Por Rolf Kuntz
Jornalista
Educação é um dos assuntos menos valorizados na imprensa brasileira e isso foi comprovado, mais uma vez, na primeira semana de julho. Sobram motivos para cuidar do assunto, mas, na falta de qualquer outro, bastaria a importância econômica desse fator para justificar uma atenção maior.
Neste ano, haverá de novo escassez de mão de obra qualificada, segundo os economistas da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Eles insistem nesse tema há alguns anos e já apontaram até uma questão mais grave e até assustadora: a escassez de trabalhadores meramente qualificáveis, isto é, em condições de receber treinamento na empresa. Também sobraram, no começo do mês, oportunidades para tratar do tema – desperdiçadas ou ignoradas na maior parte das publicações. As exceções foram o jornal Valor e a revista Veja.
O Senado aprovou na terça-feira (2/7) a aplicação de 75% dos royalties do petróleo na educação e de 25% na saúde. A presidente Dilma Rousseff havia proposto 100% para o setor educacional, mas estaria disposta a aceitar a fórmula aprovada pelos senadores, segundo informaram os jornais no dia seguinte. Também na quarta-feira (3), um enorme volume de informações sobre o panorama educacional em dezenas de países foi divulgado pela OCDE, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. Esse clube é formado por 34 países. São desenvolvidos, na maior parte, e alguns emergentes. O relatório apresentou novas estatísticas do grupo e de alguns países de fora, incluído o Brasil. Sem mais nada, esse documento já renderia uma bela matéria. Mas a maior parte dos pauteiros e editores deveria estar muito ocupada para se interessar pelo assunto.
Padrões de qualidade
Um pouco mais de atenção teria valido a pena. Com a decisão do Senado, as manifestações de rua (houve cobranças de melhores política para educação e saúde) e os novos números da OCDE, a imprensa poderia ter apresentado um material suculento e relevante. Afinal, a deficiência educacional é uma das principais desvantagens do Brasil diante dos concorrentes estrangeiros. É no mínimo tão importante quanto os transportes e a tributação. Além disso, um detalhe muito especial deveria ter chamado a atenção de mais jornalistas, se fossem mais atentos a certas peculiaridades da economia brasileira: por que a indústria, apesar do baixo nível de atividade, tem demitido tão poucos trabalhadores?
O alto custo das demissões é só uma parte da resposta. A falta de mão de obra de qualidade também é parte da explicação, como o pessoal da CNI já indicou mais de uma vez. Se o setor voltar a crescer de forma significativa, quem tiver demitido o pessoal mais preparado terá de enfrentar uma dura competição para preencher os quadros. Em outras palavras, o baixo desemprego no Brasil é explicável, em parte, por uma deficiência do país, embora seja apresentado pelo governo como indício de uma situação privilegiada.
Outros fatores, como as mudanças demográficas, também são relevantes para explicar a situação do emprego, mas, no caso da indústria, a qualidade da mão de obra tem importância especial. Em países com melhores padrões educacionais, empresas podem demitir e recontratar pessoal muito mais facilmente, porque a oferta de mão de obra com boa escolaridade é muito maior
Boa formação
O diário Valor distinguiu-se na edição de quinta-feira (4/7) pela página dedicada ao material da OCDE, enriquecido com entrevistas de estudiosos brasileiros de questões educacionais. Além de confrontar e destrinchar dados estatísticos, a matéria apresentou uma bela análise qualitativa da educação brasileira. De modo geral, o texto confirmou as opiniões negativas sobre as prioridades da política educacional – pouca atenção das autoridades aos níveis fundamental e médio – e a respeito da qualidade do ensino. Reforçou, além disso, um argumento há muito tempo sustentado pelos críticos mais atentos: mais dinheiro para a educação pode ser importante, mas boa gestão e boas escolhas poderiam proporcionar resultados muito melhores com os recursos já disponíveis. Fala-se muito sobre dinheiro, em Brasília, e quase nada sobre a eficiência na definição dos objetivos e na execução dos programas.
Além do mais, o material da OCDE proporciona uma excelente oportunidade para comparações internacionais com base nos dados mais novos. Autoridades brasileiras costumam confrontar dados nacionais de diferentes momentos para mostrar a evolução estatística do quadro educacional. Raramente cuidam de comparar os dados brasileiros com os de outros países, como se isso fosse irrelevante ou até injusto.
Mesmo quando comentam o desempenho de estudantes brasileiros em provas internacionais, procuram ressaltar a melhora da classificação, embora os representantes do país continuem quase no fim da fila. Em suma, gostam de comparar o Brasil com o Brasil, esquecendo um detalhe vitalmente importante: no mercado global, o Brasil tem de competir com outros países, justamente aqueles com políticas educacionais mais inteligentes e mais eficazes.
No fim de semana, a Veja saiu com duas páginas sobre os números da OCDE e a política brasileira. A maior parte da imprensa continuou longe do assunto. Tudo bem, o desastre do Grupo X, um dos grandes temas da semana, ainda renderia bom material, assim como os esforços da presidente para salvar sua proposta de plebiscito. Mas as grandes questões de longo prazo valem um pouco mais de atenção. Educação é uma dessas questões. Não se prepara uma geração tão facilmente quanto se constrói uma rodovia. Mas uma boa formação ajudará, em alguns anos, a construir estradas muito melhores e a produzir bens de qualidade superior para ser transportados por esses caminhos.