Carta de Ouro Preto

Documento assinado por integrantes da Rede Kino aponta para a urgência de políticas públicas de audiovisual para crianças e adolescentes.

(fotos da mostra: Universo Produção)

Por Marcus Tavares

Na noite do dia 17 de junho, os integrantes da Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual (Rede Kino), que participaram do V Fórum da Rede Kino, realizado durante a 8º Mostra de Cinema de Ouro Preto, a exemplo dos anos anteriores, divulgaram a Carta de Ouro Preto (leia abaixo), que, em linhas gerais, aponta para a urgência de políticas públicas de audiovisual para crianças e adolescentes.

História

De acordo com a atual coordenadora da Rede Kino, professora Adriana Fresquet, da UFRJ, o projeto da rede foi criado em 2008, por iniciativa da professora Inês Teixeira, da UFMG. Desde então, a rede tem como meta reunir, virtualmente e presencialmente, iniciativas universitárias, escolares e do terceiro setor na área de cinema e educação do Brasil e da América Latina.

“Neste sentido, a Rede Kino quer se estabelecer como um espaço plural das diferenças. Não queremos moldar um discurso, um modo de entender o cinema, uma teoria, um enunciado ou do fazer audiovisual. Nossa marca é do encontro, do diverso, do incompleto e do inacabado, onde aprendemos, ensinamos e dialogamos. Nossa ideia é promover diálogos que sirvam de parâmetros e pontos de partida para inspirar exercícios, projetos, estudos e ações”, explica a professora.

Segundo Fresquet, a Rede Kino quer, portanto, contribuir para “este momento histórico em que se observa a necessidade de se reinventar a escola”. De transformar uma escola que ainda investe e aposta na transmissão, repetição e reprodução do conhecimento.

No encontro deste ano, professores, pesquisadores e estudantes apresentaram diferentes ações e projetos na relação cinema e educação. O evento contou, inclusive, com participantes do Chile, Argentina, Equador e Colômbia. O chileno Ignacio Agüero, diretor do documentário Cem crianças esperando um trem, exibiu, debateu e descobriu que a obra inspirou, na Argentina, o desenvolvimento de alguns projetos educativos. “É desse diálogo que estou falando, desta possibilidade de trocas e experiências que a rede pode e quer fomentar”, frisa Fresquet.

Carta de Ouro Preto 2013

Os integrantes da Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual – Rede Kino, presentes na 8ª Mostra de Cinema de Ouro Preto – Cineop, de 12 a 17 de junho de 2013, ocasião em que realizamos o V Fórum, reafirmamos a educação como um direito e enfatizamos a necessidade de articulação da educação com a criação cinematográfica e demais linguagens audiovisuais, por meio de práticas que ampliem as possibilidades de acesso à diversidade da produção de todas as regiões do Brasil e América Latina objetivando aprofundar a experiência cinematográfica e audiovisual dos estudantes de escolas públicas, em especial crianças e jovens.

A educação nos fala de futuro e a preservação daquilo que tem a ver com o passado. Acreditamos na possibilidade de conhecimento do futuro a partir da memória que parece derivar da capacidade poética/política de estabelecer um vínculo que ilumina ambos os termos, encurtando sua distância. Algo assim como a superposição de duas temporalidades. Ouvimos o som de um trem que já chegou, mas que vem chegando.

Neste V Fórum, procuramos encurtar algumas distancias entre as temporalidades que remontam aos tempos de chumbo, mas também a tempos de flores, de iniciação de projetos audiovisuais em escolas, universidades, ONGs, comunidades, aldeias indígenas, instituições socioeducativas,  asilos, hospitais, orfanatos e casas geriátricas… como gesto político e poético de justiça social dirigidas a refletir hoje. Por isso, neste ano, colocamos em diálogo algumas páginas das memórias de infâncias durante a época da ditadura com o que isto constitui como potencia de invenção de um outro tempo.

E o que é a educação senão uma presentificação do passado e do futuro? O vazio que existe entre esse amanhã e hoje é o lugar que nos ocupa, onde nossa capacidade de memória e invenção precisa desafiar a incompletude, sempre convite para o fazer da educação e das artes. Reduzimos também a distancia dos espaços entre os povos brasileiros, argentinos, chilenos, equatorianos, colombianos… Começamos a visualizar a materialidade da rede Latino Americana de Educação, Cinema e Audiovisual.

Escolher populações em situações de risco, aldeias e projetos sociais para promover experiências audiovisuais na América Latina foi o objetivo das várias mesas, nas quais compartilhamos a realização de projetos educacionais e demos visibilidade a potencia do gesto criativo quando se produz o encontro de uma criança, um professor (também criança) com o cinema. Estas experiências de longa data nos permitem identificar a força revolucionária e de resistência que há nas ações/coisas/vivências do passado. Elas parecem cristalizar ou revelar uma energia que vira pelo avesso os modos esgotados de ser, estar e fazer.

Neste ano o Ministério de Educação e o Ministério de Cultura estabeleceram um primeiro diálogo na tentativa de criar um espaço de interlocução que possa se abrir à interação com as ideias e projetos do público, fundamentalmente composto por cineastas, preservadores, arquivistas educadores e pesquisadores de cinema e educação visando políticas públicas.

Identificamos a urgência de políticas públicas de audiovisual orientadas para os realizadores interessados em produzir especificamente para crianças e adolescentes. Dessas políticas precisam surgir produções que respeitem, acompanhem e contribuam na formação estética, social, afetiva, intelectual e ética dos estudantes.

Afirmamos também a necessidade de incluir a participação direta da área de Educação nas discussões sobre produção e distribuição de cinema e audiovisual no país. Por isso, gostaríamos de apresentar algumas propostas para contribuir com a discussão.

Estreitar o vínculo entre as políticas de incentivo à produção de cinema no país e a difusão dessa produção nas escolas públicas. Deve-se instituir nos editais que os filmes financiados diretamente ou através de renúncia fiscal tenham cópia disponibilizada para todas as escolas públicas do país, em plataforma específica e adequada à infraestrutura tecnológica de todas as regiões. Essa produção precisa integrar tecnologias assistivas, como audiodescrição e legendagem em português e LIBRAS.

Esperamos que a CAPES inclua em sua política de formação inicial e continuada de professores estratégias e cursos especificamente voltados para a formação estética audiovisual e para o acesso ao cinema.

Propomos, também, a composição de um grupo técnico de assessoramento à elaboração de políticas públicas de audiovisual para a infância e adolescência. Sugerimos o estabelecimento de parcerias entre a Secretaria do Audiovisual (SAv) do Ministério da Cultura (MinC), Ministério da Educação e representantes de outros ministérios interessados, como um primeiro passo para o desenvolvimento de um plano de ação para todos os níveis de ensino.

Criar e fomentar um portal na internet de referência e compartilhamento sobre o audiovisual brasileiro para todos os níveis de ensino. Portal que reúna o mercado, os pesquisadores e consumidores.

Incentivar, promover e apoiar junto a mostras, festivais e fóruns a criação e continuidade de programas e oficinas sobre questões artísticas e técnicas, promovendo com isso, inclusive, a aproximação do público com criadores, produtores e diretores de filmes.

Desenvolver acordos internacionais de intercâmbio de formação e especialização na área profissional de produção audiovisual com e para estudantes.

Criar espaços municipais, estaduais e federais voltados prioritariamente para a exibição do cinema infanto-juvenil.

Viabilizar a produção de conteúdos audiovisuais por estudantes de escolas públicas de todo país, por meio da criação de editais e de novos Pontos de Cultura específicos para este fim, com a possibilidade de suas produções serem vinculadas na televisão pública.

Produzir e apoiar projetos de cineclubes escolares.

Promover mostras e festivais de curtas escolares.

Incentivar e fomentar a produção de documentários sobre, para e com estudantes (crianças, adolescentes e adultos) dentro e fora da escola.

Criação de um selo, a exemplo do Prêmio de Qualidade da ANCINE, para as iniciativas de produção e de difusão de conteúdo de qualidade para infância e juventude do país.

Agradecemos à Cineop como um dos fóruns nacionais dos encontros da Rede Kino para discussão, compartilhamento de experiências e encaminhamento de ações conjuntas nos âmbitos das relações entre cinema, educação e cultura.

Ouro Preto, 17 de junho de 2013.
Rede Kino

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