanimidade em torno das contribuições cognitivas e sociais, afetivas e culturais potencializadas pelos diferentes jogos.

Brincar é uma atividade que deve ser incentivada e encarada com seriedade pelos adultos, respeitando-se os momentos em que crianças e adolescentes desejam brincar, jogar, construir algo novo, valendo-se da elaboração dos conhecimentos existentes. Os jogos são tecnologias intelectuais, compreendidas, segundo o filósofo Pierre Levy, como elementos que promovem a construção ou a reorganização de funções cognitivas como a memória, a atenção, a criatividade e a imaginação e contribuem para determinar o modo de percepção e intelecção pelo qual o sujeito conhece o objeto.

Na sociedade contemporânea, o brincar vem sendo permeado por elementos tecnológicos que possibilitam a simulação de situações até então impossíveis. A tecnologia high tech invade lojas, telas de tevês e computadores, anunciando brinquedos mais sedutores, que permitem aos consumidores ir além do faz-de-conta da infância das gerações passadas. Nesse processo de busca de novos ícones sedutores, acompanhamos a evolução dos diferentes elementos tecnológicos presentes nas brincadeiras do velho cavalo de madeira aos sofisticados jogos eletrônicos.

Fisgados pelas imagens – As empresas de entretenimento exploram de forma significativa o potencial imagético de seus produtos, seja através de filmes e games, seja através da preocupação com a apresentação dos brinquedos, hoje produzidos e vendidos pela mídia televisiva e telemática. É fundamental fisgar o olhar do consumidor.

Os sujeitos estabelecem diferentes relações de ordem afetiva, social, cognitiva e pedagógica com as histórias que são narradas nos filmes, games, vídeos e na programação da TV, inclusive nas propagandas.

As imagens podem também atuar como espaços de ressignificação de questões pessoais, promovendo momentos de catarse. Assim, através de imagens ficcionais e reais, o sujeito realiza seus desejos e necessidades afetivas, projetando idéias e fantasias. As imagens funcionam como válvula de escape, liberadora de questões intrínsecas que precisam ser resolvidas. Isso promove um efeito catártico, ocupando as horas de prazer e lazer como um mero passatempo, uma evasão da vida real, um intervalo na vida cotidiana.

Contudo, essas possibilidades não implicam a transposição do que é visto nas diferentes telas para o cotidiano dos sujeitos. A repetição desses comportamentos no dia-a-dia pode sinalizar a existência de algum distúrbio psíquico que precisa ser investigado. Assim, é fundamental que os adultos estejam atentos às mensagens subliminares enviadas pelas crianças e adolescentes, exercitando uma escuta mais sensível do que querem dizer.

As atividades lúdicas são inerentes ao ser humano, independentemente do momento histórico que estamos vivendo. O que muda são os artefatos, as tecnologias utilizadas, mas o prazer de brincar é estruturador para o homem. O brincar sempre foi e será uma linguagem utilizada para criar, imaginar, pensar, construir, aprender, enfim, para nos tornar sujeitos desejantes.

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Caio M Melo
Caio M Melo
15 anos atrás

Os jogos digitais abrem possibilidades de relacionamento homem-conhecimento mediados por imagens, narrativas e vivências que ultrapassam os jogos do passado, pois se adéquam ao interesse, a realidade e os estímulos visuais da atualidade. O consumo é cada vez mais intenso, assim como sua variabilidade, que possibilita a mudança de telas cada vez mais rápida, constantemente, como um vídeo-clipe de jogos eletrônicos, nada fixo. A quantidade produzida alimenta uma indústria bilionária de jogos que atualizam aparelhos eletrônicos que estimulam novos lançamentos, novos jogos, novos consumidores, novos estilos, que estimulam a quebra de seus códigos-fonte, e na sua democratização. Com especial interesse em jogos com temas históricos, acredito que as narrativas desenvolvidas abrem uma “outra” vivência e estabelecimento de valores do passado e talvez de mudanças de uma História que orgulhosamente, ainda parece impossível de se adequar aos valores da cultura contemporânea.
Parabéns pelo artigo Lynn.

Maria Luiza Belloni
15 anos atrás

Estamos todos de acordo sobre a importância do elemento ludico na vida social, especialmente no desenvolvimento das crianças e adolescentes. Por isto argumentar com base nesta idéia me parece semelhante a arrombar portas abertas.
O problema nas sociedades contemporâneas é que o universo ludico e o imaginario infanto-juvenil foram “colonizados” (no sentido frankfurtiano do termo) pela industria cultural (seja na forma de jogos ou de programas de televisão, a diferença esta na famosa interatividade), cujo objetivo, evidentemente, é vender cada vez mais, o que quer dizer segurar o maior tempo possivel o jogador ou telespectador colado à telinha. Por isto é fundamental desenvolver a Midia Educação, na escola e fora dela, em espaços comunitarios. Midia Educação não é apenas “inclusão digital”, é muito mais: significa apropriação critica e criativa destes dispsitivos técnicos para coloca-los a serviço da cidadania e dos direitos da criança e do adolescente.

Adelaide
Adelaide
15 anos atrás

Excelente matéria.Mesmo nos tempos atuais, com a invasão da tecnologia, a escola ainda não se rende aos recursos disponíveis e não se dão conta de que atrqavés dos jogos, as crianças, jovens e adultos interagem, aprendem e são estimuladas nas diversas áreas do conhecimento, além de desenvolverem habilidades e praticarem questões referentes às regras, coletividade e interesse.

liana pinheiro ferreira
liana pinheiro ferreira
15 anos atrás

a brincadeira é primordial mas qd parar? o q chama mais atenção o lúdico ou o sério? a pesquisa ou sites de relacionamento?
vivemos isso com nossos alunos, eles acha muito bom ” brincar ” com o computador / plays qualquer coisa.
é muito bom mostrarmos isso a eles usando o computador

Liana P Ferreira
Liana P Ferreira
Responder para  liana pinheiro ferreira
8 anos atrás

corrigindo: eles acham

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