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O samba e a indústria cultural

Pesquisador avalia como meios de comunicação influenciaram principal ritmo brasileiro.

Por Denis Weisz Kuck
Pesquisador e jornalista

“O samba é um símbolo da identidade brasileira. Mas só atingiu esse status ao se inserir na indústria cultural e ser aceito pelas chamadas classes dominantes. Porém, ele não é apenas mercadoria, pois foi construído por uma cultura popular que o legitima”. Pode soar como heresia aos puristas, mas trata-se de uma das conclusões do doutorado de José Adriano Fenerick, defendido na Universidade de São Paulo. O estudo analisa como as inovações tecnológicas e a difusão nos meios de comunicação e nos vários setores da sociedade afetaram o samba entre 1920 e 1945.

O samba surgiu no Rio de Janeiro no fim do século 19 (ou até antes) na região da Cidade Nova, onde se concentravam negros libertos e vindos da Bahia. A princípio, o samba era praticado apenas como festa, como as que ocorriam no casarão da lendária mãe-de-santo baiana Tia Ciata, onde os negros ‘brincavam’ o samba, tocavam chorinho e promoviam rodas de candomblé.

As rodas de samba da época eram diferentes das de hoje, quando todos cantam a mesma música do início ao fim. O samba da época era o de partido-alto, em que havia a repetição de uma única estrofe fixa, cantada por todos, entremeada de versos improvisados — assim, só os mais sagazes sambistas cantavam sua realidade de malandragem, violência e sexo. “A indústria cultural afetou as relações do samba com o sambista e a sociedade”, diz Fenerick. Um exemplo é o famoso samba “Pelo telefone”, de Donga: após ser gravado em 1917, ganhou versão fixa estruturada em estrofes ‘congeladas’ pelo disco.

Nos anos 1920, os sambas começaram a ser gravados acompanhados pelas orquestras dos cassinos do Rio, o que alterou ainda mais sua estrutura rítmica e melódica. O samba se tornava mercadoria, com a compra e venda de discos e sua divulgação pelo rádio. Em oposição a esse samba que se ‘elitizava’ e se coisificava, surgiram as escolas de samba criadas nos morros e que circulavam pelas ruas do Rio com seus instrumentos feitos de sucata.

“O samba feito a partir daí tinha elementos dos dois mundos, do morro e da cidade.” O ritmo deixava de ser apenas um fenômeno local e ganhava o Brasil. Durante o governo Vargas, cresce sua divulgação pelo rádio e sua temática muda. Era preciso ‘educar’ o samba (torná-lo civilizado e branco). Não por acaso, data do fim dos anos 1930 a invenção do samba exaltação, que elevava o Brasil ao patamar de ‘paraíso terrestre’ (a “Aquarela” de Ary Barroso é o maior exemplo).

Em seu estudo, Fenerick pesquisou, entre outros, as biografias lançadas pela Fundação Nacional de Arte (Funarte) sobre sambistas como Cartola, Candeia ou Ismael Silva. O pesquisador também esmiuçou publicações do período especializadas em música como a Revista Phono-arte, que trazia as novidades em equipamentos de som, e jornais como A Modinha Brasileira e A Voz do Violão. E, claro, ouviu sambas da época, no que foi muito ajudado pelo acervo do Museu da Imagem e do Som, no Rio. “O samba só se tornou símbolo do Brasil devido aos interesses relacionados das camadas populares, da classe média, do Estado e dos meios de comunicação”, avalia Fenerick. “Ele não é nem do morro, nem da cidade – como diz o samba de Noel Rosa. É brasileiro.”

* Reportagem publicada pelo portal Ciência Hoje on-line, em 7 de abril de 2003.

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