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Criança e consumo. Uma relação sustentável?

Por Lais Fontenelle Pereira
Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-Rio
Coordenadora de Educação e Pesquisa do Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana

A infância atual está mercantilizada. A criança que nos circunda é precoce, pois foi elevada, pelo mercado, ao status de consumidora antes de estar apta ao exercício pleno de sua cidadania. Vivemos no tempo do hiperconsumo e da descartabilidade quando todos nós somos invadidos e bombardeados, pelos espaços que transitamos, por mensagens publicitárias persuasivas que nos convidam a consumir sem reflexão. Mensagens que nos vendem a idéia da realização de sonhos, de felicidade e de inclusão social através da posse de mercadorias. Nossas crianças não ficam fora dessa lógica. Elas são, desde cedo, incitadas a fazer parte da engrenagem do mercado e a forma como são olhadas e investidas simbolicamente pelos outros passa pela cultura do consumo.

Vitrines lotadas dos mais variados brinquedos, merchandising dentro da programação infantil e até de escolas, produtos licenciados apelativos e embalagens chamativas são apenas algumas técnicas de comunicação mercadológica utilizadas para atingir os pequenos. O grande problema está no fato de que as crianças são seres em desenvolvimento psíquico, afetivo e cognitivo e que a maioria delas, até os doze anos, ainda não tem a capacidade crítica e de abstração de pensamento para compreensão total do discurso persuasivo. Além disso, as crianças menores ainda confundem publicidade com conteúdo da programação e estão numa fase essencial de aprendizagem e formação de hábitos: alimentares, de consumo e sociabilidade. Vale então pensarmos quais hábitos e valores estamos ensinando às crianças contemporâneas? Hábitos consumistas e valores materialistas que priorizam o ter em detrimento do ser. O individual acima do coletivo. A competição ao invés da cooperação.

Atualmente a educação se mostra muitas vezes terceirizada – pais e educadores parecem ter sido desautorizados do seu saber. Uma nova pedagogia se instalou: a das mídias. As crianças brasileiras são as que mais assistem TV no mundo e segundo dados do IBOPE de 2008 passam em média 4 horas e 54 minutos do seu dia em frente às telas. Sendo assim, as mídias funcionam hoje como uma educação informal e têm o poder não só de entreter como o de informar e até educar. Mas, as mídias educam para o consumo e não para a cidadania.

A criança será, obviamente, em função do tempo em que vivemos uma consumidora no futuro, logo, além de protegê-la legalmente da comunicação mercadológica que lhes é dirigida, precisamos prepará-la para que seja uma cidadã e uma consumidora não só consciente como responsável. Isso é feito com Educação. Para tanto, devemos sempre nos lembrar que consumir, assim como educar, é um ato político. Precisamos começar a pensar sobre nossos próprios hábitos de consumo, além de educar nossas crianças para que tenham responsabilidade ao comprar. Crianças aprendem com modelos e por isso nosso discurso deve ser coerente com nossos atos.

Devemos parar e refletir. Antes de consumir temos que pensar nos impactos que o consumo individual gera na vida coletiva. Se vivenciamos hoje grandes catástrofes e problemas ambientais, tais como devastação de florestas, extinção de espécies animais, destruição dos solos, acúmulo de lixo em localidades urbanas e as mudanças climáticas é porque, além de não pensamos nas conseqüências de nossas atitudes, estamos permitindo que nossas crianças sejam educadas para um consumo desenfreado. Consumir pode significar extinguir e destruir, por isso não podemos deixar que nossos atos de consumo contribuam para a destruição do planeta. Os recursos são finitos e a forma como nos relacionamos com eles tem se mostrado insustentável.

A Educação é a principal ferramenta no processo maior de transformação social. Isto posto fica claro que pais e educadores devem cumprir a sua função social junto às crianças, pois têm diariamente a oportunidade de contribuir para a formação de agentes autônomos, criativos e críticos. O ponto central é que devemos trazer para a educação a reflexão a respeito do sentido e da responsabilidade do que consumimos. Essa é a base para uma educação voltada para o consumo responsável.

O problema da mercantilização da infância é urgente e não pode mais ficar restrito à esfera familiar, pois suas consequências têm impactos graves ligados à economia, à sociedade e ao meio ambiente. Crianças e adolescentes são prioridade absoluta em nossa Constituição Federal e devem ser protegidas, em sua fase de desenvolvimento, para que se tornem cidadãs críticas no futuro. Nossas crianças, como bem colocado pelo autor Neil Postman, são as mensagens que enviamos a um tempo que não veremos. Elas são o prefácio de um mundo melhor e têm nas mãos o poder de reinventar as relações de consumo para que essas sejam mais sustentáveis do que têm sido. As crianças de hoje podem salvar o planeta amanhã. Tudo depende da forma como as olhamos e educamos.

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Aldo Alexandre Marigonda
14 anos atrás

Parabéns pelo texto.

Vou levá-lo para discussão na escola que eu trabalho. Assim como outros materiais do Instituto Alana que estamos utilizando com pais, alunos e professores.

Esta discussão se soma a diversas outras relacionadas a criança, educação, consumo e tecnologia. A escola parece estar na pré-história quando comparada com o marketing infantil, porém ambos partilham das mesmas informações acadêmicas e pesquisas. Cabe a nós, sociedade, aprendermos com eles e mudarmos este quadro através de uma plano conjunto, algo que proteja nossas crianças sem lhes tirar as características que as fazem uma geração diferente das anteriores, uma geração nativa em tecnologia e acesso, mas por outro lado imatura.

Talvez minha visão seja mais um prova do conflito de gerações entre educadores e educandos. De qualquer forma é preciso mudar mesmo porquê, em suas palavras, “a Educação é a principal ferramenta no processo maior de transformação social”.

Acredito que na instituição em que trabalho, Grupo Educacional Trevo Master, temos estas preocupações. Nos sentimos quase sempre nadando contra a corrente, mas que um dia a corrente mudará a nosso favor.

Mais uma vez parabéns pelo texto.

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