Internet e a difusão da leitura

Seguramente, todo professor e pesquisador na área já se perguntou: qual é o impacto da internet e das novas tecnologias na difusão da leitura? O Jornal da Unicamp ouviu alguns especialistas no assunto. As respostas são inspiradoras, pertinentes e instigantes para quem está dentro da sala de aula.

Confira:

Affonso Romano de Sant’Anna
Poeta, ensaísta, cronista e professor

Não dá para fazer profecias. Todo dia tem um artefato novo, um programa novo. O fato é que as pessoas estão sendo obrigadas a ler e a escrever mais e mais. A língua vai se modificar? Vai, é claro. Sempre se modificou. Nossa percepção, nossa velocidade de percepção vai se alterar? Vai. Vamos ficar melhores? Não sei, gostaria. E este é o grande desafio. As melhorias tecnológicas não têm correspondido a uma melhoria ética e estética. Veja a indigência da arte hoje em dia, sobretudo as artes plásticas. E a ética, onde foi parar com a superposição do particular e do público, do centro e da periferia? Não se trata de voltar a modelos cêntricos anteriores, mas de fazer correções no rumo das coisas. E nisto os artistas, os escritores têm imensa responsabilidade. O imaginário ajuda a organizar a realidade. A realidade é apenas a parte mais visível da ficção. Quem sabe ler e interpretar não fica à deriva diante do caos.


Antonio Augusto Gomes Batista

Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade Nacional de La Plata

Evidentemente as novas tecnologias ampliam o acesso a textos e modificam nosso modo de nos relacionarmos com o conhecimento e com a informação (assim como de nos relacionarmos com os outros; basta pensar no MSN, no e-mail, no twiter e nos sites de relacionamento). Como, porém, eu trabalho com sociologia, me interessam mais de perto os efeitos sociais das novas tecnologias de produção, transmissão e preservação do conhecimento e da informação. A introdução de uma dessas novas tecnologias, historicamente, gera quase sempre o mesmo efeito, que em sociologia se chama “estatutário”: produz uma divisão (e uma desigual distribuição de poder) entre aqueles que dominam e aqueles que não dominam essas tecnologias. Para ir na contramão de certa fascinação com o mundo digital: acabo de ler um excelente trabalho, de Maria José Francisco de Souza, sobre a difusão da escrita (em seus suportes tradicionais), numa comunidade de meio rural do Norte de Minas. Ela estudou o modo como, nessa comunidade de quilombolas muito marcada pela oralidade, a escrita exerceu um efeito de expropriação e de rearranjo na atribuição de poder e status, analisando as memórias de benzedeiras e rezadeiras. Com a difusão e a intensificação do uso de uma tecnologia – a escrita – nas práticas religiosas da igreja católica, essas mulheres perderam de modo muito repentino seu lugar social e tiveram de inventar, não sem uma forte carga de sofrimento, algum modo de incorporar a escrita em suas vidas e reencontrar um lugar num universo social e cultural que se alterou radicalmente.


Ignácio de Loyola Brandão

Escritor

Por enquanto, acho que ainda nenhum. Leitor de internet é leitor de internet. Um leitor particular que deverá ser estudado. O leitor de livro em papel é um. O leitor em vídeo é outro. É muito cedo ainda para avaliar impactos e comportamentos. Um novo meio está a nossa disposição. Como utilizá-lo, de que maneira, o que fazer com ele, como levá-lo a agir sobre as cabeças? Nada sabemos. Fala-se, fala-se, mas tudo às apalpadelas, todos no escuro, ou na penumbra. Mas os profetas do apocalipse preveem o fim do livro. Ah, os catastrofistas! Eles são um perigo, já tentaram acabar até com o mundo.


Milton José de Almeida

Laboratório de Estudos Audiovisuais Olho, da Unicamp

Meus argumentos são frágeis para opinar a respeito do impacto da internet e das novas tecnologias na difusão da leitura; não tenho um acompanhamento mais aprofundado de análises que abordem essa questão. Do que vejo no entorno, posso dizer que a internet, como um veículo de altíssima velocidade e quase sem barreiras físicas, abriu um espaço quase infinito quanto ao oferecimento de material de leitura. Enquanto suportes tecnológicos, seja a internet, ou a TV, ou os digitais, de fato, em muito se diferenciam do suporte livro de papel, suportes que, em sua diversidade, geram outros modos de leitura. Abordar o impacto de tais tecnologias na leitura, ou a rede de tensões que aí se estabelece, requer considerar aspectos inerentes à diversidade do suporte, à relação leitor-suporte-texto-autor, às motivações e objetivos que pautam a leitura, às mudanças que se relacionam quando um texto se desprega de seu autor e, no trajeto de ser dado à leitura, passa por intermediações da edição, por exemplo. Nesse aspecto, há a considerar-se também o impacto da tecnologia texto-livro e leitura.


Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Não sei a que tipo de leitura a pergunta se refere: de livros, romances, poesias? A internet não difunde a leitura, ela obriga a leitura, nela tudo é lido. Não há uma tela na internet em que você não tenha que ler alguma coisa! Agora, se a pergunta se refere à qualidade dessa leitura, a internet é igual ao mundo, suas ruas, suas cidades, suas pessoas, e com a mesma sensação de insegurança…Tem coisas boas misturadas com ruins, coisas ruins misturadas com boas, ameaças e ternuras, como saber? Tudo depende do ponto de vista de quem olha, e do juízo de valor cultural e político com que se olha.


Peter Burke

Universidade de Cambridge

Novamente, tenho que recorrer às minhas impressões e falar com base em minha limitada experiência pessoal. Tanto quanto posso observar, os e-books não são importantes, podendo, não obstante, virem a sê-lo no futuro. Por outro lado, os jornais on-line estão superando em popularidade aqueles que têm o papel como suporte. Pensando em termos de futuro, podemos observar crianças (no meu caso, dois netos que moram perto de nós e nos visitam quase todos os dias) que cresceram com a internet. Marco, especialmente, aos 9 anos, usa a internet todos os dias. Ele é particularmente fascinado pelo Google Earth. Mas, procurando ser mais abrangente, parece-me ser extremamente significativo que crianças como Marco estão sendo incentivadas em suas escolas, ao menos aqui na Inglaterra, a realizar pesquisas na internet como parte de seus deveres (com tarefas tais como “pesquise vespa e escreva cinco aspectos a seu respeito” – este é um exemplo real da semana passada). As crianças estão, portanto, desde muito cedo, praticando uma forma específica de leitura – e há vários nomes para isso em inglês – que minha geração aprendeu consideravelmente mais tarde, aos 16 anos, no mínimo, ou ao ingressar na universidade, aos 18. Não vejo a internet como uma ameaça à leitura, porém pode sê-la para um determinado estilo de leitura: do começo ao fim do texto, “de capa à contracapa”; como bem pode ser um incentivo positivo a uma leitura feita de modo diferente.

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