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Do livro impresso ao e-book: a história do livro no Brasil

Por Marcus Tavares

Ao longo do ano, há várias datas comemorativas em torno do livro, da leitura e da literatura. Mas uma, 29 de outubro, Dia Nacional do Livro, tem um significado especial. A celebração foi criada em homenagem à fundação da Biblioteca Nacional, em 1810, pela Coroa Portuguesa. Na época, D. João VI trouxe para o Brasil milhares de peças da Real Biblioteca de Portugal para criar a então Biblioteca Nacional do Brasil. Hoje, a instituição é considerada, pela Unesco, uma das dez maiores bibliotecas do mundo, a maior da América Latina, com cerca de dez milhões de itens.

A historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, no livro A longa Viagem da Biblioteca dos Reis, que narra a travessia dos livros da Real Biblioteca Portuguesa para o Brasil, em três viagens sucessivas pelo Atlântico, define o que são os livros. “Livros guardam memórias e encantamentos, e se travestem. Perturbam e excitam a fantasia e, às vezes, irmanam o sonho com a ação. Por isso trazem tanto medo e pedem reação. E se os conteúdos passam (…) o poder alucinatório dos livros e das bibliotecas, seus grandes depósitos, continua presente”. E mais do que isso, afirma Lilia Schwarcz, “são símbolos de poder e de prestígio, carregam dons e possibilitam viajar no tempo e no espaço”.

Pode-se dizer que com a vinda da família real e a criação da Imprensa Régia o país começa a editar/imprimir os seus próprios livros. O primeiro foi Marília de Dirceu, do escritor, advogado e renomeado poeta do arcadismo brasileiro, Tomás Antônio Gonzaga. Antes, a população letrada que vivia no Brasil lia apenas os livros importados da Europa. A partir de 1808, houve também o surgimento de novas livrarias. Até a data, o Rio de Janeiro, por exemplo, contava com dois estabelecimentos, a de Paulo Martim e a de Manuel Jorge da Silva, que vendiam livros de medicina e religião, muitos deles contrabandeados.

De acordo com a pesquisadora e historiadora Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira, no artigo Comércio de livros: livreiros, livrarias e impressos, os franceses tiveram papel de destaque no comércio de livros, principalmente no Rio de Janeiro. “Chamados de tratantes de livros, estabeleceram-se no Rio de Janeiro por volta de 1808. Sofriam o controle de instituições e autoridades locais, mas, mesmo assim, anunciavam seus produtos nos jornais, juntamente com toda a variedade de mercadorias a que tinham acesso através das importações (…) À presença de livreiros franceses se agregou a existência de profissionais portugueses e brasileiros, provocando transformações quanto à ampliação do público leitor em formação e que veio a ser frequentador das livrarias e consumidor de impressos em geral. (…) Devido às boas condições de preço final oferecidas pelos franceses, até os livreiros e editores brasileiros preferiam manter suas impressões diretamente na França”.

Na obra, O livro no Brasil: sua história, Lawrence Hallewell afirma que, em meados do século XIX, era três vezes mais cara a impressão de livros no Brasil do que, por exemplo, no Reino Unido. E se a produção fosse feita na região Nordeste, os orçamentos subiam cinco vezes.

De acordo com os estudos da professora Giulia Crippa, da USP, campus Ribeirão Preto, e do pesquisador Willian Righini de Souza, este cenário não se altera até a Primeira Guerra Mundial, quando o conflito internacional, de fato, vai impactar a importação, que se torna mais restritiva. “A indústria nacional precisava substituir os produtos importados não disponíveis e, nesse contexto, São Paulo começou a se destacar como polo impressor”, explicam no artigo A diversificação e a popularização do livro e o surgimento e desenvolvimento de coleções de bolso no Brasil.

É neste contexto que surge o escritor e cafeicultor Monteiro Lobato. Segundo Cilza Bignotto, no livro Monteiro Lobato: editor revolucionário? ele foi o principal responsável pela substituição da importação pela produção nacional, tendo como destaque o lançamento, em 1924, da sociedade anônima Cia. Graphico-Editora Monteiro Lobato, uma das principais editoras do país. É neste período que surgem as grandes tiragens a preços reduzidos, com a produção editorial se valendo, inclusive, de papeis de baixa qualidade.

Resumidamente, parece ser possível afirmar o século XVIII é o século da introdução do livro no Brasil e o seguinte, o XIX, o período no qual o livro é padronizado e simplificado. A obra perde a capa dura e ganha a capa flexível. É, portanto, o século da difusão do livro, como destaca o trabalho A evolução do livro, apresentado, na Biblioteca Nacional, em 2009, por Ana Virgínia Pinheiro, bibliotecária da instituição, desde 1982, e professora adjunta da Escola de Biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), desde 1987.

Ainda segundo Ana Virgínia, o século XX é o período do livro de massa, da biblioteca organizada e das coleções “paralelas”, do colecionismo de livros e da preservação. E o século XXI começa marcado pela biblioteca construída a partir de intenções de leitura. De acordo com a professora e bibliotecária, surge a angústia por captar e não conseguir ler tudo; de preservar uns e, indiretamente, condenar outros; de salvaguardar e, ao mesmo tempo, garantir o acesso.

É também o século em que o livro digital, o e-book, vislumbrado na metade do século anterior, é, aos poucos, popularizado. “(….) arriscamos propor uma definição: o e-book, livro eletrônico, digital ou virtual, é um livro que existe exclusivamente em formato digital, não periódico, que necessita de um aparelho leitor e de um software para decodificação que viabilize sua leitura. Pode conter texto, imagem, áudio e vídeo, permite a inclusão de comentários pelo leitor, bem como o controle e ajuste de nuances de brilho, cor e tamanho da fonte”, esclarece a bibliotecária do Instituto de Ciências Sociais e Humanidades, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a professora Helen Beatriz Frota Rozados, também da UFRGS, no artigo O livro digital: histórico, definições, vantagens e desvantagens.

No texto, as autoras explicam que o americano Michael Hart é considerado o criador do livro eletrônico, foi ele quem deu os primeiros passos para que a ideia se tornasse realidade. Ele digitou a Declaração de Independência dos Estados Unidos, primeiro documento da história da humanidade a se tornar um documento eletrônico. “Mais tarde, fundou o Projeto Gutenberg, biblioteca digital mais antiga do mundo que realiza digitalização de livros em domínio público, arquiva-os e os disponibiliza gratuitamente. (…) Esses projetos nortearam os passos de seus sucessores no que tange à padronização, flexibilidade, funcionalidades e interoperabilidade dos equipamentos de leitura”, destaca o artigo.

Mas a previsão de que o livro impresso estava com os dias contados não se realizou. Reportagem publicada pelo Jornal El País, em outubro de 2016, informa que alguns cientistas afirmam que a retenção do conteúdo é muito melhor quando se lê um livro impresso. O artigo Why the Brain Prefers Paper, publicado pela Scientific American, em outubro de 2013, relata que as telas (tablets, computadores, celulares) podem inibir a total compreensão do texto, pois distraem o leitor. A pesquisadora Maryanne Wolf, da Universidade Tufts, em Massachusetts, sustenta que o papel apresenta grandes vantagens e propicia uma maior memória visual.

A matéria traz também uma pesquisa conduzida pela professora de Linguagem da Universidade Americana, Naomi S. Baron. Segundo ela, entre estudantes universitários, 92% se concentram melhor lendo em papel. Foi o que concluiu depois de entrevistar 300 alunos de universidades dos Estados Unidos, Japão, Alemanha e Eslováquia, O trabalho foi publicado no livro Words on Screen: The Fate of Reading in a Digital World, publicado pela Oxford University Press em 2015.

O artigo do El País, traz ainda a opinião de Álvaro Bilbao, neuropsicólogo, autor de Cuidar el Cerebro. Ele argumenta que a possibilidade de tocar, cheirar e sentir o peso do livro e a sensação de avançar à medida que se viram as páginas podem ser mais prazerosas. “Essas coisas que despertam nossos sentidos ativam o hemisfério direito do cérebro, que está mais relacionado com o mundo das emoções”.

Terminamos esta matéria transcrevendo aqui, abaixo, um texto do jornalista, cronista e romancista brasileiro Ivan Ângelo, publicado na obra O papel na arte brasileira no século XX.

Encomenda

Imagine que um escritor tivesse chegado à oficina do mais criativo artesão de papiros do Egito e dito: “Meu bom homem, procuro um artigo para nele deixar gravados meus versos, relatos e pensamentos”. O artesão mostra-lhe o que havia de mais atual na casa, inclusive o papiro trançado, molhado e batido várias vezes, sempre ouvindo em resposta que não era bem aquilo o que buscava.

Imagine que o artesão pedisse ao homem que lhe explicasse direitinho o que queira, para que tentasse satisfazê-lo. E que o escritor assim descrevesse a sua encomenda: “Que seja opaco o bastante para que o escrito de um lado não se veja do outro, e que não deixe passar a luz; macio de tal forma que se dobre docilmente em qualquer sentido, sem rachar; liso, mas que a pena não deslize a ponto de produzir traços sem intenção e formosura; absorvente o bastante para nele se entranhar a tinta sem fazer borrão; baço apenas o necessário para não refletir a luz de modo incômodo, porém com brilho suficiente para ressaltar a elegância da letra; robusto para fazer bom volume e, ao mesmo tempo, finíssimo para não dar a aparência de tosco; e que seja tão suave na cor que não canse os olhos na leitura. Você faria isso para mim?”

E o artesão responderia: “Ah, meu caro senhor, vai levar muito tempo até que possamos entregar essa encomenda. Creio que uns 2 mil anos”. “Está bem”, diria o escritor. “Vale a pena esperar”.

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