A imprensa pós Rio+20

Jornalista e professor Wilson Bueno analisa a cobertura da imprensa.

Por Marcus Tavares

Capas de jornais e revistas. Entrevistas e debates. Vídeos, matérias especiais e muitos artigos. A Rio+20 ocupou boa parte do noticiário da imprensa brasileira há algumas semanas. E agora, o que ficou? Foi apenas mais um evento sobre meio ambiente divulgado? Em vinte anos, o Rio de Janeiro/Brasil foi sede de dois grandes encontros. De alguma forma, isso contribuiu para uma cobertura mais profunda sobre a ecologia no país?

A revistapontocom conversou com o jornalista Wilson Bueno. Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), Bueno vem estudando há alguns anos a interface jornalismo e meio ambiente. Segundo ele, a mídia precisa desempenhar um novo papel: “Mas essa que aí está parece não ter competência ou disposição para exercê-lo. Precisamos sacudi-la, reformulá-la e criarmos alternativas cidadãs em nome do país e do planeta que desejamos para as novas gerações”, destaca.

Acompanhe:

revistapontocom – Como o senhor avalia a cobertura da mídia sobre o meio ambiente?
Wilson Bueno – Embora a cobertura da temática ambiental tenha crescido significativamente nos últimos anos, ela ainda está refém de fatos espetaculares (eventos, acidentes ambientais, debates como o do Código Florestal) e não mantém uma frequência, compatível com a sua importância. Além disso, com raras exceções, a imprensa não assume uma perspectiva investigativa e se omite em relação a grandes questões, como a segurança alimentar, a postura insustentável de grandes empresas ou setores (mineradoras, montadoras, papel e celulose, agroquímicas e empresas de biotecnologia etc), assumindo, quase sempre, a posição dos grandes interesses empresariais ou políticos. Felizmente, há algumas mídias ambientais autênticas e profissionais competentes comprometidos com o meio ambiente que têm feito o debate avançar e ganhar qualidade. Ainda que seja importante denunciar abusos e equívocos, é fundamental superar o nível da mera denúncia, inclusive para aprofundá-la e provocar mobilização a sociedade para enfrentar empresas, governos etc que ousam afrontar recorrentemente o meio ambiente.

revistapontocom – A ECO 92 não trouxe alguma mudança neste sentido?
Wilson Bueno – Embora não tenha trazido resultados concretos porque as nações boicotaram o que havia sido acordado durante a ECO 92, o evento se constituiu em um marco por ter trazido a questão ambiental para a linha de frente, alavancado a cobertura da imprensa e permitindo a mobilização de grupos organizados que têm se mantido ativos até hoje. A ECO 92 contribuiu para que a questão ambiental fosse contemplada planetariamente até porque havia um contexto favorável para que isso ocorresse.

revistapontocom – Entre a ECO 92 e a Rio+20, o que aconteceu com a cobertura da imprensa?
Wilson Bueno – Ela se ampliou, viu surgir novos veículos e novos espaços de divulgação, novas fontes surgiram e se consolidaram ao longo do tempo e, mesmo com as lacunas apontadas anteriormente, assumiu um novo patamar, mantendo-se presente em inúmeros veículos, ambientes, programas etc. Mas a grande imprensa e os monopólios da comunicação não têm efetivamente colocado o dedo na ferida porque isso não lhes interessa. Tratam o tema cosmeticamente, privilegiando mais o aspecto midiático, o aumento da audiência do que buscando despertar consciências e mobilizar a população.

revistapontocom – E com a Rio+20, algo mudou nesta interface?
Wilson Bueno – A Rio+20 se caracterizou pela omissão e timidez dos governantes, mas, pelo menos no Brasil, serviu para acirrar o debate, incrementar uma postura crítica em relação a países e empresas, promover uma maior articulação entre os comprometidos com a solução do impasse ambiental. A imprensa cobriu o evento em si, mas pouco avançou em termos de trazer novos elementos para o debate e aprofundá-lo. A Rio+20, na imprensa, se constituiu em um evento midiático que não trouxe, pelo menos por enquanto, novos desdobramentos em termos de cobertura qualificada, com raríssimas exceções. Para a maioria dos veículos, foi mais um evento que passou.

revistapontocom – O que pode explicar essa ‘evolução’ da cobertura: o jornalismo diferenciado, a pressão da sociedade, a atuação de organismos internacionais?
Wilson Bueno – Há pressão de todo lado, sobretudo porque se aprofunda a consciência de que o impasse ambiental precisa ser equacionado com urgência, mas a imprensa, refém das fontes oficiais ou empresariais, caminha lentamente e não temos certeza de que ela efetivamente possa contribuir para que as mudanças necessárias ocorram antes que os problemas se tornem mais dramáticos. A cobertura tem sido mais ampla, o que não quer dizer que seja mais qualificada. Ainda predominam as ações de marketing verde e essa visão cosmética que caracteriza a chamada “economia verde”, particularmente com a ação nefasta de corporações que insistem em descolar o discurso da realidade, uma postura marcadamente predadora.

revistapontocom – Embora o Estado possua, no Brasil, seus meios de comunicação, é a grande imprensa – privada – que consegue uma maior penetração entre a sociedade. Ao cobrir o tema de meio ambiente, essa imprensa possui outros objetivos, além do serviço público da informação?
Wilson Bueno – A imprensa tem seus compromissos e interesses e necessariamente eles não estão sintonizados com as demandas reais da sociedade. Ela continua demonizando os movimentos sociais, esvaziando debates (como os relativos aos monopólios na área de sementes, às relações espúrias entre governos e corporações etc) e contribuindo para reforçar ações irresponsáveis comprometidas com o marketing verde. Há uma hipocrisia empresarial sustentada por ações comerciais da mídia privada. A imprensa brasileira é notadamente um grande balcão de negócios. As exceções (que felizmente existem) confirmam a regra.

revistapontocom – O que fica da Rio+20 para a interface mídia e meio ambiente?
Wilson Bueno – Para a grande imprensa, poucas mudanças irão acontecer e o cenário permanecerá o mesmo já descrito nessa avaliação, mas certamente irão surgir novas mídias ambientais, haverá maior presença da temática ambiental nas redes e mídias sociais e a sustentabilidade será incorporada gradativamente ao debate que hoje anima os jovens. Os governos e as empresas estarão sob vigilância, mesmo porque, se nada for feito com urgência, o problema tenderá a se agravar, tornando inevitáveis ações imediatas e de grande impacto. Se dependermos de empresas e governantes pouco esclarecidos ou omissos, que continuam, assim como os empresários inescrupulosos, predominando entre as fontes que repercutem a temática ambiental, a cobertura permanecerá morna, não crítica e  contaminada por interesses comerciais e políticos. A coragem e a competência de alguns jornalistas não conseguirão se não houver uma mobilização efetiva da sociedade, promover as mudanças que todos queremos. Há estruturalmente, pela ação desse capitalismo predatório, condições para que os privilégios e os interesses escusos prevaleçam em detrimento da qualidade de vida e da preservação da nossa diversidade (ambiental, social e cultural). A mídia precisa desempenhar um novo papel, mas essa que aí está parece não ter competência ou disposição para exercê-lo. Precisamos sacudi-la, reformulá-la e criarmos alternativas cidadãs em nome do país e do planeta que desejamos para as novas gerações.

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