Por Ana Miranda
Artigo publicado, originalmente, no jornal O Povo
20 de março de 2021
Hoje acordei com sabiás-da-praia, uns passarinhos inquietos, refinados, que saltitam no gramado e voam para o cajueiro. Notável a maestria de seus cantos que aprendem com outros pássaros. Quando fazem amor é uma dança de asas. E não se aproximem dos pequenos ovos azulados, a sabiá-da-praia ataca. Os galos-da-campina chegam de manhãzinha com seu canto de açoite, ciscam a relva, distraídos, donos do terreno. Estou observando as aves da região, amo aves, sempre sonhei ter asas e voar.
Aqui em Icapuí moram muitas aves, bem-te-vis, sibites, corujas, gaviões e passam no céu maravilhosos bandos de aves migratórias. Tanto que, atravessando a rua, fica a casa onde trabalham biólogos de uma associação que cuida das aves migratórias do Nordeste, a Aquasis. Cuidam mais das que estão ameaçadas de extinção: o maçarico-de-papo-vermelho que em abril voa para o Ártico; o de-costas-brancas que vem do Canadá; o rasteirinho que voa do Canadá e do Alasca; a batuíra-bicuda que vem dos Estados Unidos e do México; e o trinta-réis-róseo que vem da Irlanda, da Inglaterra, dos Açores. Aves resistentes, corajosas.
As aves migratórias são um fascínio. Viajam por continentes, atravessam hemisférios, sobrevoam os muros mais estúpidos, fronteiras violentas, florestas incendiadas, selvas de cimento e periferias, nuvens poluídas, terras devastadas, rios assoreados, mares de lama dos desastres, de óleo, ilhas de garrafas pet, montes de lixo, multidões de migrantes e refugiados, cidades bombardeadas, países em guerra e seguem, altivas. Ultrapassam montanhas, golfos, oceanos em busca de alimento, calor, luz, flores ou frutos, local seguro para gerar sua prole. Viajam em bandos a fim de se protegerem umas às outras. Superam barreiras físicas que talvez nenhum humano suportaria, assim são estudadas.
Para tão incrível navegação usam a percepção de luzes, cheiros, magnetismos, à noite as estrelas são suas bússolas. Aguentam o frio da neve, o calor dos desertos, os predadores, temporais, ventanias, a fadiga extrema. Só não sobrevivem à arrogância da humanidade que está destruindo seus templos de repouso. Há sete estradas de aves, as flyways e duas delas ficam no Brasil, o país que tem mais espécies de aves em extinção. Será que isso tem relação com sermos o pior país do mundo na pandemia?
A Aquasis avaliou o impacto das fazendas de camarão nas áreas de descanso das aves costeiras; registrou a diversidade de aves no estuário Timonha/Ubatuba; verificou que o Banco Cajuais é fundamental para a invernada de aves migratórias do Atlântico, como o maçarico-de-papo-vermelho e conseguiu o reconhecimento mundial desse santuário; conquistou uma enorme ampliação do mangue Barra Grande, também de apas. Zela pelo alimento, repouso, reprodução das aves ameaçadas e dá educação ambiental.
O pessoal da Aquasis pede em seu site que as pessoas se inscrevam. Se avistarem essas aves, avisem. Vou me inscrever, observar. Nenhum ser humano hoje pode viver sem fazer trabalhos voluntários pela natureza. As aves nos olham lá do alto, penalizadas, e devem pensar: Pobre humanidade em risco de extinção!