O antropólogo Roberto DaMatta analisa o papel que o carnaval exerce nos dias de hoje.
Por Marcus Tavares
Carnaval e criança: o que há em comum? A folia profana e sagrada seria uma festa infantil? Que lugar meninos e meninas ocupam nos dias de samba? Estas foram algumas das perguntas feita ao antropólogo Roberto DaMatta. Entrevistei o professor em 2008. Sim, a entrevista tem quatro anos, mas o tema e a abordagem são atemporais, por isso o convite para a releitura. O texto foi originalmente publicado no site do Centro Internacional de Referência em Mídias para Crianças e Adolescentes – Rio Mídia.
Ao falar sobre o tema, DaMatta faz com que os leitores reflitam sobre o que é ser criança e qual é o real significado da festa popular. Para o professor, a folia, na verdade, pode ser vista de dois ângulos: “Pelo prisma moderno, é uma festa, como as Olimpíadas e a Copa do Mundo, para enganar os trouxas. Mas lida pelos seus gestos, fantasias, músicas e valores centrais, ela remete a uma antiga, a uma quase soterrada, celebração do desequilíbrio, do excesso, da embriaguez e da libidinagem que os nossos esforços burgueses (de direita e esquerda) não conseguiram apagar”.
Considerado o quarto autor mais citado em trabalhos acadêmicos em Ciências Sociais, no Brasil, atrás apenas de Karl Marx, Max Weber e Pierre Bourdieu, DaMatta traz um olhar antropológico sobre um tema instigante.
Acompanhe a entrevista, republicada aqui pela revistapontocom:
O senhor afirma que todo ritual tem um porquê. As pessoas sabem o que são e para que servem um enterro, o Natal, a Independência, a Páscoa… Mas, quando se fala de carnaval, não há um consenso. Há, principalmente, uma questão dúbia entre o sagrado e o profano. Afinal, para que serve o carnaval em nossa sociedade?
Roberto DaMatta – Essa é grande questão. Na esteira do pessimismo que é marca da religiosidade ocidental (o homem é um pecador desobediente que foi expulso do Éden, o mundo foi destruído por fogo e água, a tendência do homem é a ambição, o poder e a inveja – Lutero e Calvino), celebrar a morte é a regra, mas glorificar a vida, o corpo e a sensualidade, uma exceção. As festas que misturavam sagrado e profano, típicas do catolicismo Ibérico e Mediterrâneo, foram substituídas por cerimoniais cívicos, dominados por Dona Quaresma e não pelo Senhor Carnaval. A pátria, a universidade, o governo, a eleição tomaram o lugar das festas onde as pessoas podiam traçar de lugar e de ponto de vista, e assim ler o mundo por outros ângulos. O Brasil é um dos poucos lugares, senão o único país moderno, que manteve o carnaval, sem abrir mão de uma certa modernidade fundada na economia, no mercado e no civismo. Daí as dúvidas. Visto pelo prisma moderno, o carnaval é uma festa, como as Olimpíadas e a Copa do Mundo, para enganar os trouxas; mas lida pelos seus gestos, fantasias, músicas e valores centrais, ele remete a uma antiga, a uma quase soterrada, celebração do desequilíbrio, do excesso, da embriaguez e da libidinagem que os nossos esforços burgueses (de direita e esquerda) não conseguiram apagar. Eu diria, então, que o carnaval celebra, dentro do mercado e do lucro, o corpo e o prazer sensual do instante. A imensa gratificação que chega com o poder trocar de lugar e a felicidade de poder desmontar um sistema social com dia e hora marcada para começar e, naturalmente, terminar. É a celebração da desconstrução social.
Neste sentido, carnaval é ou não é coisa de criança? Qual o lugar que ela ocupa nesta festa?
Roberto DaMatta – Num mundo marcado pela mitologia e pelo credo da responsabilidade individual, do politicamente correto, da lógica da poupança e da previsão, da ética da verdade e da transparência e da disciplina do corpo, o carnaval é uma bobagem e uma infantilidade. Seria algo regressivo e louco: uma folia, como se dizia antigamente. Um estado de loucura consentida porque era socialmente aprovada e praticamente por todos. Neste sentido, a criança, que exige gratificação imediata dos seus caprichos e desejos, é o grande sujeito do carnaval. Um austero amigo de nossa família dizia que o carnaval era coisa de cretinos ou de criança! De seres infantis que brincavam de máscaras, de fantasias, de reis e rainhas, de esquecer a dureza do mundo: da morte e da finitude. Como festa do riso e da pobre e rara felicidade neste mundo, o carnaval é como a infância: passa logo porque é bom demais. Essa pelo menos é um dos seus mais fortes vetores ideológicos como digo nos meus livros, sobretudo em Carnavais, Malandros e Heróis (Editora Rocco, Rio de Janeiro).
Isto talvez explique o fato de tantas crianças participarem de escolas de samba mirins? Foi a forma que elas encontraram de participar da festa? Ou a forma que os adultos encontraram de integrá-las? Ou ainda: a forma pela qual a indústria cultural encontrou de atrair a garotada?
Roberto DaMatta – Todas as respostas são corretas. Mas é preciso reiterar que o carnaval democratiza uma sociedade hierarquizada. Se no cotidiano todo mundo sabe o seu lugar, no carnaval o barato é brincar de justamente experimentar a possibilidade de sair ou trocar de lugar. Ainda que seja por alguns instantes ou milímetros. Com isso, todo mundo tem direito ao carnaval: até as crianças que são levadas no colo para experimentarem essa festa onde todos dançam, cantam e se divertem igualitariamente, uns com os outros.
Estudiosos afirmam que a TV vem cada vez mais diminuindo a fronteira entre o mundo adulto e o infantil. Sendo o carnaval, ao mesmo tempo, uma festa profana e sagrada, e tendo cada vez mais a participação de todos, ela também contribui para esta não divisão?
Roberto DaMatta – Num certo nível sim. Em outros, não. A ênfase no corpo divide e junta bem o carnaval infantil do carnaval do adulto.
Que relações então se estabelecem entre adultos e crianças nesta festa?
Roberto DaMatta – No carnaval, como na experiência do futebol e de outras festas, as crianças se vêem como iguais aos adultos relativamente a certas dimensões importantes da vida social. Por exemplo: com o direito de usar uma fantasia de sua escolha ou preferência; na capacidade de torcer pelo time A ou B; no papel de devoto do santo ou da santa que conta tanto quanto os outros. Essas são experiências de vida igualitárias que tiram a criança do controle do adulto e da família, que não é pequeno no Brasil. Elas, então, podem realizar coisas que os adultos realizam sem controle, ultrapassando o mero “agradar” ou “ser bem comportado”, para serem cúmplices, parceiros ou torcedores: cidadãos de um mesmo bloco, escola de samba ou entidade sobrenatural.
A mídia vem reformulando o conceito de carnaval? Ao que parece, carnaval hoje é sinônimo de sexo. É esta a imagem que a mídia vende e que chega às crianças?
Roberto DaMatta – A mídia vem reformulando o carnaval em muitas direções. Mas como o carnaval é algo multifacetado e complexo, como eu assinalei no meu trabalho, me parece impossível “controlar” midiaticamente o fenômeno. Assim sempre existe algo que escapa do controle da mídia. No ano passado, foram os blocos que, tudo indica, voltam a ser importantes. Amanhã, pode ser o baile; no outro ano, a fantasia etc. Eu penso, pelo que observo junto aos meus netos, que as crianças se empolgam pela beleza física, pela destreza coreográfica, pelo colorido das roupas e, como todo mundo, pela folga da escola e pela “obrigação” paradoxal de poderem (ou terem), depende dos pais, brincr o carnaval. Existe coisa melhor do que ser obrigado – por um feriadão – a se divertir?
tendenciosa ou não, a matéria deveria ser ponderada pelo bom senso, questionando o comportamento que valoriza a desconstrução da moral e caráter do indivíduo, onde a felicidade é alegórica.
Deslumbrante a entrevista com nosso querido antropólogo Roberto da Matta, sempre presente no cenário do pensamento sobre o nosso país e que, nos últimos tempos, na sua página de opinião na Globo me passa um certo ar de cansaço e desilusão que não combina com ele.
Entrevista tendencionista essa hein… Está claro que o interesse dessa matéria é demonizar o carnaval, algo que ao meu ver DaMatta discorda e tb aqui tenta relativizar, apesar das questões impróprias.