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Afinal, de quem é a censura?

Por Romeu Tuma Júnior
Secretário Nacional de Justiça
 
Alguns por desconhecerem o que realmente foi a censura e outros por interesse em fomentar a confusão sobre o assunto insistem em ligar a classificação indicativa ao passado autoritário. Assim a polêmica (ou “falsa polêmica”) freqüenta um pequeno, porém influente círculo.

Não há duvida de quanto os conteúdos audiovisuais podem influenciar na formação de crianças e adolescentes, tanto para o bem como para o mal, evidentemente. Essa questão é atual e sua discussão é sempre válida, embora a preocupação seja antiga. A previsão da proteção de crianças e adolescentes quanto a conteúdos audiovisuais que podem prejudicar a sua formação existe há 18 anos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e há 21 na Constituição Federal (CF).

Para embasar a execução da política pública da Classificação Indicativa, a Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça realizou pesquisa, que revela, em seus dados preliminares, que a maioria das famílias com filhos entre 8 e 17 anos compreende a Classificação Indicativa e 74% estão preocupados com o que as crianças e adolescentes assistem na televisão. A Classificação Indicativa é uma informação clara e precisa destinada às famílias.

Mesmo assim, sempre há alguém disposto a fazer a infeliz comparação entre Classificação Indicativa e censura. Para desqualificar a Classificação Indicativa (principalmente com relação a obras na TV), ainda hoje, ouvem-se discursos em favor da liberdade de criação e expressão. É interessante observar que não se está falando na liberdade individual inspirada na declaração universal dos direitos do homem e do cidadão. Aqui o argumento é a liberdade de expressão corporativa, empresarial.

Do que se está falando é da liberdade de poder atingir este ou aquele público ou a liberdade de criar esta ou aquela necessidade de consumo. Pergunte-se, por exemplo, a qualquer autor de telenovela ou minissérie televisiva se lhe é dada à liberdade de criar obra que contrarie a posição política, religiosa ou comercial da emissora? A resposta será, inevitavelmente, de que, se tal liberdade for efetivamente exercida, não haverá espaço de tela para a sua criação. Isto não é demérito algum para os artistas criadores, é apenas a realidade.

Os artistas, de forma geral, estão acostumados, desde tempos imemoriais a “atender pedidos” e isto jamais impediu a manifestação do espírito artístico. Johannes Vermeer, o grande pintor holandês e o próprio Da Vinci, pintaram muitas de suas obras-primas “por encomenda”, sem que isso fosse considerado cerceamento da liberdade da expressão criativa. Por outro lado Van Gogh, a despeito de toda sua genialidade, jamais vendeu uma tela em vida.

Antes de mais nada é importante que se afaste a idéia carregada de hipocrisia (e, em algum momento, de interesse comercial) de que a classificação é um cerceamento da liberdade de expressão. A classificação é informação às famílias acerca de conteúdos audiovisuais presentes na obra que possam ser prejudiciais a formação de seus filhos. Quem deve proibir, ou permitir o acesso a tais conteúdos, são os pais, da mesma forma que escolhem brinquedos e optam por aqueles apropriados à faixa etária dos filhos.

A propósito, tem sido freqüente, mais por emissoras de TV do que por distribuidoras de filmes para cinema, a busca por “reclassificação de obras audiovisuais por adequação”. O eufemismo esconde o que poderia ser chamado, sem meias palavras, de “censura do mercado”.

O pedido de “reclassificação” pretende nova classificação, como se fora obra nova e a “adequação”, que justificaria o pedido é, na prática, a mutilação da obra por iniciativa exclusiva da emissora ou distribuidora, para atingir a um público mais abrangente com exibição o horário e para a faixa etária que lhe interessa.

Recentemente foi lançado no circuito nacional de cinemas filme de terror “reclassificado por adequação”, cuja versão apresentada pela distribuidora suprimiu 26 minutos da obra originalmente apresentada.

Não se sabe se tais cortes acontecem com o conhecimento do autor ou do detentor dos direitos da obra. Nestes momentos, é óbvio, o onipresente argumento do cerceamento da liberdade de expressão criativa não é lembrado.

Ao contrário do que se possa pensar, o modelo brasileiro de Classificação Indicativa é um dos mais democráticos do mundo. Nele, cada emissora ou produtora de filmes, embasada no Manual da Nova Classificação Indicativa, classifica suas obras, atribuindo a recomendação etária aos seus conteúdos, que é homologada (ou não) pelo Ministério da Justiça.

Os critérios do Manual são objetivos e acessíveis a todos que desejarem conhecê-los – www.mj.gov.br/classificacao. Na medida em que cada ente fizer a sua parte de forma consciente e responsável, as classificações autoatribuídas e as deferidas e conferidas pelo Ministério da Justiça tendem a se aproximar. Isto, por sinal, já vem ocorrendo. O número de coincidência de ambas, na TV, já ultrapassa a 89% e há, ainda, fartos exemplos em que a classificação final do Ministério da Justiça é mais branda que a autoclassificação de emissoras de TV e produtoras-distribuidoras de filmes.

Neste contexto vai se tornando cada vez mais claro à opinião da sociedade a distância entre censura e Classificação Indicativa. Cada vez mais, somente é capaz de julgar ambas como sinônimos quem não viveu a primeira ou não conhece a segunda.

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