Por Marcus Tavares
Produzir pesquisas com crianças não é uma tarefa fácil, precisa de cuidados éticos e contextualizações em torno de suas especificidades. Estudos sobre infância e tecnologias revelam dados que vão, muitas vezes, de encontro com o senso comum e com o que a mídia divulga de forma generalista. E mais: dados que levam em consideração as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) são retratos de um momento, merecem, portanto, uma atualização constante. As observações são de Cristina Ponte, professora do Departamento de Ciências da Comunicação, da Universidade de Nova Lisboa, Portugal. Cristina esteve, no dia 30 de maio, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde apresentou para alunos e professores da instituição a metodologia e os resultados da última pesquisa EU Kids OnLine, aplicada, em 2010, em 25 países da Europa, pelo programa Safer Internet da Comissão Europeia.
O objetivo do levantamento era avaliar os riscos que as crianças, dos 9 aos 16 anos, estavam expostas no meio online, como receptoras, co-autoras e autoras de conteúdos. Entre os pontos pesquisados, destacam-se: a pornografia, o bullying, o recebimento de mensagens de caráter sexual, o contato com pessoas desconhecidas, encontros com pessoas conhecidas pela internet, e conteúdos potencialmente nocivos criados pelas crianças.
Foram ouvidas mil crianças de cada um dos países que integravam o projeto. As entrevistas aconteceram nos domicílios das crianças. De forma aleatória, os entrevistadores iam de casa em casa e se apresentavam para o responsável, perguntando se havia crianças na faixa etária do estudo e que tipo de acesso à internet o domicílio possuia. Em média, a cada 17 tentativas, uma era realizada com êxito.
O resultado do levantamento colocou em xeque algumas verdades até então estabelecidas pelo senso comum e reiteradas pelos meios de comunicação. Por exemplo: a de que as crianças são ingênuas, não sabem lidar com os riscos que estão sujeitas na internet. A pesquisa revelou que a maioria dos jovens com 11 a 16 anos consegue bloquear mensagens de pessoas que não desejam contatar (64%) ou encontrar conselhos de segurança online (64%). Cerca de metade consegue alterar as definições de privacidade num perfil de rede social (56%), comparar websites para avaliar a sua qualidade (56%) ou bloquear spam (51%).
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Outro mito um tanto refutado pelo estudo é de que as crianças usam/sabem mais a internet do que os seus pais. Um terço das crianças diz que a afirmação ‘eu sei mais sobre a internet do que meus pais’ é muito verdadeira, outro terço (31%) diz que a afirmação é verdadeira e outro terço, que não é verdadeira.
Doze por cento das crianças européias, dos 9 aos 16 anos, dizem que já se sentiram incomodadas ou perturbadas por alguma coisa na internet. Isto inclui 9% das crianças com 9 ou 10 anos. No entanto, a maioria das crianças não disse ter ficado incomodada ou perturbada no seu uso do online. Os riscos não são necessariamente vivenciados pelas crianças como desconfortáveis ou nocivos. Por exemplo, uma em cada oito crianças respondeu já ter visto ou recebido imagens de caráter sexual online, mas isso só constituiu uma experiência nociva para algumas. Pelo contrário, ser alvo de bullying online através de mensagens desagradáveis ou prejudiciais é um risco bastante mais raro, vivido por uma em cada 20 crianças, mas trata-se do risco que parece incomodar mais.
“Os dados coletados pela pesquisa servem para avaliarmos a dimensão que, nós adultos, damos a certas questões, mas que, na prática, não têm o mesmo grau de importância e complexidade dado pelas próprias crianças”, destaca Cristina.
Outros dados de Portugal:
– 78% das crianças portuguesas entre 9 e 16 anos usam a Internet.
– As crianças e jovens portugueses estão entre as crianças europeias que acedem mais à Internet nos seus quartos (67%) do que noutros lugares da casa (26%), uma diferença mais acentuada do que a média europeia (respectivamente 48 e 37%).
– Portugal é um dos países com menor incidência de riscos, abaixo da média europeia (12%): apenas 7% das crianças e jovens declarou já se ter deparado com riscos
– Portugal é um dos países onde mais crianças e jovens declaram já ter sentido bastantes vezes que estavam a fazer um uso excessivo da internet (49%), muito acima da média europeia (30%).
Pesquisa no Brasil
Cristina Ponte é uma das consultoras da mesma pesquisa que acaba de ser realizada no Brasil, com a mesma metodologia. De abril a maio, foram entrevistadas 2.500 crianças e seus responsáveis. A pesquisa foi aplicada, pela empresa Ipsos Brasil, nas 27 capitais brasileiras e alguns municípios. Os resultados serão conhecidos em setembro. “A partir daí, contaremos com o apoio de especialistas brasileiros, da academia, para avaliar e interpretar os dados apresentados”, conta Cristina. Os resultados do Kids Online Brasil poderão ser comparados com os dos países da Europa.