A experiência de (re)descobrir o cinema

Confira o projeto realizado no ano passado pelo 4º ano do Ensino Fundamental da Escola Sá Pereira.



Por Marcus Tavares

Volta e meia o cinema é objeto de estudo das escolas de Educação Básica. Conhecer a história, a influência e as características da sétima arte sempre atraem crianças e jovens, rendendo interessantes projetos interdisciplinares que aguçam a criatividade de alunos e professores. Que o diga a turma do 5º ano do Ensino Fundamental da Escola Sá Pereira, no Rio de Janeiro. No ano passado, os estudantes fizeram uma incursão pelo mundo do cinema. Da invenção às técnicas, os alunos também descobriram a importância da luz na formação da imagem, bem como as características do olho humano, exercitando a imaginação, a escrita e a leitura.

“O nosso ponto de partida foi exatamente o livro Como fazíamos sem, de Bárbara Soalheiro. Partimos dele para refletir com as crianças como era a vida sem tantos objetos. Pensando na necessidade do homem em se comunicar através das imagens, desde os tempos da pré-história, elegemos, dentre tantas possibilidades, a história do cinema. A nossa ideia era fomentar o desejo e a curiosidade pela linguagem cinematográfica, trazendo reflexões sobre o predomínio da imagem, desde o aparecimento da fotografia até a invenção do cinema”, explica a coordenadora pedagógica Rita de Oliveira.

A proposta de resgatar a história do cinema estava ligada ao projeto que a escola havia escolhido para desenvolver no ano passado: O Bicho Inventor. Ao final de cada ano, o corpo docente da Sá Pereira se reúne, discute e define qual tema será trabalhado no ano seguinte por todos os segmentos de ensino. Dinâmica que conta também com a participação efetiva dos responsáveis dos estudantes. Não se trata de uma decisão unilateral da escola. Os pais são convidados a dialogar e a opinar.  Inclusive, são eles que criam o samba-enredo que a escola coloca na rua, todos os anos, como primeiro movimento de apresentar à comunidade escolar o assunto que será pesquisado e aprofundado durante o ano letivo. Em 2012, o samba vencedor, O Carnaval das Invenções, foi de autoria do pai Leo Tucherman.

Com o bloco na rua, o projeto deslancha. Tudo devidamente documentado nos cadernos dos alunos, uma espécie de diário de bordo em que eles registram o que vivenciam. Envolvidos com o estudo sobre a cinematografia, as crianças se inspiraram em diferentes filmes para personalizar as capas dos cadernos. As aventuras de Tintin foi retratado pela menina Lia Buarque de Holanda Baltar na capa de seu caderno. Recheados de fotos e ilustrações, os cadernos das crianças foram reunindo também muitos, muitos textos, onde os estudantes exercitavam a criação de roteiros e personagens.

As atividades

Para dar conta disso tudo, Lia e sua turma participaram de diversas atividades ao longo do ano. Para começar, assistiram ao filme A Invenção de Hugo Cabret, leram o capítulo O Bicho Inventor, do livro História das Invenções, de Monteiro Lobato. Saíram da escola e foram visitar a exposição que estava em cartaz, na época, Chaplin e sua Imagem. A programação levou o grupo a pesquisar sobre a origem das imagens. Chegaram à fotografia. Voltaram ainda mais no tempo e chegaram ao praxinoscópio, às projeções do fenacistoscópio, à câmera escura. Refletindo sobre a necessidade de o homem registrar suas histórias e façanhas, chegaram às artes rupestres.

A partir dos suportes, construíram uma espécie de árvore genealógica de inventores relacionados à imagem: de Da Vinci a Thomas Edison. De Joseph Nicéphore Niepce a Louis-Jacques Daguerre. De Muybridge aos irmãos Lumière, que se fossem vivos receberiam aplausos dos meninos e meninas.

“Irmaõs Lumière, vocês nem imaginam a maravilha que é o cinema hoje em dia. Se não fossem vocês nunca as pessoas iriam ver a beleza que é o cinema. Hoje em dia o cinema mudou muito, hoje não precisa tirar foto rapidamente, é só filmar e pronto. Sabia que existem filmes em 3D? Uma pena que vocês não estejam aqui para ver”, escreveu o aluno Artur Melo, em seu caderno.

“Tínhamos em mente também apresentar o trajeto e o impacto causado por essa nova tecnologia que era o cinema. Assim como conhecer um pouco mais da linguagem que registra, em som e imagem, acontecimentos que integram povos e territórios e é um valioso instrumento de comunicação, transformação e discussão”, explica Rita.

Não foi à toa, que os estudantes discutiram o poder e a influência da imagem, bem como a importância do som, da música e da cor nos filmes. Da sala de aula, eles visitaram o Labo Cine, empresa carioca especializada em copiar, restaurar, revelar e produzir efeitos especiais em curtas e longas. A atividade fez ponte com o cinema nacional. A turma conheceu um pouco da história da cinematografia brasileira: fases, número de salas, equipamentos e filmes famosos. Tiveram acesso também a produções nacionais voltadas para as crianças, como o filme O Cavalinho Azul, de 1984, de Eduardo Escorel, baseado na peça homônima de Maria Clara Machado. Viram o filme depois de ter lido o livro, o que possibilitou a interface entre literatura e o cinema.

Interface que também chegou à Feira Moderna, evento anual da instituição que busca exercitar com e entre os alunos experimentos e descobertas na área da ciência.  A turma decidiu pesquisar alguns conceitos da física óptica, como a importância da luz na formação da imagem.

“O estudo da óptica ampliou a percepção das crianças em relação ao desenvolvimento da invenção do cinema. Na verdade, todo este tema surgiu depois que tivemos uma palestra de uma oftalmologista em nossa escola. Ela mostrou aos estudantes como o olho humano funciona. Foi bem legal. A Feira Moderna reuniu então essas descobertas. Além disso, em parceria com as aulas de arte, os estudantes também construíram brinquedos ópticos, aprendendo mais propriedades e características da luz”, conta Rita.

Integração escola/comunidade

A coordenadora explica que o processo de produção do projeto, cercado de muita pesquisa e estudo por parte dos professores e da coordenação pedagógica, se dá no cotidiano, no próprio processo, onde uma atividade puxa outra. O que orienta, na verdade, é o que a comunidade escolar vai sinalizando, apresentando, trazendo. Neste sentido, alguns conteúdos são privilegiados. “São escolhas que fazemos”, enfatiza Rita.

Tarefa fácil? Absolutamente. É um trabalho, muitas vezes, bem cansativo, no sentido de que as ações têm de fazer sentido, têm de ser instigantes, com o objetivo de constituir conhecimentos e valores nos alunos. Que o digam as professoras que ficaram à frente de todas as atividades: Bianca Oliveira Fernandez, Denise Barros de Abreu Morais e Elenilde Viegas.

Segundo elas, a prática diária exige dedicação e comprometimento da equipe da escola. O que é enriquecido, e muito, destaca Rita, pela presença ativa dos pais. “Como conhecem o projeto desde o ano anterior e acompanham cada passo que damos por meio do informativo da escola, produzido e distribuído toda semana, e do fórum dos pais, no site da instituição, eles sugerem atividades. A ida ao Labo Cine foi indicação de um pai de aluno que trabalha lá. A palestra da oftalmologista foi feita por uma mãe de um ex-aluno. Contamos ainda com a presença do animador Marcos Magalhães, do Anima Mundi, pai de dois estudantes nossos, que fez uma palestra sobre animação. Essa integração é muito importante”.

Integração que, na visão dos pais, faz muita, muita diferença. Para Wladimir Weltman, pai do aluno Francisco Weltman, a parceria é uma maneira de os responsáveis estarem presentes na educação dos filhos. “Os pais participam ao longo de todo o ano. A escola sempre coloca os responsáveis a par das atividades, dos projetos. Para os alunos é bem bacana. Eles se sentem seguros. Sabem que podem contar conosco para qualquer problema na escola, que está sempre aberta ao diálogo. Isso é muito bom. Isso dá segurança para os estudantes, para nós, pais, e para a própria escola, que se sente apoiada. Todo mundo está neste processo. Uma coisa normal para os nossos filhos, o que não acontecia na minha época”, opina.

Para finalizar o projeto, a garotada ainda visitou o Instituto Moreira Salles para conferir a exposição William Kentridge: Fortuna, que apresentou obras do artista sul-africano, que transitam pelo universo do cinema, escultura, gravura e performances.

“A linguagem cinematográfica trouxe informações significativas sobre a importância da imagem e fomentou discussões, pesquisas, aprendizados e o desejo de querer saber mais. Os filmes e a literatura tiveram um destaque especial em nossas tardes. Nossos pequenos autores mostraram-se grandes leitores! Com suas muitas ideias criaram histórias, brincaram com a imaginação! Assim, chegamos ao fim e aqui compartilhamos um pouco do nosso roteiro de trabalho e esperamos ter contribuído para que estes queridos meninos e meninas inventem, cada vez mais, novas cenas em suas vidas”, destaca o relatório do projeto, disponível no site da escola.

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