Livro infantil: o lugar da imagem

Por Marcus Tavares

Escritor, ilustrador, designer gráfico e professor. São muitas as atribuições de Guto Lins. Professor do Departamento de Artes e Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), ele vem assinando vários projetos gráficos para livros infantis. Começou ilustrando, depois tomou gosto e resolveu também se aventurar a escrevê-los. Hoje, no processo de produção de uma obra literária infantil, ele é capaz acumular qualquer um dos papéis. Seja escritor, ilustrador ou designer, ele cria e recria.

Há dois anos, lançou um livro específico para os universitários que estudam o assunto: “Livro infantil?: projeto gráfico, metodologia, subjetividade” (Editora Rosari). A obra mostra a importância da imagem na literatura infanto-juvenil e apresenta um panorama de sua produção pela ótica do design. “Tento dar um panorama do livro infantil e juvenil como produto de design, mostrando a sua estrutura e dando dicas básicas para a tarefa de projetá-lo graficamente”, explica.

Em seu escritório em Botafogo, no Rio, Guto concedeu uma entrevista ao site do RIO MÍDIA (Centro Internacional de Referência em Mídias para Crianças e Adolescentes) sobre o conteúdo do livro. Ele fala sobre o mercado editorial e o lugar da obra infanto-juvenil.

Acompanhe a entrevista.

Qual a importância e o lugar da imagem no livro infantil?
Guto Lins –
O livro infantil é permeado por imagem, seja ela uma ilustração, desenho, grafismo ou a própria forma de você colocar o texto, uma letra maior ou menor. A imagem faz parte da história e ajuda a contar essa mesma história. A linguagem visual é anterior à linguagem falada e escrita. A imagem, portanto, não é uma mera figuração. Ela não está lá para o livro ficar bonitinho. É também uma linguagem. Por meio dela, por meio da interpretação do ilustrador, a criança tem a oportunidade conhecer outras visões da história. O texto escrito conta uma história recheada de imagens nas linhas e nas entrelinhas. A imagem complementa e enriquece esta história, a ponto de cada parte de uma imagem poder gerar diversas histórias. O texto e a imagem juntos dão ao leitor o poder de criar na sua cabeça a única história que realmente interessa. A história dele.  Além disso, a carga escrita de um livro infantil é pequena se comparada com a que se veicula em outros títulos. Desta forma, a imagem também tem a função de dar corpo ao livro, de dar mais consistência física à obra, possibilitando uma melhor formatação e venda do produto final.

A imagem sempre teve esta importância?
Guto Lins
– Não. Esta importância veio sendo construída ao longo das últimas décadas com a evolução gráfica do setor. Se pegarmos os livros antigos, vamos observar que muitos deles traziam 10 ou 15 ilustrações numa obra com cerca de 200 páginas. Hoje, totalmente inconcebível. O lugar de destaque que a imagem ocupa atualmente nas publicações infanto-juvenis é fruto de uma série de questões. Primeiro, não podemos nos esquecer que vivemos hoje numa sociedade que possui um outro tempo e ritmo, uma outra linguagem estética. Quando eu era criança, a TV era preto e branco. Hoje, as crianças têm à disposição canais coloridos e exclusivos, 24 horas por dia. A ilustração extremamente literal ou puramente ornamental e decorativa não representa mais a diversidade, a pluralidade e a riqueza de informações visuais a que as crianças de hoje têm acesso. Além disso, a evolução, sem dúvida nenhuma, do parque gráfico e o surgimento do computador também contribuíram para essas mudanças. Uma imagem colorida impressa em um livro dos anos 50 ou 60 era muito cara e, às vezes, inviável. A globalização também é um outro ponto. Ela permitiu um maior intercâmbio de títulos, recursos e serviços e a uma maior profissionalização do setor. O ilustrador amador que ilustrava os livros como hobby, ou nas horas vagas, deu lugar a um profissional com formação acadêmica, criterioso e encarregado de dar qualidade estética, funcional e lúdica ao produto.

Neste sentido, qual é o profissional encarregado pela definição do projeto gráfico de um livro infantil?
Guto Lins
– No Brasil, o projeto gráfico de livros infanto-juvenis, na maioria das vezes, é executado pelo próprio ilustrador. Atualmente, as grandes editoras brasileiras contam com um setor próprio de designer gráfico, que planeja toda a concepção da obra, convidando então um ilustrador profissional para participar da elaboração do projeto. Até a alguns anos atrás, o projeto gráfico dos livros era colocado em segundo plano. O ilustrador brasileiro era contratado apenas para executar as ilustrações e a sua participação na produção do livro era mínima e até evitada tanto pelas editoras quanto pelos próprios artistas. Isso hoje não acontece. O projeto gráfico precisa ser dinâmico, estruturado e conversado bastante com o ilustrador. O bate-papo é fundamental em todo o processo, caso contrário você engessa o ilustrador e inviabiliza o próprio projeto.

Podemos afirmar então que o livro infantil, nos últimos tempos, se industrializou? E neste sentido, qual é o seu desempenho no mercado?
Guto Lins
– Embora ele tenha toda a nobreza, não só por estar ligado à literatura, mas porque também está ligado à criança e à escola, o livro é um produto industrial como o sabão em pó. E como tal tem que vender. O fato é que o mercado editorial brasileiro vive um cotidiano complicado. Como se lê pouco, as editoras produzem pouco. O preço então encarece. Sendo caro, o leitor não compra e acaba, portanto, lendo muito pouco. Entramos num círculo vicioso. A tiragem de um livro infantil no Brasil fica em torno de três a cinco mil exemplares. Mesmo assim, a publicação, às vezes, fica nas prateleiras das livrarias mais de dois anos por conta de todo esse processo que falei. Do valor cobrado por um livro, 10% é do autor, mesmo que ele divida os direitos autorais com o ilustrador. Na verdade, varia de 8 a 12%, mas em média pagam 10%. A editora também embolsa uma taxa entre 10 e 15%. A maior fatia do bolo fica com a distribuição. Cerca de 50 a 55% do preço do livro são destinados para os distribuidores. Existe uma brincadeira no mercado que diz que quem ganha mais dinheiro com os livros é o dono da Kombi. Num país como o nosso, de dimensões continentais, a logística é a chave e o grande negócio. Os 20% restantes são destinados para o pagamento do custo de produção do livro. Para estimular a venda, as editoras têm como foco as escolas e não o varejo. Muitos livros que você pensa em comprar não estão nas livrarias. É muito mais interessante para as editoras vender os seus livros nas escolas do que espalhar pelas livrarias do país. Não compensa. Neste sentido, somente as grandes redes de livrarias recebem parte da produção das editoras. Todo o resto é voltado para as escolas.

Isso é bom ou ruim?
Guto Lins
– É a realidade. O problema é que, ao trabalhar desta forma, a maioria das editoras editam livros que agradam aos professores e às escolas. Acaba-se didatizando a literatura. Quando ela foca a venda na escola, que tipo de escola ela tem em mente: a da Zona Sul do Rio de Janeiro ou a escola rural do Pará? O risco de didatizar e de nivelar por baixo é muito grande. Pelo que tenho visto, o Brasil, por exemplo, é o único lugar do mundo em que o livro vem com uma bula. Ele é acompanhado por uma cartilha de instruções que traz dicas para o professor trabalhar o livro em sala de aula. Aqui no Brasil também pouco se vê o livro infantil sem texto. Num livro sem texto quem constrói a interpretação é o leitor. Em uma sala de aula, um livro sem texto vai produzir diferentes interpretações. Como o professor vai trabalhar com todas estas interpretações num tempo de aula? Dá muito trabalho e muitas vezes os professores não estão preparados e nem tem tempo para isso. O que é uma pena. O professor trabalha muito e ganha pouco. É quase um sacerdócio.

O mercado de literatura infanto-juvenil é promissor?
Guto Lins
– Sem dúvida nenhuma. É um mercado que tem uma demanda muito reprimida. São milhões de leitores potenciais. A tendência é crescer sim, mas como qualquer mercado precisa de investimentos. As editoras sabem que se não fizerem novos leitores, a médio e a longo prazo, elas não terão compradores, consumidores. Não adiantará fazer o melhor livro do mundo pois não haverá comprador. Não tem escapatória. As editoras têm que criar leitores para conseguir vender livros, para conseguir abaixar os custos, para conseguir competir no mercado, caso contrário elas vão quebrar.

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