Info-ricos e info-pobres

Por Marcos Fabrício Lopes da Silva, professor da Faculdade JK, jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários.

Por Marcos Fabrício Lopes da Silva
Professor da Faculdade JK, jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários
Publicado originalmente no Observatório da Imprensa

A tecnologia não está distribuída igualmente entre os povos. Segundo informa a professora de bioquímica Glaci T. Zancan, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no artigo “Educação científica: uma prioridade nacional”(São Paulo em Perspectiva, 2000), apenas 15% da população da Terra fornece todas as inovações tecnológicas do mundo. Mais da metade da população mundial está apta a adotar essas tecnologias para produção e consumo e o restante corresponde a regiões tecnologicamente excluídas. Para a professora, “é hoje reconhecido que a tecnologia é mais excludente que o capital e, juntamente com a ciência, define o futuro de um povo”. A capacidade tecnológica de uma economia depende não só de suas próprias inovações, mas também da capacidade de adaptar as tecnologias desenvolvidas em outros lugares, de acordo com Jeffrey Sachs, professor de comércio internacional pela Universidade de Harvard, em A new map of the world (2000): “Today’s world is divided not by ideology but by technology”. Isto é, o mundo de hoje é dividido não pela ideologia, mas pela tecnologia.

Em termos midiáticos, uma medida interessante em prol da democratização da tecnologia diz respeito à expansão da informação em escala global. Vejamos, por exemplo, o mercado da TV a cabo no Brasil. O país convive com uma política excludente de difusão informativa a partir da preservação de um mercado nacional de TV a cabo, cuja programação se oferece em pacotes a um preço muitíssimo superior ao que pagam usuários de outros países. A respeito, alertava o músico Otto, em TV a cabo: o que dá lá é lama (1998): “Acabo de cair no dezesseis a cabo, acabo me tornando usuário a cabo/do doze por cinquenta e sete é um assalto”. O acesso à TV paga é um privilégio só alcançado até agora por cerca de 17 milhões de assinantes. Número que poderia subir se os pacotes fossem mais baratos.

Uma das principais vantagens da TV paga em relação à TV aberta é a variedade de conteúdos. Além disso, o menor tempo dedicado à propaganda se configura como outro fato de vantagem. Existe uma nobre expectativa do consumo da TV paga no tocante à busca por mais noticiários com análise crítica dos assuntos nacionais e internacionais, além de acesso a filmes, documentários e programas culturais que não se encontram, com frequência, na cadeia de programação da TV aberta. Outro notável benefício proporcionado pela TV a cabo se refere ao dinamismo tecnológico que a estrutura, revelam Murilo César Ramos e Marcus Martins no artigo “A TV por assinatura no Brasil: conceito, origens, análise e perspectivas”(Intercom, 1995). Os pesquisadores ressaltam que a “TV por assinatura, em conclusão, é hoje, no cenário das comunicações brasileiras – após décadas de indefinições quanto à sua entrada no mercado nacional – a face mais visível do que chamamos aqui de convergência e que é chamado também, em outras circunstâncias, de multimídia ou super-estradas da informação”.

Censura econômica

Uma TV por assinatura, quando restrita em seu alcance público, limita o acesso e as possibilidades de circulação de informação, além de restringir o acesso a meios e fontes diversificados. De natureza excludente, práticas desse tipo levaram o comunicólogo argentino Aníbal Ford a criticar a divisão do mundo entre “info-ricos” e “info-pobres”, neologismos que, por sua vez, se referem àquelas pessoas providas ou desprovidas do direito da informação. Sabemos que a cidadania passa pelo exercício pleno do direito à comunicação. O direito à comunicação não pode ser exercido em sua integralidade se o acesso aos meios se restringe a poucas mãos. A comunicação pode ser concebida como o espaço do diálogo, do encontro, da construção do consenso desde a diferença. A cidadania requer o exercício integral do direito à comunicação. Por isso, a midiatização é um dado mais importante em uma sociedade que está marcada pela pobreza e, sobretudo, pela desigualdade.

O sistema gambiarra de televisão se expande na medida em que os mecanismos formais de acesso se tornam restritos e onerosos abusivamente. Em oposição a tamanha violência simbólica, Cidinha da Silva, no livro Cada tridente em seu lugar (2007), revela: “Você sabe que às vezes o pessoal da favela faz gato não é só pela falta, mas também pela revolta? Você imagina o que é no inverno só ter água quente pro banho se esquentar a gás ou a lenha, porque não há energia elétrica? Andar a favela inteira com as suas sacolas de lixo debaixo do braço até o asfalto porque caminhão coletor não sobe o morro? A moçada então, não perdoa. Esperança desacreditada, fermentada pela falta de perspectiva, vira revolta.” A escritora mostra, com contundência, o que motiva a existência da TV a gato: “Assim como um vivente tem direito à água potável, tem também direito à programação televisiva de qualidade. Para obtê-la, no Brasil, é preciso pagar uma assinatura. Suponhamos que você possa pagar. Ocorre que a empresa prestadora do serviço acha que o lugar onde você mora não é digno dele. E você, além de perguntar-se onde mora a lógica capitalista da empresa, faz o quê? Os meninos fazem gato.”

O restrito acesso à programação veiculada pela TV a cabo afronta o texto constitucional em seu artigo 220: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição.” A censura econômica se coloca como impeditivo para a livre comunicação. Estar fora da TV por assinatura é ficar excluído dos principais fluxos de informação. Desconhecer os conhecimentos divulgados naquela modalidade de comunicação informacional é amargar uma nova ignorância.

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