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Os jovens em cena

“Para os jovens, o YouTube é o espaço da visibilidade, da sua busca como sujeito social, significando uma ampliação das redes de amizade”, destaca Nilza Alves.

Por Marcus Tavares

Qual é o impacto do YouTube no dia a dia da vida contemporânea? E na vida dos jovens? O que representa o canal de vídeo mais popular do mundo para os adolescentes do século XXI? Entretenimento, confessionário ou rede social? É em busca destas respostas, que Nilza Alves, mestranda de Educação, da Universidade Federal Fluminense (UFF), vem analisando que tipo de exposição do “eu” está sendo proposto no YouTube.

Em entrevista à revistapontocom, ela afirma: “Estou acompanhando o ‘desabafo’ de dois jovens no YouTube, com seus vídeos classificados entre os mais populares. Acredito que pensar as produções do YouTube sob o prisma da construção das identidades possibilita-nos discutir as representações do ser jovem contemporâneo e os novos modos de ser que surgem com as novas práticas de expressão e comunicação via internet”.

Acompanhe a entrevista:

revistapontocom – Qual é o lugar do YouTube na vida contemporânea?
Nilza Alves – O YouTube desde sua criação, em 2005, tem bastante impacto no mundo hipermidiático. Tanto que, em 2006, foi considerado a “Invenção do Ano” pela revista Time. Para a maior parte dos usuários, é um site que permite o acesso a uma gama nunca antes imaginada de material audiovisual, de forma rápida e gratuita. Em poucos minutos, é possível assistir a comerciais antigos, cenas de seriados de televisão ou filmes clássicos, momentos decisivos em competições esportivas, desenhos animados de diversas partes do mundo, reportagens televisivas, blogs, documentários de viagem, entrevistas, cenas de novela e uma infinidade de material musical como videoclipes e shows. Além de disponibilizar todo esse material audiovisual, o site funciona como uma rede social, um ponto de encontro, de pertencimento, onde se pode ver e ser visto, onde qualquer um pode “transmitir-se”. O seu lema Broadcast yourself (transmita a si mesmo) ratifica a ideia das possibilidades democráticas da rede: fazer do receptor um produtor. Nesse sentido, o usuário é ele mesmo o “canal”, que faz uso de outro meio, o YouTube, e pode transmitir a imagem que produz sobre si mesmo ou o que desejar tornar público. Na verdade, parece que o YouTube surge para dar conta de uma visibilidade impositiva na contemporaneidade. Agora, cabe a cada um administrar sua própria imagem para entrar em cena.

revistapontocom – Qual lugar que o YouTube ocupa na vida dos jovens?
Nilza Alves – Para os jovens – porque são os que mais aceitam a convocação das mídias interativas -, o YouTube é o espaço da visibilidade, da sua busca como sujeito social, significando uma ampliação das redes de amizade. Esse “estar-entre” reforça a autoestima e os coloca na cena pública, exercendo uma identidade reconhecida e desejada no grupo e que põe em relevo potencialidades pessoais. Isso porque ser visto é o que conta nesses novos tempos. O espaço de visibilidade, que era exclusivo às celebridades, foi democratizado e se oferece hoje também para o homem ordinário. E, além desse lugar de compartilhamento e exposição, o YouTube representa ainda a possibilidade de inserção produtiva no mundo do trabalho. Os ganhos com merchandising nos vídeos postados proporcionam a alguns jovens um primeiro momento de independência financeira.

revistapontocom – Neste sentido, o YouTube impacta a questão do público e privado?
Nilza Alves – Sim, muito. A exposição de si em sites como o YouTube evidencia mudanças nas noções do público e do privado, que, na modernidade, não se misturavam. O fenômeno atual da disputa por visibilidade e pelo consumo da privacidade alheia mostra transformações subjetivas que borram as fronteiras entre a intimidade e a privacidade. Assim, a subjetividade se torna cada vez mais exteriorizada e performática. Sobre essa questão, penso no ditado popular “o que os olhos não veem o coração não sente”. Agora, em uma sociedade em que somos moldados pela visibilidade, quando os “olhos veem” cada vez mais e mais, resta saber se “o coração sente” de forma mais/menos intensa, de forma mais clara, de forma a alterar/realçar/ moldar a subjetividade. Resta saber também como essa explosão de visibilidade interfere na elaboração da subjetividade contemporânea.

revistapontocom – Podemos afirmar, então, que o YouTube é um espaço privado e particular e, ao mesmo tempo, um  espaço público?
Nilza Alves – Hoje, a crescente exposição da vida íntima e privada nos diversos meios de comunicação e a forte presença da imagem na relação que os indivíduos estabelecem com o mundo, com o outro e consigo apontam para uma subjetividade radicalmente próxima do olhar do outro e inserida num regime de visibilidade onde as redes sociais têm um papel fundamental. A noção de íntimo passa por uma reconfiguração. O íntimo da contemporaneidade só pode ser chamado assim porque fala do eu. Mas sua relação com o privado perde cada vez mais terreno. A intimidade virou pública, é fato. Mas qual é o grau dessa intimidade que se permite publicizar? É uma intimidade construída. Publico a parcela que desejo que conheçam do mim. E talvez essa parcela não exponha uma intimidade realmente profunda, ou essa parcela que torno pública pode ser apenas parte das minhas múltiplas identidades. Parece que estamos em meio a um processo de embaçamento das dimensões não visíveis do sujeito, para valorizar somente as dimensões visíveis e, inclusive, incentivar a multiplicidade dessas dimensões. Múltiplo, o jovem customiza sua identidade e vai elaborando o “como sou” também através do YouTube. E tenta amplificar o presente via webcams para que confirme no futuro um “valeu a pena”. Mesmo que só apostando em visualizações que o tirem da obscuridade, que confirmem a existência de si. Mesmo que só por um momento YouTube.

revistapontocom – Michael Wesch, professor americano que pesquisa o papel do YouTube nos dias de hoje, diz que as pessoas que fazem uso do canal, têm a chance de serem vistas e mais do que isso: de se verem. O que isto significa?
Nilza Alves – Como nos diários tradicionais, a possibilidade de desabafar, pensar, mas, principalmente, a capacidade de autoconhecimento por meio da linguagem, está presente nos “desabafos” virtuais postados no YouTube. Esses diários na internet significam o colocar-se como sujeito por meio da linguagem e enunciar-se como eu. E, mais interessante, aí se dá o ver e o ser visto. Entra em cena o olhar exotópico . Pelo princípio da exotopia, eu só posso me imaginar, por inteiro, sob o olhar do outro; pelo princípio dialógico, que decorre da exotopia, a minha palavra está impregnada pelo olhar de fora, do outro que lhe dá sentido e acabamento. O espaço para os comentários no site favorece essa dupla visão. No YouTube, o conhecer a si mesmo é acompanhado por um dar-se a ver pelo outro. É a possibilidade de uma outra tradução do eu. É nesse jogo de interação com o outro que tenta atrair a partir da revelação de sua intimidade (real ou fictícia) e da interação com o próprio eu que se dá a construção identitária.

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Nádia Falcão
Nádia Falcão
12 anos atrás

A temática abordada pela pesquisadora Nilza é da maior relevância para os profissionais da educação. Conhecer e manter uma escuta/olhar metódicos e interessados nas práticas juvenis para além de sua condição de alunos parece o caminho mais pertinente para compreendê-los e também a chave para estabelecer o diálogo, elemento fundamental para o processo educativo. Parabéns à pesquisadora. Aguardaremos as próximas notícias da pesquisa.

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