BNCC: evento traça o balanço dos três anos e os desafios de 2022

Entrevista com Alice Ribeiro, Diretora de Articulação do Movimento pela Base
“Agora começa a parte mais difícil de todo o processo: transformar os currículos em realidade na sala de aula em um contexto absolutamente adverso”, Alice Ribeiro, Diretora de Articulação do Movimento pela Base.

Por Marcus Tavares

No dia 13 de dezembro, o Movimento pela Base realizou o Seminário de 3 anos da BNCC da Educação Básica. Ao apresentar os avanços da implementação da Base Nacional Comum Curricular na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, o evento debateu a chegada do Novo Ensino Médio nas escolas em 2022, a importância do alinhamento das avaliações no processo de implementação e debater sobre os desafios que ainda estão por vir. Gestores, diretores e professores participaram do encontro.

https://seminariobncc.com.br/mpb/seminariobncc?lang=pt

Em entrevista à revistapontocom, Alice Ribeiro, Diretora de Articulação do Movimento pela Base, destaca que o momento é de celebração dos três anos da Base, de uma política pública que vem atravessando diferentes desafios, mas que se constitui numa política de Estado e não de governo. “E é claro que não podemos estar descolados da realidade. É um momento de reconhecer todas as oportunidades, mas também todos os desafios que temos pela frente”.

Para Alice, a implementação da BNCC, de fato, vai começar em 2022, quando os estudantes estarão trabalhando a partir dos currículos construídos e alinhados com o documento. Há muitos desafios pela frente. “Tínhamos, antes da pandemia, uma situação de muita desigualdade educacional, defasagem de aprendizagem e altas taxas de evasão. Hoje, o cenário é mais complexo, com algumas escolas ainda se reerguendo. É preciso garantir as aprendizagens essenciais e ainda fazer as recomposições de aprendizagens que não foram desenvolvidas”, destaca.

Acompanhe, abaixo, a entrevista na íntegra concedida à revistapontocom:

revistapontocom – Qual é a avaliação que o Movimento pela Base tem hoje sobre os três anos da BNCC na Educação Básica?
Alice Ribeiro
– A BNCC traz a clareza do direito que cada criança e adolescente têm de aprender ao longo da Educação Básica. E esse é um grande salto para o país. Antes, tínhamos normas interessantes, mas muito amplas e genéricas, que basicamente permitiam que as escolas ensinassem qualquer coisa para os alunos, o que acabou gerando uma inversão perversa: as matrizes de avaliação pautavam o que acontecia na sala de aula. Hoje, com a BNCC, que não é uma bala de prata, mas é um grande passo no sentido de trazer maior qualidade e equidade para a educação, você pode alinhar, ao que é esperado que os estudantes aprendam, os currículo das redes, as formações dos professores, os materiais didáticos e as avaliações. Isso tudo traz um potencial muito grande para a Educação brasileira. E é uma alegria ver que, apesar de muitas descontinuidades do Governo Federal, do Ministério da Educação, essa política está firme e forte como política de Estado e não de governo. Desde que a BNCC começou a ser construída, em 2015, já tivemos mais de treze gestões ministeriais, isso sem contar nos milhares de dirigentes municipais e estaduais que trabalharam com a temática. Seguramente, avançamos.

revistapontocom – Qual foi o impacto que a pandemia provocou na implementação da BNCC?
Alice Ribeiro –
O impacto foi muito grande. O esperado era que os currículos fossem construídos e a base chegasse em sala de aula ainda em 2020. Mas sabemos que nem houve aula presencial no ano passado. A pandemia teve um impacto muito grande no tempo e no processo de implementação da BNCC. Soma-se a isso a falta de coordenação nacional, por parte do Ministério da Educação, e a consequente interrupção do programa de indução à implantação da BNCC. Esse programa foi interrompido para as etapas de Educação Infantil e Ensino Fundamental no início de 2020. Isso tudo tornou muito mais desafiador para as redes implementarem a base. Ou seja: transformar a base em currículo, em formação de professores, em materiais didáticos e avaliações. No entanto, em que pese todos esses impasses, é fenomenal observar o que aconteceu nas redes. Em março de 2020, havia no país cerca de 1.400 municípios com currículos de Educação Infantil e Ensino Fundamental alinhados à BNCC. Hoje, esse número chega a quase 5.400 municípios. Tivemos um salto, praticamente quadruplicou a quantidade de municípios com referenciais curriculares alinhados à Base, alcançado 96% do país. Isso mostra uma enorme resiliência da ponta, um compromisso muito grande com a construção da base, num processo intenso de colaboração. É muito interessante notar que, se antes da pandemia já era muito importante ter a clareza do que é direito de aprender de cada criança e adolescente em cada etapa da Educação Básica, isso, hoje, se tornou essencial. E embora tenhamos um cenário muito delicado pela frente, o fato de já termos a base durante a pandemia ajudou a não piorar ainda mais a situação educacional do país em termos de desigualdade e defasagem de aprendizagem. Ter uma base neste período de pandemia foi um bálsamo que permitiu que as redes trocassem experiências e que materiais de apoio fossem construídos em conjunto. 

revistapontocom – O ano de 2022: será um ano de recomeço da implementação?
Alice Ribeiro –
Será um ano de começo. Entendemos que todo esse processo que aconteceu até hoje é um movimento essencial, mas não suficiente para ser entendido como início da implementação da BNCC. Compreendemos que o início da implementação ocorre quando os currículos estão chegando à sala de aula e os estudantes aprendendo e vivenciando os projetos políticos pedagógicos alinhados à base. De fato, a implementação vai acontecer em 2022. Mas as perspectivas são positivas com relação a recepção da base nas escolas. O Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd) da Universidade de Juiz de Fora (UFJF), de Minas Gerais, fez uma pesquisa junto às unidades de ensino que ratifica essa aderência. E no caso do Ensino Médio, o próprio cronograma formal de implantação aponta que o primeiro ano já deve seguir a base no ano que vem, em todo o Brasil.

revistapontocom – O que de fato conquistamos, avançamos na implementação?
Alice Ribeiro –
Esse trabalho todo de construção curricular em regime de colaboração por parte dos territórios, essas escolhas que estão sendo feitas pelos municípios com relação aos currículos da Educação Infantil ao Ensino Fundamental, todo o movimento que tem acontecido nos Estados para a construção de referenciais curriculares para o Ensino Médio, que são extremamente complexos, isso tudo tem caminhado apesar da pandemia e da falta de coordenação nacional. Isso tudo tem saído do papel. Mais uma vez reforço a pesquisa do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd) da Universidade de Juiz de Fora (UFJF), de Minas Gerais. Ela revela como a base chegou na ponta. A BNCC não é vista como uma camisa de força. Os professores e gestores reconhecem que o documento abre espaço para diversidade e para as realidades locais. Reconhecem que ela não foi feita de cima para baixo e que ela reforça o regime de colaboração. E mais do que isso: os professores têm dito que a Base tem alterado, positivamente, suas práticas. Então há vários avanços importantes e é por isso que vamos celebrar, apesar de todos os desafios. Temos uma base nacional com três anos de homologação saindo do papel.

revistapontocom – Então quais são os desafios que temos pela frente em 2022?
Alice Ribeiro – O que não faltam são os desafios. Agora começa a parte mais difícil de todo o processo: transformar os currículos em realidade na sala de aula em um contexto absolutamente adverso. Tínhamos, antes da pandemia, uma situação de muita desigualdade educacional, defasagem de aprendizagem e altas taxas de evasão. Hoje, o cenário é mais complexo, com algumas escolas ainda se reerguendo. É preciso garantir as aprendizagens essenciais e ainda fazer as recomposições de aprendizagens que não foram desenvolvidas. Além disso, temos também um cenário político desafiador. Dois mil e dois será ano de eleição no governo federal e nos estados. Há muita polarização. Na verdade, todos os focos deveriam estar voltados para uma boa implementação da BNCC. Mas nosso receio é que com o período eleitoral isso se dissipe. Outras coisas ganham foco e mais uma vez a aprendizagem das crianças fique de lado.

revistapontocom – Qual é o objetivo do evento?
Alice Ribeiro – Em primeiro momento: celebrar. Temos uma política educacional estruturante que encontrou continuidade, uma raridade no Brasil. Uma base que tem reforçado o regime de colaboração e traz referencial claro para as redes, gestores, professores sobre o que é direito das crianças e adolescentes aprenderem. É claro que não podemos estar descolados da realidade. É um momento de reconhecer todas as oportunidades, mas também todos os desafios que temos pela frente. Vamos ouvir como a implementação está acontecendo na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. Discutir como anda o alinhamento do Ensino Médio em diferentes lugares do país. Entender como as avaliações vão mudar para responder o que a base traz. Por exemplo, como deve ficar daqui para frente o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem? E por fim teremos uma mesa em que os principais implementadores de política, os tomadores de decisão, vão reafirmar o compromisso com a continuidade da implementação da BNCC. Então acho que será um evento marcante, simbólico e importante para mostrar que temos muitas oportunidade, mas também muitos desafios pela frente. Mas que acima de tudo é possível fazer.                 

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