Educação: o que eu quero para minha cidade? Este é o slogan da campanha da revistapontocom. Conheça a proposta e participe. Abaixo, você confere a entrevista concedida pelo presidente do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro (Sinpro), Wanderley Quêdo.
As entrevistas aqui publicadas não traduzem a opinião da revistapontocom. Sua publicação obedece ao propósito de promover o debate da política pública municipal de educação, no Brasil, com ênfase no Rio de Janeiro, e de refletir as diversas tendências de pensamento. O espaço está aberto a todos os interessados em se manifestar.
Por Marcus Tavares
“Por mais que esta secretaria possa ser creditada como uma gestão exitosa, muito organizada e extremamente qualificada tecnicamente, no meu entender, ela não cumpre sua função social nem respeita a comunidade, os anseios dos professores. Se não houver uma educação libertadora para que você possa realmente transformar as mentalidades, numa disputa com o capital, a mídia e a violência, a juventude estará reproduzindo o quadro que já existe. Vamos precisar cada vez mais de UPPs e presídios”, analisa o presidente do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro (Sinpro-Rio), Wanderley Quêdo.
Professor de História, Quêdo diz que a sociedade carioca, brasileira, está entorpecida com os grandes eventos que a cidade do Rio vai sediar, o que vem contribuindo ainda mais para que ela não preste atenção nos grandes problemas históricos do dia a dia, como a Educação.
Em entrevista à revistapontocom, o diretor faz uma análise da história da política pública de ensino do Rio, critica a atual gestão e destaca que os professores da rede encontram-se reféns da mídia, do consumo e da política de avaliação.
Acompanhe:
revistapontocom – Como o senhor avalia a gestão da secretaria municipal de Educação do Rio?
Wanderley Quêdo – A atual política pública na área da Educação do município do Rio deixa a desejar. Ela esta aquém das possibilidades do município. A nossa grande luta sempre será pelo cumprimento da legislação que estabelece a aplicação dos 25% na Educação, o que não vem sendo feito pela administração. Com relação aos recursos que são investidos, consideramos equivocados, pois eles têm sido aplicados em projetos que não têm como foco um resultado universal, como deve ser pensada e elaborada uma política pública. Muitos destes projetos visam a resultados isolados e parciais e que, portanto, não atendem a necessidade do conjunto da população que usa e precisa do atendimento educacional público. Por mais que esses projetos alcancem alguns índices satisfatórios, eles só atendem 50, 100 escolas, de um total de cerca de mil. Estas não são as minhas expectativas nem de grandes educadores. Não se justifica. O uso que a atual gestão da secretaria municipal de Educação faz também das avaliações preocupa. O Ideb, por exemplo, deveria ser usado como elemento norteador, de referência, para questões estratégias ligadas ao conjunto de todas as escolas e não para punir uma escola com ostracismo, esquecimento e não investimento e com premiação outra unidade escolar. Às vezes, o fracasso no Ideb de uma determinada escola significa uma grande vitória no contexto no qual a escola está inserida. Ela conseguiu funcionar, abrir durante todo o período, mesmo estando localizada num local de difícil acesso e marcado pela violência. Estatísticas são coisas perigosas. Por meio dos números, você pode fazer qualquer discurso. Do lado dos recursos humanos, há uma evidente precarização dos profissionais. A presença das Organizações Sociais (OS), fundações e instituições tira o professor da pauta, de ser um dos elementos indispensáveis da e na escola. Tudo isso mostra o perfil da aposta política da atual administração, diferente de uma aposta na educação libertária, que eu concebo e defendo, na educação democrática coletiva para o bem comum. Por mais que esta secretaria possa ser creditada como uma gestão exitosa, muito organizada e extremamente qualificada tecnicamente, no meu entender, ela não cumpre com sua função social nem respeita a comunidade, os anseios dos professores. Se não houver uma educação libertadora para que você possa realmente transformar as mentalidades, numa disputa com o capital, a mídia e a violência, a juventude estará reproduzindo o quadro que já existe. Vamos precisar cada vez mais de UPPs e presídios.
revistapontocom – A avaliação do senhor é que a política pública de Educação no município do Rio piorou nos últimos anos?
Wanderley Quêdo – Não acho que piorou. Acho que continua na mesma perspectiva. A visão é de cima para baixo, uma visão que não é de uma democracia participativa. Aliás, nunca foi. Já tivemos, digamos assim, alguns lapsos na tentativa de uma educação para todos. Mas, nas últimas gestões, a perspectiva neoliberal contribuiu negativamente. Temos uma estrutura administrativa muito bem organizada, mas que socialmente deixa a desejar. Não podemos reduzir a política pública educacional ao fato de saber ler, escrever e aprender uma profissão. São perspectivas e metas erradas. Por mais que a política faça isso, melhore as notas do Ideb, mantenha as escolas limpas e bonitas, melhore a merenda, introduza o horário integral, nesta perspectiva simplória, jamais conseguiremos transformar a sociedade.
revistapontocom – Qual é o maior desafio hoje do professor da rede municipal do Rio?
Wanderley Quêdo – Manter-se vivo e dentro de sua ocupação de formação, pois a maioria das pessoas acaba desistindo de sua profissão e vai se aventurar em outras atividades. De acordo com o IBGE, somente 30% dos professores, depois de 10 anos de carreira, continuam na profissão. Outro desafio é enfrentar, diariamente, o poder que o capital possui junto a crianças e jovens. É difícil, numa sala de aula, disputar a atenção. As meninas estão vestidas de Barbie, com todos os seus acessórios cor-de-rosa. E os meninos de Ben 10. A Barbie é uma princesa de aspecto narcísico extremo, consumista e hedonista. Não trabalha, tem um corpo que ninguém tem ou vai ter e consome o tempo todo. E dentro desta lógica que vive a menina da Zona Sul ou de Campo Grande. Já o Ben 10 é o menino que tudo pode, que se transforma em dez monstros para conseguir o que quer. Como o professor vai estabelecer um ambiente solidário, de respeito e união, se temos diante da sala um bando de princesas e Ben 10, totalmente narcísicos e consumistas? Soma-se a isto a linguagem da escola, distante da linguagem da mídia, dos games, da velocidade, onde tudo é digital e instantâneo.
revistapontocom – Como mudar este cenário?
Wanderley Quêdo – Por meio de uma transformação, de uma democracia participativa. Por meio de um novo currículo e ensino que estimulem o debate, a reflexão e a formação humanística em geral. Enquanto isso não mudar, vamos continuar educando nossas crianças e adolescentes para não criticar, pensar e refletir.
revistapontocom – O carioca está atento a esta necessidade, à política de educação da cidade?
Wanderley Quêdo – O carioca, assim como todo brasileiro, está entorpecido, sendo levado ao êxtase do espetáculo dos grandes eventos, como a Copa do Mundo e a Olimpíada. Minha grande preocupação é o pós 2016. O que será desta cidade, deste país? As expectativas que as pessoas estão depositando na possibilidade de transformação e de felicidade nos eventos que virão não se justificam e não se justificarão com os resultados. A educação, infelizmente, não é prioridade.