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Apps, crianças e culturas

Por David Kleeman
Estrategista, analista, autor e conferencista. Trabalha com a indústria de mídia para crianças, no desenvolvimento de práticas amigáveis e sustentáveis para crianças. Vice-presidente de Global Trends for Dubit, uma empresa de consultoria e pesquisa, sediada em Leeds, Inglaterra. Foi presidente do American Center for Children and Media por 25 anos.

Artigo originalmente publicado na revista Kidscreen
Tradução: Daniel Leite. Publicação ComKids
Crédito da foto: Danila Bustamante/comKids

Por mais de 20 anos, viajei com as maletas Prix Jeunesse, mostrando a televisão infantil de todo o mundo e conversando a respeito do modo pelo qual os programas refletem os lugares nos quais eles foram feitos. Recentemente, fui surpreendido pela questão de como aquela interseção que existe entre a cultura e a mídia funciona no mundo dos mobiles e dos apps, e também pela dúvida a respeito do seu papel em nossa sociedade. Vou procurar explicar isso melhor e então espero que vocês preencham essas reflexões com as suas próprias ideias e experiências.

Há algumas semanas, estive em São Paulo, para a conferência comKids – Prix Jeunesse Iberoamericano. Trata-se de um grupo de painéis e discussões a respeito de mídia infantil na América Latina, com o intuito de alterar as perspectivas do setor. É uma competição regional, que serve para reconhecer as produções que se destacam na área de TV infantil. O PJIA funciona com base no modelo internacional do Prix Jeunesse global, que desde 1964 vem celebrando as melhores produções para crianças. Em São Paulo, assim como em Munique, todos assistem, discutem e votam.

Na minha opinião, a América Latina é a região mais criativa do mundo no que diz respeito à TV infantil. Existem muitas razões para isso, uma delas é a proliferação das oportunidades de distribuição. Por mais de um quarto de século, vinha conhecendo produtores, diretores, escritores e animadores extremamente talentosos na América Latina, mas que frequentemente não possuíam saídas para seus trabalhos.

Nos últimos anos, os profissionais e a opinião pública criaram alguns blocos infantis e canais – o Pakapaka na Argentina e o Señal Colombia, entre outros. Esses canais não existiam antes, ou não davam atenção ao segmento infantil. As mídias mobile e o streaming, igualmente, vêm crescendo com rapidez. A rica cultura dos produtores latino-americanos brilha em muitas das produções. Indígenas vivem retratados em documentários com belíssimas fotografias, animações feitas com materiais locais, histórias políticas honestas e alguns tipos de humor que podem confundir os estrangeiros mas que deixam gargalhando seus respectivos públicos.

Assim como seu parente internacional, o Prix Jeunesse Iberoamericano tem uma divisão de mídia interativa, com prêmios para as melhores produções mobiles e de apps e para os melhores websites. Depois que todos os finalistas interativos foram apresentados, alguém notou que eles levavam bem menos traços latino-americanos que as produções feitas para a televisão. Um debate sobre a importância das especificidades culturais na televisão e nos dispositivos móveis foi levantado, perguntando o que significava essa presença em termos práticos.

Minha reação inicial foi pensar “é claro que as crianças precisam ver suas vidas refletidas em cada uma das telas”. Entre a economia e os gêneros típicos, porém, isso pode não ser tão simples assim. A televisão é um meio de comunicação essencialmente global, por suas escolhas e modelo de negócio – mesmo nesse ponto em que estamos: “a era do streaming”. Os programas são feitos conscientemente para alguns lugares específicos ou para vendas internacionais. Todos já ouvimos falar alguma vez sobre os acordos de roteiro ou desenho feitos para mascarar culturas, estabelecer gostos ou consolidar tabus.

Ao mesmo tempo, muitos gêneros típicos da TV são bons para contar histórias “enraizadas” incorporando decisões narrativas, artes, fazeres tradicionais e casts que refletem a população local (seja em live action ou animação). A web e o mobile são tecnologias mais globais, seu conteúdo tem que ser “geobloqueado” para impedir o cruzamento de fronteiras entre países e regiões, diferente de ser oferecido amplamente para “se pagar” e justificar o investimento. Dado o modelo econômico mais apertado e econômico do mobile, qualquer coisa que diminua o público potencial significa um investimento arriscado.

Os gêneros mais comuns de apps, pelo menos para as crianças menores, também podem mascarar a diversidade cultural. Excluindo-se os appbooks, eles tendem a ser menos dirigidos por personagens ou narrativas, tais como apps de artes, quebra-cabeças e ferramentas educacionais. De todo modo, quanto mais tempo as crianças gastam com os dispositivos móveis e sua natureza inerentemente global, a coisa que é mais importante é dar apoio aos conteúdos que trazem a diversidade cultural. Uma de minhas principais referências, Mogens Vemmer, um dos pioneiros diretores de televisão educativa do canal público da Dinamarca, costumava dizer: “quando uma criança acorda de manhã e liga a TV, como ela sabe onde está?”. Hoje, a mesma questão se aplica aos tablets e telefones. Tanto no conteúdo como no design, o livro e app “A day in the Market”, da Adarna House, é um grande exemplo. Situado de forma clara nas Filipinas, pode ser acessado de qualquer lugar.

As crianças não precisam “aprender” as suas próprias raízes, mas, por outro lado, elas precisam conhecer o modo como o mundo deles está interconectado com os outros. Outra das falas de Vemmer é “as crianças devem aprender que elas crescem iguais em todos os lugares do mundo. Elas têm a mesma dignidade, mas não vivem sob as mesmas circunstâncias”. Isso é impossível no momento em que estamos tratando os conteúdos interativos de maneira genérica e com um ponto de vista único. Os apps “Homes”, feito pela Tinybop e “One Globe Kids”, feito pela Round by Design, tomam elementos da vida cotidiana – como comemos, dormimos, nos abrigamos do tempo – mostrando as diferenças e similaridades ao redor do mundo.

Também me parece que os usuários das mídias sociais e os conteúdos gerados pelos usuários são perfeitamente adequados para o intercâmbio cultural, desde que nós criemos ferramentas desenhadas menos para o egocentrismo e mais para o ubuntu – o conceito africano de interdependência: “eu sou porque você é”. Felizmente, existe uma saída para que todos os criadores de mídia possam se unir a esse debate, para que possam contribuir para a inovação na representação e para auxiliar todos os jovens a encontrar inclusão em suas telas. “Diversity in Apps” é uma organização que está sendo criada por produtores, editores, pesquisadores, educadores e outros profissionais. A diversidade tem a ver não só com aquilo que aparece na tela, mas também com aquelas pessoas que estão por trás da tela. Assim, onde você estiver, quando estiver fazendo qualquer coisa, pergunte se você pode auxiliar a tornar a “Diversity in Apps” uma profunda e verdadeiramente representante de seu nome.

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