O MASP inaugurou, no último dia 7 de abril, a exposição Histórias da infância, que reúne múltiplas e diversas representações da infância de diferentes períodos, territórios e escolas, da arte africana e asiática à brasileira, cusquenha e europeia, incluindo arte sacra, barroca, acadêmica, moderna, contemporânea, e a chamada arte popular, bem como desenhos feitos por crianças, posicionados no mesmo espaço, ao lado das demais obras.
Esta é a primeira mostra da nova gestão, iniciada em 2014, a ser realizada com empréstimos externos, de outras instituições e colecionadores particulares. A exposição tem curadoria de Adriano Pedrosa, diretor artístico; Fernando Oliva, curador; e Lilia Schwarcz, curadora-adjunta de histórias; e ocupa os espaços expositivos do 1º andar e 1º subsolo do museu até o dia 31 de julho de 2016.
Histórias da infância reúne cerca de 200 trabalhos, entre obras e desenhos de crianças, e se organiza em torno de núcleos temáticos permeáveis. No primeiro andar, há retratos, representações de família, imagens de educação e de brincadeiras, crianças artistas, crianças anjos e, por fim, a morte; no primeiro subsolo, surgem os temas da natividade e maternidade. Obras icônicas do MASP — como O escolar (1888), de Van Gogh, Rosa e azul (1881), de Renoir, Retrato de Auguste Gabriel Gaudefroy (1741), de Chardin, e Criança morta (1944), de Portinari — aparecem em novos contextos, transversais e contemporâneos, em justaposição a trabalhos de todas as épocas.
A expografia com painéis suspensos, que não formam salas fechadas, permite uma articulação entre os diversos núcleos e trabalhos. A exposição dialoga com Playgrounds 2016, no 2º subsolo e Vão Livre, mediante o jogo, o lúdico, e a brincadeira, e com um programa de oficinas de desenho, iniciado em janeiro de 2016, e que se estende até o final exposição. Deste modo, a mostra reconhece e inclui as histórias das próprias crianças: em pé de igualdade com os demais trabalhos, serão expostos desenhos feitos por elas nos anos 1970, anos 2000, e mais recentemente em 2016, todos do acervo do museu. É importante lembrar que eles não estarão em uma sala ou seção específica, apartados do conjunto, mas integrados aos demais trabalhos, conferindo a eles uma situação de equilíbrio, para um diálogo possível e sem hierarquias pré-estabelecidas pela expografia. O museu entende que há muito o que aprender com esses desenhos, essas trocas e essas histórias.
A altura média em que as obras costumam ser expostas foi rebaixada da medida padrão, de 1.50 m para 1.20 m (na galeria do 1º andar) e para 1.30 m (no 1o. subsolo), buscando tanto um olhar mais direto da criança quanto uma maior aproximação corporal. Outra ação decisiva no contexto pedagógico foi o convite a artistas contemporâneos para conduzirem oficinas com crianças, caso de Rivane Neuenschwander, Cinthia Marcelle, Nicolás Robbio, Lays Myrrha, Thiago Martins de Melo e Thiago Honório. O museu entende esta ação como uma outra maneira, inédita e experimental, de se relacionar com as ideias e a produção destes artistas.
Histórias da infância, ao resgatar alguns dos temas que permeiam a idade infantil, não organiza as obras de maneira cronológica, mas justapõe trabalhos de diferentes períodos, buscando novas aproximações e fricções. Por exemplo, no 1º subsolo, acontecem diálogos entre pinturas e esculturas de Nossa Senhora, Menino Jesus e fotografias de amas de leite, evidenciando imagens de maternidade e natividade. Também estão no mesmo espaço obras de Thiago Martins de Melo, Adriana Varejão e Cássio M’Boy, além de uma escultura de Nossa Senhora do Rosário, do século 19, que pertenceu ao casal Lina Bo e P. M. Bardi; um conjunto de marfins indo-portugueses retratando o Menino Jesus, da coleção do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro; e uma escultura contemporânea, de madeira e gesso, de Edgar de Souza.
De forma similar, no 1o andar do museu, retratos de crianças nobres e abastadas são colocados ao lado de retratos de crianças de origens menos favorecidas, enfatizando não só o contraste social, mas também as diferenças culturais e de tratamento da imagem da infância em épocas diversas. É o caso, por exemplo, da obra Rosa e azul (as meninas Cahen D’Anvers), de Renoir, de 1881, que estará justaposta à fotografia de Barbara Wagner, da série Brasília Teimosa, de 2005. Enquanto a primeira ilustra duas irmãs de uma família aristocrática francesa, em trajes luxuosos, no fim do século 19, a segunda retrata dois meninos, que também parecem irmãos, em trajes de banho, na praia Brasília Teimosa, em Recife.
Histórias da infância se insere num projeto do MASP de friccionar diferentes acervos, desrespeitando hierarquias e territórios entre eles. Nesse sentido, são também histórias descolonizadoras e assumem um sentido político – há um entendimento de que as histórias que podemos contar não são apenas aquelas das classes dominantes, ou da cultura europeia e suas convenções visuais. Assim, integra um programa mais amplo de exposições sobre diferentes histórias(múltiplas, diversas e plurais), para além das narrativas tradicionais – Histórias da loucura e Histórias feministas(iniciadas em 2015), Histórias da sexualidade (em 2017) e Histórias da escravidão (em 2018). São outras histórias, que incluem grupos, vozes e imagens que foram reprimidas ou marginalizadas, nas quais se inserem as crianças e sua maneira de ver o mundo.
O curador Fernando Oliva destaca que “a relação entre o MASP, as crianças e suas formas de expressão é pioneira no Brasil e remonta aos anos iniciais do museu, fundado em 2 de outubro de 1947, e ao trabalho sistemático de Suzana Rodrigues (1919-2010), educadora que, em 3 de abril de 1948, apenas seis meses após a inauguração do museu, abria ao público de 5 a 12 anos o Club Infantil de Arte. A formação educativa era, não por acaso, um dos pilares do projeto de museu moderno concebido pelo casal Lina Bo (1914-1992) e Pietro Maria Bardi (1900-1999), arquiteta e diretor-fundador do MASP, como provam suas primeiras mostras, a partir de 1947, as Exposições Didáticas, com percursos explicativos pela história da criatividade humana desde a antiguidade”. Oliva afirma que “Suzana Rodrigues entendeu de imediato esta proposta e deixou evidente a importância do papel formativo e ético no ensino das crianças que frequentavam os cursos do MASP. Ela falava com frequência sobre a construção de indivíduos íntegros, educados intelectual, emocional, estética e moralmente, capazes de agir de maneira cooperativa. Outro pilar de seu projeto era propiciar um ambiente adequado para, em suas palavras, dar à criança condições dela se expressar como ela quiser.”
Histórias da infância busca reencenar algo daqueles desejos dos educadores e das crianças que participaram dos momentos iniciais do MASP, especialmente no que se refere às noções de respeito pela individualidade da criança e de criação de um espaço para que ela pudesse se expressar, evitando sempre que possível o dirigismo nas atividades propostas.