Criança: público prioritário

Espaço trabalha em três frentes: pesquisa, difusão e memória. Coordenadora Karen Acioly conta detalhes.

Por Marcus Tavares

Conjugar as palavras infância, cultura e política pública não é uma das tarefas mais fáceis. Muitas vezes, nem fazem parte do dicionário das gestões municipais e estaduais do Brasil. A autora, atriz e diretora Karen Acioly conhece bem essa história. Ela vem fazendo esta costura junto à Prefeitura do Rio de Janeiro, para manter as atividades do Centro de Referência Cultura Infância, que acaba de completar dez anos. Localizado no Teatro Municipal do Jockey, na Zona Sul do Rio, e ligado à Secretaria Municipal de Cultura da cidade, o espaço, ao sabor das mudanças e perspectivas políticas, vem contribuindo para a qualificação e difusão da produção cultural para o público infantil. Produção que privilegia a diversidade, a originalidade e a utilização de diferentes linguagens, respeitando a inteligência das crianças.

“As ações são desenvolvidas em três frentes”, explica Karen. Segundo ela, o Centro investe na pesquisa de linguagem, na investigação do processo de trabalho de uma produção cultural para a criança, que pode estar ligada, por exemplo, ao teatro, à dança, à arte circense, às artes plásticas ou, simplesmente, à escuta musical. Neste sentido, o Centro promove, sempre de forma gratuita, oficinas, debates, encontros e formação, como as atividades do Café com os mestres, no qual especialistas produtores e diretores culturais falam sobre o processo de criação das obras. Há ainda o projeto Experiências Criativas, onde os participantes vivenciam a metodologia de trabalho de diferentes diretores e autores “numa espécie de circuito criativo”. Todos os alunos têm aulas com cada diretor, trabalhando temas e autores distintos. Ao final, são apresentadas ao público cenas selecionadas pelos próprios alunos e mestres. Além de Karen Acioly, estão no corpo docente os diretores e autores teatrais Lucia Coelho, Caique Botkay, Miguel Velhinho, Paulo Reis, Mônica Alvarenga e Ana Teixeira.

Mais de 560 espetáculos encenados

A difusão deste e de outros trabalhos consiste na segunda frente de ação do Centro. Continuamente, o espaço recebe propostas de projetos culturais para serem encenados no próprio Teatro Municipal do Jockey. Karen e sua equipe avaliam a pertinência e a contribuição de cada proposta. Aquelas que caem no senso comum de oferecer o lúdico pelo lúdico às crianças, sem um aprofundamento teórico e estético, e as que enxergam o público infantil como simples expectador do amanhã, e não como cidadão do mundo de hoje, são deixadas de lado.

Parte dos espetáculos encenados compõe o projeto chamado Altamente Recomendável Escola. “Quarenta sessões dos melhores espetáculos de nossa programação são especialmente apresentadas, no Teatro do Jockey, para essa galerinha das escolas municipais receber novos conhecimentos e criar novas ideias”, conta Karen.

De acordo com a diretora, trata-se de uma galerinha que cresceu assistindo aos espetáculos e que hoje já possui um olhar diferente, crítico e estético frente ao que é ofertado pelo espaço e pelo mercado. “Não somente as crianças, mas os pais também. Não escolhem mais um espetáculo por escolher, mas a partir de um repertório diverso. Isso é crítica, estética. Isso é refinamento da produção e visão artística, o que faz diferença”, acrescenta e comemora. Numa cidade em que há pouco espaço para produção cultural infantil, o Centro já contabiliza cerca de 560 espetáculos encenados. “É ou não é um golpe de sorte?”, brinca Karen.

Catálogos reúnem memória da produção cultural da infância brasileira 

Como terceira frente de ação está o trabalho de resgate da memória da produção cultural brasileira voltada para a infância. A equipe já produziu o I Catálogo Livre do Teatro Infantil que reúne uma base de dados de grupos, companhias e instituições dedicados à produção cultural para o público infantil. Para celebrar os dez anos, nos dias 3 e 4 de agosto, será lançado, no Teatro Municipal do Jockey, o segundo volume (II Catálogo Livre – Cultura Infância), que traz a história de alguns profissionais brasileiros que se dedicam à produção cultural para as crianças. “O trabalho de memória também conta com o portal Conexão Infância, aberto à colaboração de todos, inclusive das crianças, com o objetivo de promover a pesquisa, a memória, bem como a fruição e circulação dos bens culturais. Tem a função de criar novos espaços para a infância e todas as conexões transversais que possam vir a partir dela”, explica.

Quem for ao teatro conferir o lançamento do segundo volume do catálogo, também terá a chance de visitar uma exposição de fotos que resgata e retrata os dez anos da história do Centro. Nas palavras do artista Gustavo Bicalho, da Artesanal Cia de Teatro, um Centro que, na verdade, é “um espaço onde as produções para as crianças ocupam o lugar de destaque, não sendo relegadas ao segundo plano – como acontece na maioria das vezes”.

Em depoimento ao portal Conexão Infância, Bicalho destaca: “Quem conhece o espaço sabe o trabalho que lá é realizado. Pena que é sempre tudo muito difícil e batalhado. Sempre me pergunto até quando a cultura vai continuar sendo tratada como um “artigo” de segunda necessidade. Quantas vezes todo o trabalho construído pelo Centro já não foi ameaçado? Torço muito pela continuidade do espaço. Acho fundamental não só que ele continue a existir, mas que possa ampliar cada vez mais suas atividades. O Brasil é um país que trata o teatro para a infância e juventude com seriedade. Não podemos ser ingênuos achando que é melhor em outros países. Por isso mesmo, acho que temos um grande potencial para sermos referência nessa área. O Centro pode ocupar o espaço de promover e divulgar o que produzimos no país”.

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