Por Aristóteles Berino
Professor do Instituto Multidisciplinar da UFRRJ (Campus Nova Iguaçu) e do PPGEduc/UFRRJ
O Brasil não é para principiantes, disse Tom Jobim, entre outros. Não é mesmo. Muita propaganda do Estado feita pelas mídias empresariais, sobretudo, quando o assunto é o poder, o governo da população.
Prestar atenção na narrativa dos telejornais sobre a ocupação da Maré feita por forças militares é concluir que se trata da mesma propaganda de guerra feita pelo invasor nas guerras modernas. Norte-americanos fizeram isso no Iraque; é a mesma coisa por aqui. Para as forças de ocupação, importante dizer para a população do lugar que a ocupação é boa. Para o público externo (no caso, o resto da população do Estado e do país), dizer que a ocupação é necessária, legítima e humanitária até.
Nada disso, na verdade.
Não é que territórios da cidade não necessitem de policiamento e até de uma visão de segurança mais aguda, quando necessário. É a abordagem, midiática e sem associação com uma concepção de desenvolvimento social na totalidade do território (o Estado do Rio de Janeiro).
A própria existência de um território que precisa ser “liberado” é resultado não da vitória do crime (uma afirmação ideológica), mas da forma distinta como o território é segmentado. Há uma população sem saúde, educação, transporte, habitação e outras necessidades atendidas de forma satisfatória. População apartada das zonas mais agradáveis da cidade, onde se concentram equipamentos urbanos de maior valor social e até uma oferta melhor de bens de consumo.
A chapa esquenta e o Estado tenta arrumar as coisas com polícia e agora com as forças militares do Estado brasileiro. Ocupação feita.
Prisões serão realizadas. Um cenário construído. Mas não há nada de desenvolvimento social no horizonte. Essas comunidades continuarão estigmatizadas; seus lugares de moradia e lazer, oprimidos pela concentração de renda.
Na imagem amplamente divulgada pelas mídias [as fotos aqui publicadas pela revistapontocom foram retiradas das fotos galeira dos sites G1 e JB, não havia crédito dos fotógrafos], crianças entram no Caveirão. É a imagem perversa do que é destinado às crianças das classes populares. Nenhum governo sério e bem intencionado permitiria uma cena dessas. Criança não deve frequentar máquinas de guerra e morte. A curiosidade infantil, claro, deseja a aventura da exploração. O mundo adulto é que não pode se alimentar dessas imagens para “mostrar” o sucesso e a boa recepção da ocupação.
Nunca pensei em mostrar para um dos meus filhos como é um Caveirão por dentro. Penso em museus, shows, cinemas e outros espaços. A população do lugar deve ter os mesmos desejos. Mas é isso que o Estado tem para mostrar. As imagens não mentem.