Fonte Jornal da Unicamp
Edição do texto de Silvio Anunciação
Pesquisa da Unicamp envolvendo cerca de 700 estudantes, de 6 a 14 anos, de escolas municipais, estaduais e particulares de Campinas, indicou que mais de 70% deles estão insatisfeitos com o nível de ruído na sala de aula. A investigação constatou ainda que, para 99,2% dos alunos, as maiores fontes de barulho na escola são os próprios colegas. O diagnóstico faz parte do trabalho de pós-doutorado da fonoaudióloga Keila Knobel. “E o surpreendente foi que quando questionados sobre os responsáveis pelos ruídos a resposta era sempre os muleque, indicando que a maioria desses jovens não tem consciência sobre seu papel na produção da poluição sonora”, aponta Keila Knobel, que está envolvida, agora, na elaboração de um projeto que contribua para a diminuição do ruído e a prevenção da perda auditiva das crianças e jovens.
Uma de suas propostas é a elaboração de aulas em que as crianças e adolescentes aprendam conceitos sobre os sons, vibrações, perda auditiva e o quê fazer para se protegerem. A intenção é que alunos e professores discutam a questão do ruído na escola e que eles próprios elaborem um plano de ação a ser seguido por todos.
Segundo Keila, em curto prazo, o ruído na sala de aula afeta o aprendizado e a qualidade de vida dos estudantes, com relatos de cansaço, estresse, dor de cabeça e dor de ouvido. Embora o barulho na escola não atinja níveis tão intensos, Keila explica que a somatória de ruídos ao longo dos anos pode provocar a perda auditiva. Ela cita estudos americanos indicando que 12% das crianças daquele país têm algum tipo de perda auditiva ocasionada pelo som intenso.
“Quando o indivíduo recebe um som muito intenso, as células ciliadas localizadas no ouvido se quebram ou entortam ao invés de apenas se movimentarem. Estas células ciliadas, que são milhares, podem até se recuperar depois que se quebram ou entortam. Numa festa muito barulhenta, por exemplo, a pessoa sai com o ouvido meio tapado, com um zumbido. Isso é sinal de que as células entortaram”, explica.
Neste caso, de acordo com a fonoaudióloga, a tendência é que o distúrbio se normalize nas 12 horas seguintes. “Agora, se isso for acontecendo, repetidamente, as células serão mortas. Uma vez mortas, elas não se recuperam. Não existe cirurgia, transplante, nada, por enquanto, infelizmente. O que temos é a prevenção ou o aparelho auditivo”, completa.
Detalhes e intervenção
Cerca de 60% dos participantes da pesquisa afirmaram que o ruído na escola “atrapalha a fazer a lição”, pois interfere na atenção e concentração. 10,3% relataram que o barulho “atrapalha a entender a professora”; 6,2% disseram ficar com dor de cabeça e 6,5%, com dor de ouvido.
Foram entrevistados 670 estudantes, do 2º ao 9º anos do Ensino Fundamental de escolas públicas e particulares de Campinas. A pesquisadora também ouviu 126 professores sobre percepções e incômodos em relação ao ruído no ambiente escolar. Ao classificarem o nível de ruído na escola, os docentes apontaram a biblioteca como o lugar mais silencioso e a sala de aula como o mais ruidoso.
“O ideal numa sala de aula é que o barulho máximo chegue até 65 decibels (dBs), mas constatamos que ele atinge 80 dBs. Neste caso, ainda não há risco de perda de audição, mas já tem problema suficiente para aprendizagem e para afetar a audição em longo prazo”, conta Keila.
Cultura do barulho
A sociedade atual vive uma “cultura do barulho” na opinião de Keila Knobel. “Para a festa estar divertida, a música tem de estar alta. Se você está se divertindo, grite. Quando você vai ao circo, os palhaços falam: quem está gostando, dá um grito, quem gritar mais alto vai ganhar um pirulito. Eles fazem isso, como se fosse uma manifestação da diversão”, exemplifica.
“Portanto, a cultura do som intenso vem dos pais, é uma questão de educação. É um ‘aprendizado’ que vem vindo. Mesmo na escola – onde a acústica pode não ser muito boa, onde as salas estão instaladas próximas ao pátio ou a uma rua mais barulhenta -, a queixa principal está relacionada ao ruído produzido dentro da sala. Isso nos faz pensar na relação entre aluno e professor, na falta de respeito dos alunos para com os professores e nas dificuldades destes em controlarem os alunos e despertarem o interesse pelo conhecimento”, conta.
A solução passa pela educação. “O diagnóstico da minha pesquisa não retrata apenas as escolas de Campinas. É um cenário que se repete, com diferenças para mais ou menos, em todo país e no exterior. Nos EUA, por exemplo, as queixas são as mesmas. Se a questão da poluição sonora for encarada como ambiental – e é -, torna-se possível mudar”, acredita.
“Quantos de nós já não encara como normal separar lixo orgânico de inorgânico? Muita gente já adotou isso em casa, muitas escolas, inclusive. No momento em que as pessoas entenderem a questão auditiva, assumindo a sua própria responsabilidade de abaixar o som, de falar mais baixo, de colocar o celular no silencioso, de não arrastar a cadeira, esse cenário pode mudar. São diversas atitudes de educação, de gentileza, de respeito ao outro, que podem diminuir muito o ruído nas escolas, nos escritórios, nos restaurantes”, ensina.