Por Marcus Tavares
Há semanas, o estudante Lucas Guarnieri, 17 anos, vem pesquisando a história de Lampião. Descobriu fatos e curiosidades da vida do mais famoso cangaceiro brasileiro. Assistiu a filmes e documentários. Entendeu a importância do personagem e passou a se interessar pelos movimentos de resistência no Brasil. Produziu pesquisas e vídeos sobre Lampião, descrevendo seu papel do ponto de vista filosófico, sociológico e histórico. No último feriado, dia 20 de novembro, Lucas produziu a caracterização do personagem. Comprou e customizou um chapéu, buscou uma blusa do pai, uma calça da tia. Reproduziu armas e balas, bem como os óculos. Vestido a caráter apareceu no dia seguinte na escola, assim como Shakespeare, Julieta, Charles Darwin, Margaret Thatcher, Ney Matogrosso e as meninas da Belle Époque, contando sua vida e histórias. A dinâmica faz parte do projeto História Viva, que acontece há três anos no Colégio José Leite Lopes – Nave (Núcleo Avançado em Educação), localizado no Rio.
“O trabalho é construído e realizado com os alunos do 3º ano do Ensino Médio, que são convidados a escolher e estudar um personagem histórico para ganhar vida, por meio de uma representação cênica. Caracterizados, esses alunos, em data específica, trazem os personagens para uma visita ao colégio, quando dialogam com outros estudantes, professores e pessoal de apoio, apresentando um pouco de suas histórias, da época em que viveram e de suas ideias”, explica Ana Paula Mogetti, professora de História, coordenadora do projeto.
Para não esquecer a História
De acordo com Mogetti, o História Viva foi uma das formas que ela encontrou para tornar o aprendizado, no dia a dia das aulas da disciplina, mais divertido e prazeroso, longe das aulas expositivas e avaliações tradicionais. Para ela, uma avaliação mais descontraída é capaz de imprimir uma boa lembrança da História. “Nos dias de hoje, a grande contribuição do ensino de História é incutir nas atuais gerações conhecimentos que fazem a diferença nas conversas, nas relações cada vez mais superficiais a cada rede social que surge. Fico muito feliz quando vejo que entre o cara, aí, se liga nisso e o irado! aparecem informações sobre a história da humanidade que, para muitos, é dispensável. Sabemos que, ao longo dos anos, muito do que se estudou fica adormecido na memória, mas esse tipo de vivência que promovemos não se esquece. Acredito que desta forma as chances de se manter o interesse pela História são maiores”.
Pela História, mas também pela Sociologia e Filosofia. Desde o início, o projeto integra as três disciplinas. “Quando o aluno escolhe o seu personagem, por uma questão afetiva e de interesse particular, ele tem que justificar a escolha também do ponto de vista sociológico, histórico e filosófico. A ideia é que o personagem também possa ser pesquisado a partir dos contextos e conceitos trabalhados nos três anos do Ensino Médio. O lugar e o papel do Estado no contexto de vida do personagem, por exemplo, sempre vem à tona”, explica Eliene Cunha, professora de Sociologia.
Personagem e seu discurso
Na edição deste ano, ao escolherem as mulheres da Belle Époque para pesquisar e encenar, as estudantes Gabriella Kleinpaul, Amanda Almeida, Júlia Gabriele e Anna Carolina Castro tiveram a oportunidade de conhecer a função positiva da transgressão que tais mulheres tiveram na promoção de um novo papel do feminismo na virada do século XX. “Pensar o personagem como interlocutor do pensamento de uma época, contribuindo ou contrariando os paradigmas, é o trabalho que a Filosofia busca fazer neste projeto. Qualquer personagem escolhido pelos alunos traz consigo ideologias, pontos de vistas, pensamentos e atitudes que podem e merecem ser objeto de estudo e reflexão”, avisa Daniel Gaivota, professor de Filosofia.
Depois da entrega das pesquisas e da apresentação dos personagens, a equipe de professores promove uma avaliação e autoavaliação colaborativa do projeto. Segundo Mogetti, o que mais chama a atenção dos estudantes é a oportunidade de brincar com o conteúdo. “Além de conhecer, resgatar e explorar os conteúdos, os estudantes ganham experiência. A vivência da pesquisa e da aplicação dela em algo prático, ainda que simulado, é algo que segue com eles. Não esquecem”, conta.
Para os professores, o projeto, que tem tudo para crescer ainda mais, pode ser facilmente aplicado em outros contextos e realidades escolares. “Basicamente, o projeto é feito de pesquisa e composição de personagens, com improviso de figurino. Os requintes de vídeo-divulgação da visita e a edição dos melhores momentos, que procuramos realizar na escola, é claro, demandam o uso de equipamentos e laboratórios. Mas também, podem ser feitos com o uso de celulares”, indica Mogetti.
O que dizem os alunos?
Muitas vezes é muito chato fazer uma pesquisa escolar escrita sobre um determinado fato e ou personagem da História. Mas fazer uma pesquisa para subsidiar um contato, ao vivo, com a História é muito mais rico, dinâmico e desafiador, o que desperta a atenção de nós estudantes. A gente consegue brincar com a própria história. Rayane Mendes, 18 anos.
O que é legal é que temos, num mesmo espaço e ao mesmo tempo, diferentes personagens dialogando, personagens de épocas e contextos diferentes. E o que é melhor: trazendo suas visões de mundo, suas histórias. Dessa forma, muda o jeito de nós alunos olharmos para a História, para a escola, para o entendimento da disciplina. Amanda Almeida, 18 anos.
Uma coisa é fazer uma pesquisar para fazer um trabalho escrito. Outra coisa é fazer uma pesquisa para vivenciar o personagem. Não dá para copiar e colar, usar o ctrl c + o ctrl V. É preciso pesquisar muito mais, pensar como o personagem, se vestir, entender a História. Como ficamos expostos, temos que nos preparar. Não podemos pagar mico, no sentido de falar uma besteira ou não interpretar o papel da melhor forma. É totalmente diferente. Gabriela Kleinpaul, 17 anos.