Educação: o que eu quero para minha cidade? Este é o slogan da campanha da revistapontocom.Conheça a proposta e participe. Abaixo, você confere as primeiras entrevistas publicadas pela campanha.
As entrevistas aqui publicadas não traduzem a opinião da revistapontocom. Sua publicação obedece ao propósito de promover o debate da política pública municipal de educação, no Brasil, com ênfase no Rio de Janeiro, e de refletir as diversas tendências de pensamento. O espaço está aberto a todos os interessados em se manifestar.
Por Marcus Tavares
A diretora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Rosana Glat, não titubeia ao ser perguntada qual é o maior desafio da política educacional do município do Rio de Janeiro: ensinar. Segundo ela, ainda há muitos alunos que saem da escola sem saber ler, escrever e ou contar. A professora reconhece que a Secretaria Municipal de Educação do Rio vem trabalhando no sentido de reverter o quadro, mas talvez não de uma forma pedagógica consistente.
“O que ouço de muitos professores da rede é que a Secretaria Municipal de Educação do Rio tem investido numa série de “pacotes” de apostilas que trazem textos já prontos e questões padronizadas, que objetivam a aprendizagem e a aceleração do ensino. Os professores se ressentem, pois, em vez de serem instigados a terem/desenvolverem uma iniciativa, são orientados a seguir e aplicar tais conteúdos destas apostilas, que muitas vezes não têm conexão com a realidade de seus estudantes. O objetivo é alcançar bons resultados nas avaliações externas às quais as escolas estão sendo submetidas, como a Prova Brasil. É uma boa estratégia? Sem dúvida, isso pode dar bons resultados, mas não passam de números, estatísticas. O foco é nas avaliações e não nos alunos”, destaca.
Em entrevista à revistapontocom, na sede da Faculdade de Educação da Uerj, Rosana faz uma análise da atual conjuntura.
Acompanhe:
revistapontocom – Como a senhora avalia a política educacional do município do Rio?
Rosana Glat – A rede municipal de escolas do Rio cresceu muito. Não tenho dúvidas de que a qualidade de ensino também melhorou. Não é ainda o padrão que nós desejamos, mas há uma qualidade. Fui membro do Conselho Municipal de Educação, durante a gestão da então secretária Sônia Mograbi. Foi durante este período que entendi o que era rede pública, sua estrutura e administração. Hoje, temos um acesso quase que universal às escolas. Existe uma discussão teórica, e não apenas empírica, tanto no nível da Administração Central quanto nas escolas da rede. Discussões que, sim, vêm se transformando de acordo com as posições político-ideológicas de seus dirigentes. Existe também um grande investimento na capacitação dos professores. Uma democratização da gestão. Por exemplo: os diretores das escolas são eleitos, o que não acontece em muitos municípios e estados brasileiros. Há uma participação da sociedade por meio do Conselho Escola Comunidade. Ou seja: quero dizer que a política educacional do município do Rio de Janeiro avançou, mas ainda temos muitos desafios pela frente. Um, que se apresenta fortemente, é a estrutura da rede. Temos uma rede imensa que, mesmo dividida por Coordenadorias Regionais de Educação (CREs), reúne uma diversidade muito grande de realidades e contextos socioeconômicos e culturais. Essa mega rede, de certa forma, dificulta a comunicação e a implementação das propostas. Há uma grande distância entre as políticas públicas geridas na Secretaria Municipal de Educação e o dia a dia do professor na escola. De uma forma geral, as CREs acabam trabalhando muito mais de forma burocrática e administrativa, não porque queiram, mas pela própria dinâmica do trabalho, do que numa linha pedagógica, de auxilio ao trabalho do professor. Posso estar generalizando, porém é o que ocorre. Seria preciso promover um trabalho pedagógico muito mais local, do que centralizado no âmbito da Secretaria Municipal de Educação. É preciso descentralizar as decisões e as discussões. Até que elas cheguem à base, se perderam. É necessário disponibilizar tempos e espaços para que os professores, na escola, troquem informações e experiências. Os diretores e coordenadores pedagógicos também precisariam deste espaço. Eles estão tão atarefados com questões administrativas, não têm tempo para discutir os problemas e os desafios pedagógicos, a reformulação dos currículos etc.
revistapontocom – Este diálogo entre o nível central da Secretaria Municipal de Educação e as escolas é o principal desafio da rede de escolas do Rio?
Rosana Glat – Um deles. O principal é, sem dúvida, o ensinar. Como fazer com que os alunos aprendam? Ainda temos muitos alunos que saem da escola sem saber ler, escrever e ou contar. A escola é o único instrumento que pode transformar a sociedade e a pessoa.
revistapontocom – Mas isto não vem sendo perseguido atualmente?
Rosana Glat – Sim, mas talvez não de uma forma pedagogicamente consistente. O que ouço de muitos professores da rede é que a Secretaria Municipal de Educação do Rio tem investido numa série de “pacotes” de apostilas que trazem textos já prontos e questões padronizadas, que objetivam a aprendizagem e a aceleração do ensino. Os professores se ressentem, pois, em vez de serem instigados a terem/desenvolverem uma iniciativa, são orientados a seguir e aplicar tais conteúdos destas apostilas, que muitas vezes não têm conexão com a realidade de seus estudantes. O objetivo é alcançar bons resultados nas avaliações externas às quais as escolas estão sendo submetidas, como a Prova Brasil. É uma boa estratégia? Sem dúvida, isso pode dar bons resultados, mas não passam de números, estatísticas. O foco é nas avaliações e não nos alunos. É claro que numa rede de mais de mil escolas, há aquelas em que o diretor orienta seus professores a dar continuidade às práticas que já realizavam, há aquelas que seguem a orientação do nível central e há aquelas que continuarão à margem, sem desenvolver nenhuma ação concreta neste sentido. Por não ter uma formação básica como educadora, mas, sim, uma gestora, a atual Secretária Municipal de Educação [Claudia Constin], aposta nestas avaliações, nestas estatísticas.
revistapontocom – Foi uma ruptura com a gestão anterior?
Rosana Glat – Foi uma mudança significativa. Hoje há um foco em grandes projetos e em estatísticas. Antes, nas duas gestões anteriores, sob a direção da então Secretária Sônia Mograbi, o foco estava numa proposta pedagógica mais individualizada, dentro da própria escola, fruto da elaboração do Núcleo Curricular Base – MultiEducação, produzido na época da Secretária Regina de Assis, que dava ampla margem para adaptações ao nível local. Acho que, de uma certa forma, fomos de um extremo ao outro.
revistapontocom – Há um consenso geral de que a educação deve ser prioridade em qualquer governo. E não faltam soluções e encaminhamentos para alcançar uma qualidade no ensino. Mas por que parece que pouco avançamos?
Rosana Glat – A educação não é prioridade. Há interesses econômicos que prevalecem e limitam as ações. Às vezes, a opção não é pedagógica e, sim, financeira. O Secretário de Educação também não trabalha sozinho, não tem total autonomia; ele pertence a um sistema de governo que não prioriza, quase sempre, a educação. Acho que as pessoas quando assumem seus cargos políticos acabam jogando o “bebê fora junto com a água suja do banho”. Poderia citar dois exemplos práticos no contexto da Secretaria Municipal de Ensino do Rio. O primeiro deles tem a ver com a área da Educação Especial. O Rio de Janeiro é um dos municípios, até mesmo por ter sido capital federal, que, nos últimos 20 anos, avançou muito nos debates sobre este tema. Nossa rede tinha uma característica marcada por uma gestão diferenciada no atendimento aos estudantes portadores de necessidades especiais. A cidade oferecia várias modalidades/opções de escolarização, como classes especiais e salas de recurso. No início da atual gestão, vimos um certo retrocesso no encaminhamento desta política. Por uma orientação também do MEC no sentido de promover a inclusão total destes estudantes às salas regulares, inicialmente houve uma política da SME de fechar as classes especiais e incluir todos os alunos. Não havia uma infraestrutura nem material nem de recursos humanos qualificados para dar conta desta política. O que aconteceu? Uma grande confusão, na qual vários pais de alunos acionaram o Ministério Público para terem resguardados seus direitos e de seus filhos por uma educação diferenciada. Houve então uma descontinuidade. Esse exemplo mostra também uma outra consideração, que é a profunda distância entre o sistema público de ensino e as universidades, que poderiam contribuir com o trabalho de implementação e avaliação da política pública. Ainda no caso da Educação Especial, uma das ações da Prefeitura foi a contratação de estagiários para acompanhar os alunos com necessidades especiais incluídos em turmas comuns. Não sei como foi a capacitação desses estagiários, mas muitos são alunos nossos nos primeiros períodos do Curso de Pedagogia, e pelo relato que fazem, muitos acabaram se transformando em “babás” dos alunos. O segundo exemplo se refere à Educação Infantil, que também me parece que ainda há muito para evoluir. Faltam vagas no segmento. Além disso, também há carência de profissionais capacitados. Em boa parte, as crianças são atendidas por pessoas que ocupam o cargo de agente auxiliar de creche, que não têm formação específica, embora haja, certamente, supervisão. Tem sido também apontado por especialistas da área que a atual gestão resgatou avaliações psicológicas, para serem trabalhadas na Educação Infantil, datadas da década de 70, que são alvo de grandes críticas. Mais uma vez digo: a Faculdade de Educação poderia oferecer formação para os professores e estabelecer debates sobre novos meios de avaliação, por exemplo. Isso poderia ser estabelecido por meio de convênios e parcerias, sem grandes custos. O sistema não aproveita e estreita laços neste sentido. No entanto, contrata profissionais da academia para projetos pontuais, sendo bem remunerados. Em vez de aproveitar os recursos das universidades, contrata empresas e ou ONGs. Não sou contra parcerias com o setor privado. Pelo contrário, mas é preciso deixar claro quem “dá as cartas”, quem “dita as regras” e quais são os encaminhamentos pedagógicos.
revistapontocom – Se essa parceria entre o sistema municipal de ensino e as universidades é tão rica e proveitosa como a senhora destaca, por que ela não acontece? Já aconteceu?
Rosana Glat – Oficialmente, que eu saiba não aconteceu. Não temos uma aliança institucional, uma parceria bem fundamentada. A aproximação acontece muito mais na figura individual de um pesquisador da academia que tem interesse em estudar/pesquisar algum objeto/projeto da Secretaria Municipal de Educação e que tem entrada na rede; não a nível institucional. E isso não acontece só em relação ao município do Rio de Janeiro. Acho que grande parte do sistema público de ensino tem certa desconfiança da universidade. Acha que a academia vai querer ditar as regras, dizer que tudo está errado e não trazer qualquer contribuição.
revistapontocom – Na luta pela educação pública de qualidade qual deve ser o papel da sociedade?
Rosana Glat – A sociedade deveria ser mais pró-ativa. Mas fazemos pouco neste sentido. Somos o país do carnaval. Ainda não temos, infelizmente, aquela noção de direito do consumidor. Não somos apenas consumidores de produtos industrializados, mas também, por exemplo, da educação pública. O professor é um funcionário público do cidadão que paga os impostos; é meu funcionário. É necessário ter esta consciência. Mas somos uma geração que veio da ditadura, que foi antecedida pela figura dos coronéis. Nestas eleições, a população deveria analisar e procurar conhecer mais os candidatos, olhar e acompanhar o que a mídia independente vem publicando, já que ela não está ligada a nenhuma grande corporação ou interesse político. E digo mais: pesquisar e conhecer não apenas os candidatos à Prefeitura, mas os candidatos à Câmara dos Vereadores. Não podemos esquecer que deste grupo sai a Comissão da Educação da Câmara, que vai legislar sobre o tema.
revistapontocom – Qual deve ser o perfil do próximo secretário(a) de educação do Rio?
Rosana Glat – Ele tem que ser educador, não precisa ser formado em Pedagogia, mas é necessário que esteja ligado à educação. Penso que é bom que seja alguém que seja oriundo da rede municipal ou que pelo menos conheça bem esta rede. Que seja alguém que, preferencialmente, não esteja ligado a nenhum partido político para que possa montar uma boa equipe, acima dos interesses partidários. Um indivíduo que tenha a capacidade e humildade de manter aquilo que está dando certo. Um secretário que seja capaz de imprimir sua marcar, sem destruir o que já foi construído. Mas também tem que ser uma pessoa ‘furona’, que tenha peso político e reconhecimento para lutar e dialogar com diferentes secretarias em favor da sua pasta. E que por fim faça bom uso do Conselho Municipal da Educação, que reúne representantes do poder público e da sociedade civil organizada.