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Crônica de domingo, 3 de setembro de 2023: a FliParacatu

Comovente crônica do Festival Literário de Paracatu, realizado em agosto.

Por Paloma Amado
Escritora

Palavra prima
Uma palavra só, a crua palavra
Que quer dizer
Tudo
Anterior ao entendimento, palavra

Palavra viva
Palavra com temperatura, palavra
Que se produz
Muda
Feita de luz mais que de vento, palavra

Mergulhei profundamente no maroceano das palavras, eloquentes palavras de liberdade, luta e igualdade. Mergulhei e nadei na literatura, aquela das línguas portuguesas. Mergulho nas profundezas do aprendizado e do conhecimento, em novos aprendizados e novos conhecimentos, lugar de escutar meninos de escola inteligentes, as perguntas certas na ponta da língua.

O convite veio de Afonso Borges, há alguns meses, e eu que pouco fazia há anos (o marco da pandemia sempre presente) aceitei imediatamente. Depois tive dúvidas, darei conta? Mas fui. Longa a viagem de Salvador para Paracatu. Voo a Brasília, depois de carro, por 3 horas, até a cidade tão linda. Pensando bem, não é tão longo assim o caminho… caminho para o saber e a amizade. Quando cheguei na Capital, sentei num café para esperar Luana Tolentino, escritora, educadora e lutadora da causa de combate ao preconceito, tudo isso numa pessoa de uma gentileza e delicadeza únicas, sua grande arma. Depois de abraçá-la, partimos com o senhor Cristiano, competente motorista conhecedor das estradas do centro do país. Não poderia ter começado melhor esta jornada, ao lado de uma princesa de Aioká, que levarei no coração o resto de minha vida.

Chegamos tarde, perdemos a abertura da Festa, preferimos comer em nossos quartos (eu a canjinha reparadora que sempre busco quando estou cansada) para estar a postos para a grande maratona do dia seguinte. E o dia seguinte chegou cedo e em festa. A festa do café da manhã com os colegas de escrita, numa animação de menino de escola que se junta para uma excursão do colégio. Ricardo Prado e José Manoel Diogo já estavam na mesa, Jamil Chade circulando e resolvendo coisas — o que fez todo o tempo, um incansável! As apresentações sendo feitas. Sonia, psicóloga como eu, uma querida modestamente se dizendo aprendiz de escritora. E foi chegando gente, a Silvana Gontijo que eu não via há tanto tempo, a Nádia Gotlib, com quem já trocara palavras de afeto, mas não conhecia pessoalmente. Aproveitei para falar da mesa que íamos compartilhar no dia seguinte. E veio o Tom, veio Conceição Evaristo com seu grupo, as queridas Andréia e Margot! Gostei tanto delas.

Palavra dócil
Palavra d’água pra qualquer moldura
Que se acomoda em balde, em verso, em mágoa
Qualquer feição de se manter palavra

Palavra minha
Matéria, minha criatura, palavra
Que me conduz
Mudo
E que me escreve desatento, palavra

As primeiras mesas que ouvi foram na Igreja do Rosário, tão linda, com o altar servindo de fundo para os oradores. Queria poder falar de cada uma delas, todas tão pertinente, interessantes, despertando curiosidade, dando vontade de participar dos movimentos por elas gerados. A manhã de quinta-feira foi perfeita: José-Manuel Diogo e Jamil Chade falando sobre a cidadania da lingua x lusofonia. Só queria que meu neto Nincolau estivesse comigo para ouvir e se sentir dentro deste projeto maravilhoso, ele que está em Coimbra, onde será inaugurada em outubro a sede da Cidadania da Língua. Em seguida Silvana Gontijo e Sérgio Abranches, o meio ambiente e seus projetos lindos. Ouvir Silvana contar do Rio Copacabana, Sérgio dizer da fazenda e de seus pássaros, em quantidade incrível de espécies. Terminei a manhã repleta de felicidade. E sempre os meninos de escola, excelente plateia, a perguntar as perguntas certas.

Em Paracatu tive a oportunidade de ficar frente a Conceição Evaristo durante o jantar, conversar, tomar um boa cachacinha mineira e contar a ela de meu tataravô escravo que casou com a mocinha branca. Como isso? Pensamos juntas, talvez por serem judeus sefarditas, fugidos da Inquisição, conhecedores da segregação. Contei a ela do meu amor por Mãe Senhora, de minha religiosidade múltipla e mestiça. Melhor, foi ouvi-la falar, e ouvir falar Eliana Alves Cruz, Miriam Leitão, Mia Couto, Itamar Vieira Filho, Carmen Lúcia, Sergio Abranches, Tom Farias, Adriana Abujamra, Matheus Leitão, Tino Freitas, Luiza Romão (que poeta!!!), Renato Noguera, Paulliny Tort, Socorro Aciolly, Jamil Chade, José-Manuel Diogo, Joana, o próprio Afonso Borges, e muita gente mais, igualmente maravilhosa. Não dou conta de tanto nome, nem de contar, como gostaria, cada roda de conversa, cada debate, sugiro que entrem no Youtube e assistam tudo, vão ver que esta Festa Literária (e foi uma festa mesmo!) será um divisor de águas, para muito melhor, na vida de quem participar.

A cada manhã, na minha casa, quando sento à mesa para o café da manhã, vejo os rostos, ouço as vozes e os risos, as exclamações daqueles que viraram amigos de infância em tão pouco tempo.

Talvez à noite
Quase-palavra que um de nós murmura
Que ela mistura as letras que eu invento
Outras pronúncias do prazer, palavra

Palavra boa
Não de fazer literatura, palavra
Mas de habitar
Fundo
O coração do pensamento, palavra

Agradeço a Afonso, a Tom e a Sérgio, os curadores, pelo convite e peço que me convidem para o ano que vem, vou adorar. Agradeço a cada um da equipe de apoio (e que equipe, chapeau!). Agradeço ao povo de Paracatu e aos meninos de escola. Agradeço aos autores-amigos queridos-colegas. Esta Festa Literária Internacional de Paracatu foi um sopro (tufão?!) de vida para mim, serei sempre grata.

(Obrigada ao Chico pela canção “Minha Palavra”, que não me saiu da cabeça nesses 5 dias de sonho.)
Bom domingo a todos!

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