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mapa 12Por Aristóteles Berino
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (UFRRJ) e Pesquisador dos Grupos Estudos Culturais em Educação e Arte  e Currículos, redes educativas e imagens (UERJ)

 

Ao me deparar com a capa da última edição da Nova Escola, através do Facebook, fiquei animado para conferir a revista. A publicação se caracteriza por uma linha editorial em nada avançada sobre a educação. No entanto, a capa chama atenção pela relevância do tema na atualidade, assunto que já reúne muitos interessados no país, mas também muita resistência de setores mais reacionários da sociedade brasileira. Diante da emergência da questão, educadores são assediados, por exemplo, por determinadas correntes religiosas para evitar sua abordagem de forma esclarecida e política.

A partir dos meus interesses, no campo dos estudos sobre imagens, resolvi me deter principalmente na capa da publicação. Qual a pedagogia dessa capa? Para uma publicação vendida nas bancas e com significativa visibilidade nas redes sociais, sua capa tem um importante alcance comunicativo, informando sobre o conteúdo, mas também tecendo significações, educando. Inclusive, não é incomum a capa constituir a única referência sobre uma reportagem, que sequer será lida. Portanto, trata-se de uma mensagem com relativa autonomia, diante do seu alcance.

Logo que vi a revista com o menino vestindo um vestido, pensei: “essa é uma capa histórica para a Nova Escola”. Acostumado com o tipo de polêmica que a abordagem mobiliza, mesmo entre educadores, imediatamente fiquei entusiasmado com a franca exposição de uma questão a propósito de identidade sexual narrada na direção contrária das definições de gênero. Pensei, “isso é um avanço”. Minha vida em cor-de-rosa (1997), filme de Alain Berliner, é uma abordagem cinematográfica que apresenta o enredo que geralmente envolve a vida de quem “nasce” menino e gostaria de ser menina, enfrentando repressão por isso.

Na revista, com o retrato do garoto, há um texto em destaque compondo a imagem: “Vamos falar sobre ele?”. Ao prestar atenção na pergunta que a revista dirige ao leitor é inescapável outra pergunta: por que “falar sobre ele”? Não seria mais apropriado “falar sobre ela”? Afinal, não é essa mesma a questão, o menino não deseja ser menina? Entendo a dificuldade que cerca a questão. No campo da educação não estamos acostumados a dialogar de forma tão direta com o assunto. Imediatamente fui constatando, apesar da coragem diante do assunto, os embaraços da própria revista.

Com destaque menor, outra pergunta, também insegura: “Como lidar com um aluno que se veste assim?” Esse “como lidar” não deixa dúvidas sobre a dificuldade para desenvolver a abordagem. Lidar é um verbo que traduz ações de grande desgaste: duelar, suportar, batalhar e até tourear (Dicionário Houaiss, versão eletrônica). “Lidamos” com conflitos. A questão embaraçosa é a seguinte: Quem ou o que produz esse desgaste? A pergunta não indica que se trata de uma coação social que também oprime o educador. O texto diz “lidar com o aluno”. O garoto ao desejar ser menina cria um problema para quem educa. É o que a pergunta da revista sugere.

E finalmente, a identidade estrangeira do menino, Romeo Clarke, revela também a hesitação da revista, que a impede de avançar, na sua capa, com o desafio educacional que propõe. Trata-se de um garoto britânico. Por que colocar na capa de uma publicação brasileira alguém tão distante? Não temos personagens vivendo aqui também as dificuldades e violências promovidas diante de “ousadia” de um menino querer ser menina? A reportagem apresenta três outros episódios, com fotografias das pessoas envolvidas, no interior da revista. Fiquei me perguntando sobre o motivo para uma dessas fotos não ilustrar a capa, precisando de uma imagem tão remota diante do que já é uma questão educativa relevante no Brasil também.

Diante dos receios da Nova Escola na montagem da sua capa para uma edição que desperta para um assunto emergente e relevante na educação brasileira, entre o retrato ousado do menino – ainda que “estrangeiro” – que se presentifica como menina e as indagações que recuam na apresentação da sua existência – como lidar com ele? -, Romeu nos fita, em silêncio. É a revista que fala por ele. É a sua figura mesmo, no entanto, quem melhor interpela quem somos também como educadores. O que a imagem de Romeu, solitária e distante, nos ensina a contrapelo dos nossos saberes?

Sobre a reportagem, é boa e de interesse para educadores. Merece ser lida.  No site da revista há um também um link para o material Escola Sem Homofobia, que foi vetado pelo governo federal depois de ser citado por setores conservadores como “kit gay”.

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Alexandre
Alexandre
9 anos atrás

Maravilhoso o artigo. Parabéns ao professor Aristóteles, sempre atento às questões mais delicadas referentes à Educação. Questões que, para muitos, é assunto a ser evitado. Este artigo é um alerta para toda a sociedade e em especial aos educadores: não há, numa sociedade culturalmente complexa como a nossa, mais espaço para alimentar tabus e esconder preconceitos.

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