Era uma vez…uma crise

Em Portugal, livro explica para as crianças os motivos da crise na Europa. Há duas visões: uma direita e outra esquerda. Acreditem.

Por Mariana Barbosa
Folha de S. Paulo

A crise em Portugal é tal que chegou à seção de livros infantis. Em “A Crise Explicada às Crianças” – para ‘miúdos’ de direita ou de esquerda, dependendo de que lado se começa a ler o livro – o jornalista, escritor e humorista João Miguel Tavares conta a fábula de ursos gordos que comeram mel demais e agora precisam de dieta. São duas versões das mesma história, cada qual com seu vilão (abelhas/mercados ou ursos gordos/deficit público), que se encontram no meio do livro.
Mas mais do que ajudar os pais a traduzirem as notícias dos jornais e as aflições do dia a dia para as crianças, o livro -que ainda não tem edição prevista no Brasil- é, na verdade, “um grito de alerta” sobre a infantilização do debate político em Portugal, afirma o autor, que é pai de quatro filhos.

Folha – Por que escrever um livro sobre crise para crianças?
João Miguel Tavares – Na verdade, este é um falso livro para crianças e, como tal, um objeto incaracterístico. Está escrito numa linguagem infantil, mas, para poder ser lido a uma criança antes de ela adormecer, é preciso ter pais muito competentes na explicação do que ali se está a passar, na medida em que a estrutura se afasta muito da de um livro para crianças convencional. A linguagem quer ser, desde logo, um grito de alerta sobre o modo como infantilizamos o debate em Portugal e na Europa. Eu não deveria conseguir escrever uma metáfora sobre esquerda e direita na economia usando abelhas e ursos -mas a verdade é que, modéstia à parte, acho que o livro funciona. Portanto, há também um lado sarcástico, mais dirigido aos pais, uma vontade de denunciar a falta de sofisticação do pensamento atual: “vejam como o nosso debate político se tornou tão primário que parece história da carochinha”.

Folha – Seus filhos perguntam muito sobre crise?
João Miguel Tavares – Felizmente, a crise é mais uma preocupação dos pais do que deles, que estão mais entretidos com brincar e esfolar joelhos. Como eu tenho muitos filhos, as pessoas acham que o livro nasce como uma resposta às suas dúvidas. Seria mais bonito se tivesse sido assim, mas não foi.

Folha – A crise está no dia a dia das crianças portuguesas?
João Miguel Tavares – 
Claro que sim. Se um pai está desempregado ou informa o filho que ele não pode ir aqui ou ali porque não há dinheiro, é impossível que a crise não marque os mais jovens. Se isso é suficiente para as torná-las infelizes, acho que não. As crianças são naturalmente felizes, e isso é independente do tamanho do deficit português.

Folha – Você se considera de direita ou de esquerda?
João Miguel Tavares –  
Em Portugal, considero-me de direita. Se vivesse nos EUA, considerar-me-ia de esquerda. O problema é que o espectro político português pende em demasia para a esquerda e qualquer pessoa que defenda uma diminuição do peso do Estado é logo acusada de “neoliberal”. Mas apesar de me assumir de direita, procurei escrever um livro equilibrado.

Folha – Portugal é o urso gordo e insaciável?
João Miguel Tavares – 
Diria que sim.

Folha – E como está a dieta do urso? Precisa de dietas mais drásticas? Ou essa dieta acabará por matá-lo?
João Miguel Tavares – 
Diria que o urso aguentou um ano de dieta com uma paciência e um empenho extraordinários. Recentemente, está a achar menos graça à coisa, porque tarda a ver a tal luz no fundo do túnel. É compreensível. O urso já percebeu que tem de diminuir a barriga mas, como é óbvio, ele não quer ter de continuar a emagrecer enquanto, ao lado, tem outros bichos que continuam a comer do bom e do melhor. Ou há moralidade ou comem todos.

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