Por Maria Alice Setubal
Socióloga e educadora. Doutora em psicologia da educação.
A crise política vivenciada pelo Brasil tem se mostrado repleta de radicalismos e polarizações, abordados por inúmeros artigos e reportagens na mídia. A gravidade da intolerância e das discriminações, assim como da incapacidade de ouvir o outro, são evidentes não apenas dentro do Congresso, mas no dia a dia das pessoas comuns. Um exemplo é o caso relatado nas redes sociais de uma médica pediatra que recusou atendimento à filha de uma vereadora do PT. Tamanha violência tem influenciado até mesmo discussões desvinculadas da política, levando a casos extremos, como o da invasão de um gabinete de uma juíza por um homem que tentou queimá-la viva.
Toda essa violência e intolerância também interferem no universo infantil, e atualmente vemos crianças xingando políticos (muitas vezes encorajadas pelos pais) ou mesmo agindo de formas mais agressivas com seus colegas. Em meio a um cenário tão conturbado, como as famílias e as escolas devem tratar de política com os pequenos?
Recentemente, li um post muito simples, mas muito coerente, que pode servir de referência nesse momento. Ele sugeria que, junto às crianças, o adulto:
- Não use frases de violência
- Não use xingamentos ao se referir a pessoas contrárias à sua posição ideológica
- Fale sobre a necessidade de conviver respeitosamente com todos, inclusive aqueles que não concordam com você
- Ensine sobre respeito ao outro
- Aja de forma pacífica, mesmo em casa assistindo aos noticiários
- Tenha paciência para responder aos muitos porquês
- Mostre esperança e confiança no futuro
Os adolescentes e jovens também precisam de apoio e orientações em momentos políticos e sociais tão conturbados. Para eles, o exercício da cidadania implica autonomia, empoderamento e participação. O desejo de agir junto à sociedade é expresso por muitos jovens na criação de coletivos, escolas de ativismo e movimentos que cobram transparência da ação pública e buscam intervir na política. É importante que todas essas ações encontrem espaços dentro da escola. Para que os jovens possam colaborar com a construção de uma sociedade mais justa e sustentável, é necessário que a eles sejam oferecidas condições para o desenvolvimento de sua autonomia, de modo que sejam capazes de atuar em prol de mudanças de outros mundos possíveis.
Um bom começo pode ser a implementação de grêmios dentro das escolas, de projetos de educomunicação ou ainda o incentivo à criação de intervenção nos problemas da comunidade. Neste contexto, as tecnologias (como celulares, computadores e máquinas fotográficas e filmadoras) podem possibilitar que as novas gerações exerçam o papel de protagonistas nas comunidades, reais ou virtuais. Exemplos são a criação de petições e abaixo-assinados para a resolução de problemas, as campanhas de financiamento coletivo para a realização de ações culturais e sociais e a criação de reportagens e vídeos nos quais as opiniões dos jovens são expressas. Assim, as conexões entre indivíduos são facilitadas, e criamos espaços de debate e convergência de interesses.
Para participarmos da vida em sociedade de forma mais cidadã, precisamos retomar o espaço comum, a busca pelo diálogo, pela cooperação e pelo compromisso. Afinal, como podemos educar nossos filhos sem darmos o exemplo de racionalidade e ponderação política? Novos mundos podem ser possíveis se fundamentarmos nossas ideias em valores relacionados ao cuidado de si, dos outros e do planeta. Para isso, as relações devem ser mais horizontais, voltadas ao coletivo e não centrada no indivíduo; pautadas pelo respeito, e não pelo ódio.