Por Ana Miranda
Romancista e atrizArtigo originalmente publicado no jornal O POVO
Depois do dia das lágrimas, quando lembramos com respeito e afeição nossos mortos, veio o Dia do Riso. Minha avó dizia, depois da tempestade vem a bonança. Há quanto tempo eu não ouvia esse ditado! E que ditado tão bom para os dias de hoje, quando sentimos tempestades varando o mundo. Lágrimas purificam, trazem alívio, mas o riso, ah, o riso é uma anestesia no coração, um voo de inteligência, um instante de liberdade, uma declaração de amor…
Certo, há também os risos sardônicos, de escárnio, de nervosismo, agressivos, os de ironia, burlescos, grotescos… Mas, sempre o riso é um caminho para as pessoas se aproximarem, seja por afeto, seja por hostilidade. Não sei quem inventou o riso, se os homens das cavernas riam, tenho fé que sim. Os gregos antigos já falam do riso, estudam o riso, temos o riso platônico, um falso prazer que nos afasta da verdade. Depois do século 4 os seres humanos cessaram de rir, choraram sem descanso e pesadas cadeias caíram sobre o espírito, entre lamentações e remorsos de consciência, dizem historiadores. O riso é estudado desde o século 16, como no maravilhoso “Tratado do riso” de Laurent Joubert. Já foi tido como um dom do diabo e um dom de Deus. Como vício, como virtude. Como evolução ou retrocesso. Insulto à criação divina. Vingança do diabo. Mas Jesus nunca riu, dizem estudiosos da Bíblia, e nem Deus. Por que, então, rimos?
Sei que nós, cearenses, somos o povo do riso. Daqui surgiram alguns dos
maiores humoristas de nosso país. Rimos em casa, nas ruas, em teatros, praças, tribunas… E eu me lembro de quando comecei a frequentar o Ceará, sempre me surpreendia agradavelmente com o humor das pessoas, e me reconhecia. Porque sempre gostei de rir, e sempre tivemos esse hábito em casa. Minha irmã e eu ríamos às vezes até perder a força nas pernas finas de criança. Na nossa casa da infância, ali na avenida Aquidabã, praia de Iracema, risadas femininas ressoavam num doce cotidiano de rendas e bordados. Ríamos.
Mas os escritores não devem rir, decerto em respeito a sua missão de olhar
dramas e tragédias. Lembro, porém, das gargalhadas maravilhosas de João Ubaldo Ribeiro que ressoavam como trovão. Ou do sorriso incontido de Raduan Nassar. Em uma viagem Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles foram posar para fotografias, no final Clarice disse a Lygia que ela não devia sorrir nas fotos. Embora Clarice escrevesse: Sorria sempre, seus lábios não precisam traduzir o que acontece em seu coração. Lygia me contou essa história – saudades da Lygia, com quem eu ri muitas vezes quando éramos vizinhas e amigas.
O conhecimento atual fala bem do riso: é uma resposta ao dilema da
existência; a constatação de que a razão fracassa diante da realidade; um sinal de evolução; aumenta os níveis de dopamina (prazer) e endorfina (bem-estar); tem uma força corrosiva diante do fanatismo; diminui o estresse; combate infecções; reduz a dor; diminui doenças… Rir é o melhor modo de suportar a existência quando nenhuma explicação nos convence. Rir é aceitar sem compreender. O riso são as lágrimas que não conseguimos derramar.