Por Marcus Tavares
Editor da revistapontocom
Artigo publicado originalmente no Jornal O DIA
Fiquei na dúvida de trazer esta questão novamente à tona. Simplesmente, por respeito à menina, aos pais dela, enfim à infância, ininterruptamente ignorada em nossa sociedade. Mas se furtar desse debate é, no mínimo, banalizar o caso. É meio que ‘aceitar’ os fatos. O que é até mesmo compreensível. A sensação é que vivemos anestesiados num mundo em que parece que os valores e os limites se escorregam pelas mãos. E que lutar por eles não é mais uma bandeira capaz de sensibilizar boa parte da população.
O que aconteceu com a menina, de apenas 12 anos, participante do programa de TV MasterChef Júnior, logo após a primeira aparição, é um dos muitos casos que merece nosso despertar. Para quem não sabe, a jovem, integrante de um reality show, foi bombardeada nas redes sociais por comentários ofensivos e de assédio sexual. O episódio logo repercutiu em vários segmentos e setores da sociedade, desencadeando reações de proteção à infância e de repúdio aos responsáveis pelas ofensas. Os pais transtornados evitaram falar sobre o tema. A emissora que veicula o programa divulgou nota lamentando o caso. Amplamente analisado por especialistas, o fato provocou reflexões sobre a cultura do estupro e da pedofilia. Temas que, na verdade, a sociedade não deveria fechar os olhos.
Mas quer saber? Isso tudo se resume a uma só questão: o desrespeito que as crianças sofrem em nossa sociedade. Ao ‘não lugar’ que ocupam. Ao longo da metade do século XX, elas conquistaram direitos, reconhecidos e ratificados em legislações no Brasil e pelo mundo afora. Um avanço, sem dúvida. Mas que fica apenas no discursivo. Por aqui, elas são apenas vistas como números para programas sociais, pacientes para a saúde, estatísticas para a escola, mercado consumidor e por aí vai.
Destituídas de direitos, são vítimas. E infelizmente, muitas vezes, dentro de suas próprias casas, no ambiente de suas famílias. A começar pela falta da presença/responsabilidade dos pais. O que se agrava, é claro, com a inoperância de políticas públicas que deveriam não apenas garantir direitos (como saúde, educação e cultura de qualidade), mas protegê-las e promove-las, como prioridade absoluta, como rege a Constituição Federal.
Eis a nossa realidade. Um triste retrato de uma infância invisível.