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Una(S)+ : a potência da arte feminina

Exposição no Rio, até 25 de abril.

A afirmação da potência feminina latino-americana na arte contemporânea é o conceito-chave da exposição Una(S)+ que segue em cartaz, até 25 de abril, no Centro Cultural Oi Futuro, no Rio de Janeiro. Com curadoria de Maria Arlete Gonçalves e co-curadoria de Ileana Hochmann, a mostra é versão ampliada, expandida e atualizada da exposição Una(S) realizada em 2018 em Buenos Aires e reúne 80 trabalhos de 15 artistas, da Argentina e do Brasil> Ocupa todo o prédio do centro cultural, do térreo ao último andar, passando pelas galerias, escadas e elevador. Argentinas, como Fabiana Larrea, Milagro Torreblanca e Silvia Hilário, e brasileiras, como Denise Cathilina, Tina Velho e Regina de Paula, estão entre as artistas contempladas.

Há gravuras, desenhos, vídeos, fotos, performances documentadas e objetos. Bia Junqueira, por exemplo, concebeu “Teia”, uma instalação metálico-orgânica que percorre todo o prédio, “como uma trama, uma veia, uma contaminação entre vida e arte”, explica a curadora. Patrícia Ackerman lança suas lentes sobre o feminino em “Fragmentos”,em que o corpo é visto como campo para novas estéticas e políticas. Anna Carolina Albernaz apresenta gravuras sobre violência doméstica, em figurações que remetem às HQs. A ceramista Nina Alexandrisky apertava pedaços de barro durante uma gravidez difícil, quase como uma terapia, e fez desse processo sua arte. O visitante pode levar um pedaço dos milhares que compõem a obra . “É como se pudessem pegar na mão da artista”, explica Maria Arlete.

Adiada duas vezes, por conta do fechamento dos espaços culturais, a exposição foca em dois momentos: a produção do ‘profundo’ feminino antes e durante a Pandemia . “É uma exposição de arte contemporânea, que traz a força, a dor e a delícia de ser mulher, de ocupar espaços, de enxergar e atuar no mundo. Inicialmente, seria apenas uma galeria. Mas, com a pandemia, não poderíamos ignorar esse atravessamento biológico, histórico e universal, que tirou tudo do lugar. E passamos a considerar o manancial criativo que surgiu entre as artistas que, mesmo em confinamento, produziram de forma inédita, e de forma nunca vista”, destaca a curadora.

Em entrevista à revistapontocom, concedida a Flavia Perez, Maria Arlete conta os bastidores do processo de planejamento e construção da exposição, explica o significado do título da mostra e define o poder da arte nos dias de hoje, neste período único e singular da história da humanidade. “A arte tem sido o nosso respiro, a nossa possibilidade de enxergar o vórtice, antecipar os movimentos de um mundo em permanente construção. E, hoje, creio que ela está ainda mais intrínseca e definitivamente comprometida com a vida”.

Confira os principais pontos da entrevista:

Os caminhos da exposição: ideia, pandemia, realização
Inicialmente, iríamos ocupar uma única galeria do Centro Cultural do Oi Futuro com uma exposição de 15 artistas contemporâneas da Argentina e do Brasil, dois países que, apesar de estarem no mesmo continente e serem objetos mútuos de desejo, pouco ou quase nada se fez em termos de intercâmbio artístico entre mulheres. O conceito da exposição era mostrar o lugar do profundo feminino no século XXI. Assim começamos, no final de 2019, selecionando as obras aqui do Brasil. Em fevereiro de 2020, fui a Buenos Aires para conversas e visitas aos ateliês das artistas “hermanas”. Voltei com a exposição já esboçada na minha cabeça: espaço, obras selecionadas, parcerias estabelecidas, processos de produção lá e cá lá, tudo organizado. Mas logo ao desembarcar no Brasil, me deparei com aquela palavra que tirou tudo e todos, no mundo inteiro, de lugar: Pandemia. A exposição ficou suspensa e logo soubemos que seria adiada para setembro (depois novembro e, finalmente, janeiro, quando abriu). Para não perder contato com as artistas, que também já estavam em isolamento, criamos um grupo no WhatsApp, a ideia era manter viva a ponte Una(S)+ e comecei a perceber que, longe dos ateliês, dentro de suas casas, as artistas começaram a se expressar de outras formas, lançando mão de diferentes tecnologias e linguagens. Como abrir mão deste período único e dessa produção singular? Ao mesmo tempo, recebemos uma nova proposta do Centro Cultural: a exposição poderia ocupar não apenas uma galeria, e sim todo o prédio. Tudo se encaixou. Se a ideia era mostrar a potência da arte feminina no século XXI, a exposição ganharia muito mais força ao incorporar com obras produzidas sob estado pandêmico da arte. E o desafio Una(S)+ cresceu exponencialmente, para todas as envolvidas, mulheres em quase absoluta maioria – curadora, artistas, produtoras, fornecedoras, parceiras. Nada simples, em tempos de isolamento social. Houve um momento em que cinco estavam infectadas com o coronavírus. Da pré-produção ao transporte e montagem das obras, tivemos de criar novas formas de trabalhar virtualmente e presencialmente, seguindo os protocolos de segurança. Tudo ali deveria espelhar o momento em que vivíamos (e vivemos ainda) e, ao mesmo tempo, contemplar obras representativas das trajetórias individuais das artistas. Por conta disso, a exposição é única e histórica. Ela traz o recorte feminino neste momento crucial da humanidade. É uma grande alegria ter realizado esse projeto, construído a tantas mãos dadas.

Curadoria: o potencial do feminino e novas formas de trabalho
Dividimos a exposição em dois momentos, antes e durante a Pandemia. O espaço Trajetórias, que abrange duas galerias, e é voltado para a identificação do profundo feminino em obras representativas de cada artista, criadas ao longo de suas carreiras. Já a Pandemia tem seu núcleo central na galeria 2, mas se espalha por todo o centro cultural, da entrada à cobertura, das escadas e ao elevador, numa contaminação estética que une todos os tempos e linguagens tão diversas quanto complementares, tão individuais quanto universais. Criada, montada e exibida em tempos pandêmicos, em que tudo mudou de lugar, Una(S)+ reflete o seu tempo, ao seguir os protocolos de segurança, e lançar novas formas para acesso do público aos conteúdos audiovisuais, dos protetores auriculares individuais a QR-Codes para ver as obras, abrigadas no youtube, na tela dos celulares. Gravura, fotografia, videoarte, pintura, desenho, colagem, escultura, objeto, arte sonora, webdesign se descolam de seus suportes convencionais e se (des)organizam em novas expografias, provocando uma dinâmica no olhar do visitante para encontrar uma emoção diferente em cada trabalho. Suspensas, obras voam pelos espaços, de mantos a monitores de vídeo, que ora estão pendurados, ora vão para o chão. No tempo em suspensão, as paredes perdem a função de limite e suporte físico para abrir espaço para a criação de um território comum para essas mulheres, o Estado Único de Arte, proposto por Una(S)+. Destituídas dos recursos de seus ateliês, confinadas em suas casas, incorporaram o celular como meio de produção artística, por abrir novas janelas e possibilidades de criação e co-criação, diálogos e experimentações. A artista Ileana Hochmann, ao mesmo tempo em que usa a videoarte para buscar a ancestralidade, aponta a câmera para seu próprio corpo desnudo, revelando uma beleza sem preconceitos, aos 75 anos. Carmen Luz cria paisagens dentro de sacos plásticos pretos. Marisol San Jorge subverte campânulas conservadoras com o símbolo da luta feminista. Tudo isso e muito mais, perpassados pela grande Teia, que começa metálica, explode em vermelho e segue como uma grande bolha de plástico pulsante até o teto do Oi Futuro, como se quisesse sair, respirar.

Arte e o artista: a mulher na construção de significados Una(S)+
Para além das exposição, Una(S) + vem não só para afirmar o poder da artista latino americana nas artes contemporâneas, mas também contribuir para a reparação do apagamento da mulher, ao longo de toda a História da Arte. Não podemos prosseguir e avançar no século XXI com essa dívida. A arte é uma outra maneira, transversa, de ver, sentir e entender a si mesmo e o mundo. É aquilo que te pega e não larga, emociona, desconcerta, incomoda, surpreende, denuncia …e transforma. No mundo sob Pandemia, a arte tem sido o grande respiro, o manancial de novas formas e sentidos para um mundo em construção. E a mulher tem muito a dizer e fazer nesse momento histórico, em que afirma, enfim, o seu protagonismo nas artes, expressando a si mesma e o mundo. É o que Una(S)+ revela com as diferentes artistas, com seus olhares transversos e sensíveis. Temos a violência, a violência contra a mulher, o isolamento, mas também a solidariedade, a maternidade, o amor nesses tempos difíceis. São olhares que trazem a diversidade latino-americana e, ao mesmo tempo, a complementaridade e a unidade que vem do feminino. Diversidade e complementaridade resumem a proposta desta curadoria e que estão reunidas no próprio nome da exposição. Una em espanhol é indeterminada e tem uma conotação um tanto depreciativa, de qualquer uma. Mas também pode ser única, singular. Em português vira ação e chamamento para unir, juntar. O título Una(S)+ parte da singularidade para tornar-se plural e mostrar a sua diversidade, unidade e potência.


A exposição, que inaugurou a programação do Oi Futuro em 2021, segue todos os protocolos de segurança sanitária previstos pelos órgãos responsáveis. As visitas devem ser agendadas por meio do site https://oifuturo.org.br/reaberturacentrocultural/ ou por telefone: (21) 3131-3060.

As artistas que integram a exposição são, da Argentina: Fabiana Larrea (Puerto Tirol, Chaco), Ileana Hochmann (Buenos Aires), Marisol San Jorge (Córdoba), Milagro Torreblanca (Santiago do Chile, radicada em Buenos Aires), Patricia Ackerman (Buenos Aires), Silvia Hilário (Buenos Aires); do Brasil: Anna Carolina Albernaz (Rio de Janeiro), Bete Bullara (São Paulo, radicada no Rio), Bia Junqueira (Rio de Janeiro), Carmen Luz (Rio de Janeiro), Denise Cathilina (Rio de Janeiro), Evany Cardoso (vive no Rio de Janeiro), Nina Alexandrisky (Rio de Janeiro), Regina de Paula (Curitiba; radicada no Rio de Janeiro) e Tina Velho (Rio de Janeiro).

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