Por Máira Pereira
Coordenadora Acadêmica dos Programas Corporativos em Educação a Distância do Ibmec-Rio
É possível que muitos professores estejam se deparando com uma realidade aparentemente contraditória: como é que pode aquele aluno com dificuldades de aprendizagem em sala de aula e com uma redação tão ruim acessar um computador em uma lan house para se comunicar com fluência com grupos de amigos “virtuais” em sites de relacionamento? Quem sabe a orientação para enfrentar tantos desafios não esteja muito próxima, ao lado? Por que não lembrar a ideia de que as pessoas aprendem umas com as outras, em comunhão, como defendido na vida e obra do educador brasileiro Paulo Freire? Mas o que Freire teria a ver com esses dilemas atuais e tantos outros desafios enfrentados por professores, entre os quais os ligados às possibilidades de aprender e de se comunicar de diferentes formas no contexto da cibercultura? Vamos seguir mais um pouquinho para tentar costurar esses pontos?
Trabalhar em conjunto e aprender em comunhão, como afirmava Freire1, significa corporificar nas ações do dia-a-dia o tipo de mundo e de sociedade com o qual se está comprometido a construir. O pensamento de Freire se liga à atitude do educador, que por se reconhecer inacabado, incompleto, faz e refaz a si mesmo na relação com o outro, sempre de forma ética, inclusiva, respeitosa e generosa. Da mesma forma, o educador se mostra disponível para participar da construção do “si mesmo” do outro, tudo isso com uma inserção consciente no mundo, atento a diferentes referências e dilemas. É este olhar, esta atitude que se propõe aqui para que o professor esteja aberto para enfrentar vários desafios, reconhecendo particularidades de nosso tempo e, sobretudo, do dia-a-dia de seus alunos. Vale a pena saber quais são os interesses das crianças e jovens de nosso tempo, seus desejos, suas variadas formas de expressão, inclusive fora da sala de aula, além dos muros da escola. É preciso ter espírito aprendiz, conhecer nossos alunos, conhecer este nosso tempo e as novas possibilidades que se apresentam, transformando a prática pedagógica.
Para começar, pergunte a si mesmo e aos seus colegas professores o seguinte: Qual o meu grau de familiaridade com computadores, internet etc.? Sei o que são Wikipedia, Orkut, hipertexto, cibercultura, tecnologias da informação e comunicação (TICs)? Participo de listas de discussão, fóruns ou chats?
Você já pensou que seus alunos poderão ajudá-lo com essas questões? Já pensou em inverter a ordem das coisas? Afinal, também aprendemos com nossos alunos e criar espaços de diálogo pode favorecer o estabelecimento de um clima de confiança, abrindo passagem para novas construções.
Um passo fundamental é buscar formação inicial e continuada. Como? Pesquisando programas em universidades e instituições que oferecem cursos para inclusão digital de professores e que desenvolvem competências específicas para a docência em ambientes virtuais de aprendizagem. Há espaços diversos para aprender e compartilhar!
E como partir para a prática depois de buscar essa formação? Por meio de iniciativas, como propor pesquisas na internet, um fórum como atividade complementar ou um texto coletivo. Ambientes virtuais de aprendizagem trazem outros tempos e espaços, mais livres da linearidade própria da cultura letrada, ainda dominante em nosso currículo que se apresenta de forma seqüencial, seriada.
A fragmentação do tempo e da vida na contemporaneidade – o fenômeno da cibercultura2 não se restringe à internet, alcança comportamentos, estilos de vida – encontra seu correspondente no texto, em um hipertexto. O hipertexto se caracteriza por múltiplos pontos, dispostos em rede, cujos significados se renovam continuamente a cada nova conexão, de acordo com a necessidade e o momento. Nessa perspectiva, “escrevemos e lemos com a possibilidade de abrir ‘janelas’, de fazer links e conexões com informações referenciais que vão nos associar rápida e intuitivamente a outros textos, outros fragmentos, outras idéias” (Ramal, 2002)3.
Tudo isso sinaliza a relação com uma nova forma de organização e mobilização dos saberes no fazer pedagógico. Novas competências4 docentes precisam entrar em ação nesse novo cenário. O educador é um companheiro de estudos, dinamizador da inteligência coletiva. Ainda que você não trabalhe com educação online, as competências desenvolvidas nessa modalidade poderão ser úteis para a sala de aula presencial por meio da interatividade, do diálogo plural. Já o contrário não é possível: não basta transpor competências desenvolvidas na modalidade tradicional ou presencial de educação para o ambiente virtual. É preciso compreender o ambiente em que essas competências serão postas em ação.
A costura de todos esses desafios e oportunidades é a aprendizagem colaborativa e compartilhada e a disponibilidade para o novo, de forma compreensiva, que nos aproxima de nossos alunos, com a curiosidade que dá novos significados às práticas educacionais. E não esqueçamos o mais importante: há potencial nas novas tecnologias e, acima de tudo, nas pessoas, por meio de suas relações.
Notas
11 – Veja Freire, P. A pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987
2 – Para saber mais, consulte Ramal, A. C. Educação na cibercultura: hipertextualidade, leitura, escrita e aprendizagem. São Paulo, Artmed, 2002.
3 – Veja nota 2.
4 – Para consultar estudo de caso sobre as competências para a docência on line e suas implicações para a formação inicial e continuada de professores, veja Pereira, M.& Santos, E. O; Tractenberg, L., 2005. http://www.abed.org.br/congresso2005/por/pdf/149tcb4.pdf