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“Governo quer uma geração que não critique, identifique e intervenha”

Diretora do Sepe-Rio, Susana Gutierrez critica a política pública de educação do Rio.

Educação: o que eu quero para minha cidade? Este é o slogan da campanha da revistapontocomConheça a proposta e participe. Abaixo, você confere a entrevista concedida pela professora e diretora do Sepe-Rio, Susana Gutierrez.

As entrevistas aqui publicadas não traduzem a opinião da revistapontocom. Sua publicação obedece ao propósito de promover o debate da política pública municipal de educação, no Brasil, com ênfase no Rio de Janeiro, e de refletir as diversas tendências de pensamento. O espaço está aberto a todos os interessados em se manifestar.



Por Marcus Tavares

Nos últimos 20 anos, vimos acontecer, na Prefeitura do Rio, um processo de implantação de uma lógica neoliberal na política pública de Educação, marcado pelo início de uma série de ataques e retiradas de direitos, não só de professores, mas também de alunos. As políticas desenvolvidas não foram pautadas com o objetivo de resolver o problema da escola pública. Pelo contrário”. As críticas são feitas pela professora da rede municipal de Ensino do Rio e diretora do Sepe-Rio, Susana Gutierrez. Em entrevista à revistapontocom, ela faz uma análise histórica da política pública de educação do Rio.

Segundo ela, pouca coisa melhorou nos últimos vinte anos na pasta da Educação. De acordo com Susana, o cenário piorou com a atual gestão do prefeito Eduardo Paes. Ela denuncia que não são aplicados os 25% dos impostos na Educação, como determina a legislação. E mais ainda: o que é investido não é direcionado para as escolas, mas para instituições privadas.

Acompanhe:

revistapontocom – Como a senhora avalia a evolução histórica da educação municipal do Rio?
Susana Gutierrez – Nos últimos 20 anos, vimos acontecer, na Prefeitura do Rio, um processo de implantação de uma lógica neoliberal na política pública de Educação, marcado pelo início de uma série de ataques e retiradas de direitos, não só de professores, mas também de alunos.  As políticas desenvolvidas não foram pautadas com o objetivo de resolver o problema da escola pública. Pelo contrário. Os governos não respeitaram a regulamentação constitucional que estabelece a aplicação de 25% das verbas na Educação nem deram continuidade ao projeto de construção de escolas, num período em que houve uma entrada maior de alunos na rede. Soma-se a isto a desvalorização profissional da carreira, que foi acentuada na gestão do então prefeito Saturnino Braga, prosseguiu com Marcelo Alencar e intensificou-se com César Maia. No final da gestão de Saturnino, tivemos uma greve histórica dos professores, que durou cerca de seis meses. Ela começou no último ano de governo de Saturnino e continuou no início da gestão de Marcelo Alencar. Desde então, os professores começaram a ter um arrocho salarial conjugado com poucas condições de trabalho e turmas cada vez maiores. Com Cesar Maia, vivenciamos um discurso diferente da prática. Foi uma gestão, no âmbito da Educação, no período da secretária Regina de Assis, que teoricamente era progressista, com a Multieducação , mas não condizia com a realidade das escolas. Os professores eram chamados para alguns cursos, mas não podiam opinar, nem eram consultados sobre a política educacional. O avanço pedagógico não aconteceu porque na prática nada mudou. O governo não deu condições de trabalho. Faltavam professores e funcionários, as salas eram lotadas. Não existiam verbas. A Educação carecia de estrutura e uma série de materiais. Anos mais tarde, com a administração da secretária Carmem Moura, gestão do prefeito Conde, e da Sonia Mograbi, já no segundo e terceiro mandatos de Cesar Maia, há um aprofundamento maior da crise, com a implantação dos ciclos e da então chamada aprovação automática. O ciclo, na verdade, era uma defesa do movimento dos professores, mas a idéia de considerar os três primeiros anos como parte do processo de consolidação da alfabetização foi deturpada. Os ciclos foram aplicados não por uma questão metodológica, mas para iniciar o processo de aprovação automática, disfarçando os problemas da falta de investimento, do déficit de professores e funcionários, das péssimas condições de trabalho, ensino e aprendizagem.  A aprovação automática foi a forma que o governo encontrou para diminuir os índices da evasão escolar e dos maus resultados na aprendizagem. O sindicato sempre reivindicou que para o ciclo funcionar era necessária uma mudança na política governamental. Precisaríamos que a Prefeitura aplicasse mais verbas na educação, garantisse mais tempo para planejamento, condições de trabalho, redução do número de alunos, mais profissionais, autonomia pedagógica, equipes interdisciplinares. Nunca houve retorno. A discussão em torno do ciclo e da aprovação automática foi uma luta que marcou bastante a rede. Quase 90% das escolas participaram de paralisações. Conseguimos desmascarar a farsa desta política e o ataque que a aprovação automática significava para profissionais, alunos e toda a comunidade escolar. O debate foi tamanho que ultrapassou o muro da escola. Alcançou os pais e a sociedade, ao ponto de ter sido bandeira de todos os candidatos à Prefeitura do Rio nas eleições de 2008.

revistapontocom – E com a gestão do atual prefeito Eduardo Paes?
Susana Gutierrez – Na avaliação do sindicato, há uma aceleração da política de destruição da escola pública. Uma aceleração que se dá de forma perversa. Este cenário tem a ver com o contexto histórico. No momento em que o Eduardo Paes assume a Prefeitura do Rio, temos uma política neoliberal que anuncia a crise do capital, que certamente chegaria ao Brasil. Por conta disso, essa política defendia que empresários e banqueiros recebessem apoio dos governos de forma a minimizar prejuízos. Eram estas – e ainda são – as orientações do Banco Mundial. O que se faz então? O prefeito nomeia Claudia Costin para a secretaria de Educação, uma pessoa ligada à área econômica. Ex- secretária de Cultura do governo de Geraldo Alckmin, ela abriu as portas da secretaria para as parcerias públicas- privadas. Curiosamente uma pessoa ligada ao PSDB num governo do PMDB, num momento em que o partido estava em aliança com o PT. Claudia Costin inicia uma gestão de retirada de direitos e de autonomia de professores e escolas, uma gestão de abertura da administração pública para empresas e fundações privadas e organizações sociais, as chamadas OS. Essa abertura da administração pública para as OS, na área da Educação, só não foi maior, porque gritamos e lutamos muito. Elas entraram nas escolas, mas apenas no âmbito do reforço escolar e atuando nas creches.

revistapontoocom –  Mas, na prática, como foi feito isso?
Susana Gutierrez – Com a desculpa da aprovação automática do governo anterior que, de fato, levou a uma defasagem grande de idade série, a secretaria da vazão a uma série de projetos. De 2009 até hoje, temos mais de 90 projetos que são conduzidos por institutos privados que, hoje, na verdade, definem e mandam pedagogicamente das escolas. O Projeto Político Pedagógico das escolas foi totalmente ignorado. Essas instituições mandam apostilas que já trazem definido todo o trabalho que o professor tem que fazer. A autonomia do professor foi extinta: ele não precisa mais pensar e preparar a sua aula, de acordo com o contexto dos seus alunos. Instala-se nas escolas uma lógica empresarial. Os departamentos viraram gerências, os diretores, gestores. Uma lógica empresarial com foco na meritocracia. As escolas que atingem metas ganham mais. Isso é um grave problema. A Educação não pode ser encarada como uma fábrica. Não há como padronizar o que é um processo de aprendizagem. Não há como dizer, por meio de uma prova externa, que um aluno é melhor do que outro, que uma escola é melhor do que a outra. A avaliação é um processo contínuo e ninguém melhor do que o professor, de sala de aula, avaliar. O que acontece hoje é que temos uma padronização de provas externas que definem índices, metas, gerando uma desigualdade na rede, uma rede muito grande e que é influenciada, na prática, por questões econômicas, culturais e sociais. Com esta política, você nega o conhecimento ao aluno, já que estes projetos de correção de fluxo e aceleração do conhecimento trazem currículos mínimos para suprir o déficit de aprendizagem. Além disso tudo, os projetos mascaram a falta de professores da rede. Por exemplo, com a proposta do Projeto Travessia Experimental, os estudantes têm apenas um professor. Nos Ginásios Experimentais Cariocas, há um professor por área de conhecimento. Nas turmas do Projeto Autonomia, ligadas à Fundação Roberto Marinho, também há apenas um professor para dar conta de todas as disciplinas.

revistapontocom – Por que o sindicato entende a presença destas fundações de forma negativa?
Susana Gutierrez – Porque elas trazem um retrocesso do ponto de vista metodológico, de compreensão progressista. Essas fundações, que ditam a metodologia da rede, trazem de volta um sistema tradicional de ensino e de avaliação, que em muitos lugares já está totalmente defasado. Por exemplo, extingui-se a prioridade de envolver o cotidiano e o contexto dos alunos no letramento. Além disso, essas fundações e instituições levam parte da verba pública destinada à educação. A Prefeitura do Rio não aplica os 25% dos impostos na Educação. São apenas 17%. E o fato é que esses 17% não vão para a escola, vão para estas empresas, que nunca estiveram na escola, que não conhecem a realidade dos alunos, os problemas da cidade. O objetivo não é com o processo-ensino aprendizagem, não é garantir acesso e produção de conhecimento. Pelo contrário é uma aprovação automática disfarçada. Serve para enriquecer institutos e fundações privados e criar índices fictícios, mascarando os problemas.

revistapontocom – Por que não há uma ‘grita’ dos professores?
Susana Gutierrez – Porque a secretaria joga pesado com o sistema de meritocracia. Se não alcançarem as metas, não ganham o 14º salário, não ganham gratificações etc. Soma-se a isto um profundo ataque que acontece com a publicação de sucessivas resoluções, circulares e portarias que são editadas, retirando os direitos dos professores e colocando os profissionais contra a parede. A cada semana, somos surpreendidos com uma novidade. Quando estamos tentando resolver uma pendência, uma reivindicação, surge outro ataque. A implantação da meritocracia na educação tem sido uma política internacional. É uma formula que os governos encontraram para culpabilizar profissionais e impedir sua mobilização. Os profissionais ficam de pés e mãos atados. Por exemplo: o professor que não conseguir que todos os seus alunos tenham bons índices na avaliação, não alcançar a meta pré-estabelecida pela prefeitura ou não seguir a cartilha meritocrática pode ser transferido, pela direção, para outra escola. Nas entrelinhas, quem discorda do atual sistema pode até ser considerado “incapaz”, sendo encaminhado, para “capacitações” na Escola de Formação Paulo Freire, recém-criada pela secretaria. Coitado de nosso pensador. Essa escola seria muito interessante e representaria uma grande homenagem ao mestre, se não fosse voltado apenas para a capacitação de profissionais nas apostilas e dinâmicas das fundações. Em vez de termos uma educação libertadora, defendida por Freire, temos uma educação bancária. O governo quer uma geração que não tenha a capacidade de criticar, de identificar erros nem intervir em mudanças. Desta forma, é mais fácil ele se manter no poder.

revistapontocom – Quais são as perspectivas futuras?
Susana Gutierrez – Caso esta administração seja reeleita, temos a certeza que novos ataques virão. Dois deles com certeza: a mudança no sistema previdenciário, estabelecido pelo projeto de lei complementar número 41, no qual se quer desvincular o salário dos aposentados e pensionistas. Eles não teriam mais isonomia salarial com os da ativa. A integralidade também é retirada. Quem se aposentar receberá 80% da média aritmética dos 3 últimos salários, não mais o valor integral. O projeto continua em tramitação na câmara. E o segundo tem a ver com o plano de carreira. O que temos hoje é chamado de a ‘maldição da pirâmide’, nossa carreira é congelada depois de dez anos, não há mudança de nível. A atual secretaria já acenou que vai apresentar, neste segundo mandato, como se ele já estivesse ganho, um novo projeto. A lógica é que este novo plano esteja baseado em questões meritocráticas, como hoje acontece em São Paulo, onde os professores são submetidos a avaliações para mudar de nível e só podem participar das provas aqueles profissionais que cumprirem diversos quesitos, como número mínimo de faltas.

revistapontocom – Que medidas deveriam ser tomadas para reverter este quadro?
Susana Gutierrez – 1ª medida: o governo tem que aplicar os 25% na escola pública, não na iniciativa privada. 2ª medida: redução do quantitativo dos alunos na sala de aula. Não é possível que uma turma de 6º ano tenha quase 50 alunos. 3ª medida: é necessária uma valorização do salário do professor. 4ª medida: concurso público para professores, equipe interdisciplinar e funcionários. 5ª medida: direções democráticas. 6ª medida: recursos. No auge da tecnologia, a maioria dos profissionais usa mimeógrafo, pois as escolas não têm verba para comprar toner da máquina de fotocopiadora nem bolas e ou quadras de esporte, numa cidade que se diz olímpica.

revistapontocom – Tudo isso já foi colocado para o governo? Como anda o diálogo do Sepe com a secretaria municipal de Educação?
Susana Gutierrez – É a nossa pauta de reivindicações. Já entregamos três vezes esta pauta na secretaria. Raramente somos recebidos, o que é lamentável, afinal somos, de fato e de direito, representantes da classe dos profissionais de educação. Quando somos recebidos, somos atendidos pela sub-secretária Helena Bomeny. É uma relação complicada e bastante delicada. O que é lamentável para um governo que se diz democrático.

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