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Caminhos para uma governança internacional das águas

Artigo de Guilherme Checco.

Por Guilherme Checco
Mestre em Ciência Ambiental (USP) e Coordenador de Pesquisas do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)

Em maio deste ano foi lançada a Comissão Global sobre a Economia da Água, a partir do encontro de cerca de 50 chefes de estado no Fórum Econômico Mundial. A Comissão tem como missão “Mudar a estrutura conceitual sobre a economia da água para ir além do pensamento econômico tradicional e da economia” e apresentar propostas de políticas públicas, negócios e colaboração para lidar com a escassez hídrica, gestão sustentável da água e segurança alimentar e energética.

Esse novo fórum joga luz sobre a necessidade de estabelecer uma governança adequada para os desafios da segurança hídrica na contemporaneidade. Essa agenda, apesar de estar bem registrada nos diferentes estudos científicos como um dos principais desafios da humanidade, não conta com um arranjo bem estruturado e definido.

O Fórum Mundial da Água, fundado em 1996 e organizado pelo Conselho Mundial da Água, não cumpre a função de estabelecer metas e compromissos vinculantes que realmente permitam superar esses desafios. Até mesmo por uma questão de mandato e legitimidade política, uma vez que o World Water Council é uma organização internacional privada e não conta com a representação dos Estados-nação. Existem outros fóruns nessa governança, entre eles, a Conferência Internacional Megacities, promovida pela Unesco, e a UN Water Conference que tampouco têm a devida missão de liderar um abrangente acordo que vise a gestão sustentável das águas de nosso planeta.

Nesse sentido, a Comissão Global sobre a Economia da Água emerge como um novo ator nesse contexto. A Comissão foi iniciada pelo governo holandês e será coordenada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne as 35 economias mais pujantes do mundo, a qual o Brasil vem tentando se integrar. Uma das lideranças desse fórum será a economista italiana Mariana Mazzucato, reconhecida por problematizar os limites do capitalismo e propor formas para sua remodelagem. Ao seu lado estarão outros três Co-Chairs: Ngozi Okonjo-Iweala (diretor geral da Organização Mundial do Comércio), Johan Rockström (Professor no Stockholm Resilience Centre) e Tharman Shanmugaratnam (Senior Minister of Singapore). Além disso, um grupo de 17 especialistas também irão compor os esforços da Comissão.

O Press Release, apresentado na ocasião do lançamento da Comissão registra alguns dos temas prioritários a serem trabalhados: as falhas de mercado, a capacidade de garantir o acesso ao direito humano ao saneamento para as famílias em situação de vulnerabilidade, um debate sobre investimentos públicos e privados para a segurança hídrica, a necessária articulação com o setor financeiro para levantar os recursos necessários para os investimentos e as correlações dessa agenda com as mudanças climáticas.

De fato, é urgente repensar a gestão das nossas águas e isso inclui, necessariamente, a economia da água. O primeiro passo é reconhecer que se trata de um bem natural finito e cada vez mais escasso. Essa valorização da água passa pelos conceitos e valores, mas também tem reverberações no mundo da economia. A experiência de Israel e sua forma de enfrentar a escassez hídrica em um território desértico teve como um dos passos iniciais a valorização da água (vide a obra “Let There be Water”, Seth Siegel, 2017). De modo que um novo olhar econômico para essa questão é extremamente fundamental, o que coloca alguma dose de esperança no trabalho que a Comissão Global sobre a Economia da Água irá se debruçar.

No Brasil, nossa legislação (Lei Federal No. 9.433/97) reconhece a água como um bem de domínio público, dotado de valor econômico. Entretanto, há ainda um grande desafio de efetivamente incluir essa economia da água nos diferentes setores e cadeias econômicas, bem como nos instrumentos previstos em nossa política pública. Espera-se que as recomendações da Comissão permitam jogar luz para que possamos aprimorar, por exemplo, a tarifa de água e esgoto e a cobrança pelo uso da água no Brasil. É claro que todo esse debate deverá acontecer com alguns cuidados, entre eles, reconhecer que o acesso ao saneamento básico é um direito humano e que, portanto, o debate sobre acessibilidade financeira para as famílias mais vulneráveis representará uma questão fundamental, entre tantas outras.

Determinadas questões são essencialmente desafios comuns que toda humanidade compartilha. Para citar apenas alguns exemplos, temas como a paz, a proteção da biodiversidade, as condições dos oceanos, o combate às mudanças climáticas e a gestão das águas por definição não respeitam as fronteiras criadas artificialmente pela humanidade e são, em essência, um desafio compartilhado por toda a humanidade. Por outro lado, a superação desses desafios demanda uma forte articulação e integração de esforços, os quais costumam ser liderados pelos Estados-nação.

Como criar estruturas de governança que realmente sejam efetivas em lidar com determinado desafio? Como lidar com o trade off entre as autonomias dos países e o enfrentamento efetivo desses desafios? Essa vem sendo uma questão que intriga quem reflete sobre a política internacional e as relações internacionais. A agenda de clima vem sofrendo essa dificuldade, mesmo com a estrutura mais robusta da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UFCCC), mas que também enfrenta o desafio de gerar compromissos vinculantes.

No caso da água, a Comissão Global sobre a Economia da Água pode dar uma contribuição relevante. Ainda assim, a sociedade global e os Estados ainda precisam quebrar a cabeça para criar uma governança que seja ágil, eficiente e que gere compromissos adequados para o desafio de garantir que tenhamos água em quantidade e qualidade adequada para os diferentes usos, com especial atenção ao direito humano de acesso a esse bem vital. O primeiro passo é estabelecer essa agenda como prioritária.

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