Midiaeducação em debate

“Mídia é um conceito, educação é outro, ambos muito amplos e densos. Já midiaeducação é um conceito mais específico, relativamente novo no Brasil, e sobre o qual há várias definições circulando”, destaca Eduardo Monteiro.

Por Marcus Tavares

O que é midiaeducação? Um conceito? Uma ideia? A sua grafia escrita junta ou separada traduz algum significado? Existiria outro termo que definiria melhor a interface entre a educação e a mídia? Trata-se de um novo campo de estudo? A revistapontocom dá prosseguimento à publicação da primeira parte do Dossiê midiaeducação, na qual publica entrevistas com professores, estudiosos e pesquisadores sobre o tema. A cada semana, uma nova entrevista. Um novo olhar. Uma nova perspectiva sobre a interface mídia e educação.

Para a OSCIP Planetapontocom, midiaeducação é um conceito que se traduz em um trabalho educativo sobre os meios, com os meios e através dos meios. Sobre os meios, refere-se ao estudo e análise dos conteúdos presentes nos diferentes meios e suas linguagens. Com os meios, trata-se  do uso dos meios e suas linguagens como ferramenta de apoio às atividades didáticas. E através dos meios, diz respeito a produção de conteúdos curriculares para e com os meios, em sala de aula e, também, a educação a distância ou virtual, quando o meio se transforma no ambiente em que os processos de ensino-aprendizagem ocorrem.

Afonso Albuquerque, Paulo Carrano, Ismar de Oliveira, Regina de Assis, Inês Vitorino, Mônica Fantini, Gilka Girardello, Rita Ribes, Guaracira Gouvêia são alguns dos nossos convidados/entrevistados da série. Nesta semana, você confere a entrevista concedida pelo professor Eduardo Monteiro, doutorando em comunicação pela USP.

Leia também as opiniões de:
Nilda Alves, professora da Uerj
– Ana Helena, superintendente do Cenpec
Rosália Duarte, professora da PUC-Rio

Para Eduardo, cabe aos educadores, na relação midiaeducação, se engajar na construção de um futuro melhor para as pessoas e comunidades em que estão presentes. “Para isso, é preciso abdicar do poderzinho de dar aula, prova e nota e passar a pensar junto com os que estão na escola ou em outros espaços educativos sobre como seguir adiante como pessoas e sociedades viáveis neste planeta. Usar a criatividade e a comunicação para isso, para formar gente com ideias, autoestima, coragem e, sobretudo, com competência para saber o que fazer com isso”.

Acompanhe:

revistapontocom – Como podemos definir o conceito midiaeducação?
Eduardo Monteiro – Mídia é um conceito, educação é outro, ambos muito amplos e densos. Já midiaeducação é um conceito mais específico, relativamente novo no Brasil, e sobre o qual há várias definições circulando… Mas é um conceito mais específico porque identifica um tipo de abordagem que conecta comunicação e educação em uma direção mais bem definida. Como conceito novo, é dinâmico. E conforme o tempo passa, ele se torna mais definido e elaborado. Atualmente, prefiro entender midiaeducação como uma abordagem que condiciona o desenvolvimento da capacidade de participação das pessoas na sociedade com a apropriação expressiva e técnica dos diferentes meios e linguagens. Sobretudo os audiovisuais e, mais recentemente, os digitais. Mas o ponto forte é que as pessoas que se alinham nesta tendência apostam neste desenvolvimento pela via da ação educacional formal, especialmente na interface escolar. Como outras pessoas, gosto do resumo que define midiaeducação como educação para, pelos e com os meios. Isso sublinha um aspecto que é, talvez, o mais original desta abordagem e só pode surgir numa cultura em que os meios estão socialmente disseminados: o direito das pessoas a terem acesso aos diferentes meios de comunicação e a vinculação do exercício comunicativo às práticas pedagógicas. E é importante chamar a atenção para que a tecnologia é apenas parte disso; o que está em foco deve ser a comunicação humana. Eu considero este um caminho extremamente importante para que mais pessoas tenham condições de disputar em condições mais iguais o jogo social.

revistapontocom – De onde surgiu este conceito?
Eduardo Monteiro – Há diversas versões. Em 1993, eu fazia minha pesquisa de mestrado quando precisei nomear esse negócio que a gente faz. Então eu descobri uma revista inglesa chamada Media Education. Gostei porque, com esse pragmatismo deles para nomear as coisas, era um nome pregnante, fácil de falar e de entender. Eu trabalhava com crianças fazendo jornal, foto, vídeo, e midiaeducação era um nome que repercutia bem entre eles. E logo eles chamavam só de “mídia”, embora isso se embolasse com o conceito de mídia que, no Brasil, é todo complicado: designa desde um suporte físico para informação até a imprensa em geral, passando pelos setores que trabalham com anunciantes nas agências de publicidade… E eu acho que isso faz o termo ser etimologicamente muito difuso para se comportar bem como definição precisa de alguma coisa. Pessoalmente, além dessa minha pesquisa, não tive contato com nada no Brasil em que o termo tivesse sido empregado antes de 199,. Mas depois disso ele surgiu em vários outros lugares, utilizado por pessoas que certamente nunca leram minha pesquisa muito menos ouviram falar de mim… talvez por conta de projetos em cujo nome eu tive alguma influência, sei lá. Mas pode ter sido assim como o arco e flecha: uma coisa meio óbvia que gente em diferentes lugares acabou por inventar. Ou, mais provavelmente, pela mesma razão que eu tinha aportuguesado o termo. E isso para mim tem mais sentido já que o que nomeamos hoje por midiaeducação tem grande similaridade como a media education, originada nos países de língua inglesa nos anos 1970, a partir da preocupação com o conteúdo moral do que era veiculado pela mídia e sua influência sobre o público infanto-juvenil. Em língua espanhola virou educación para los médios, depois pedagogia de la communicación, diferindo em especificidades e ênfases. A partir dos anos 1980, agregou a perspectiva dos estudos sobre a recepção ativa e, finalmente, a partir dos anos 1990, evoluiu para esta visão que temos hoje. Ao longo deste tempo, com este e com outros nomes, a tendência que reunia pessoas em torno dessas preocupações, que faziam e estudava essas coisas, reuniu gente, publicou livros e promoveu eventos ao redor do mundo. E passou a contar com a importante adesão de profissionais da comunicação em diversas áreas, gente de maior poder de influência e preocupada com os padrões de consumo cultural e com a qualidade ética dos conteúdos presentes na mídia em geral e com sua adequação ao contexto cultural e etário das audiências, sobretudo infanto-juvenis. Então a própria mídia encampou o assunto, como tema e como comprometimento estratégico.

revistapontocom – Qual é o objetivo da midiaeducação?
Eduardo Monteiro – Acho que não se pode dizer que há um único objetivo em uma área tão eclética, tão nova e onde se confrontam tantos interesses e perspectivas. Há grandes redes de pessoas envolvidas com isso e eu acho o que existe são interesses em comum que fazem as pessoas e instituições convergirem… Como também existem outros que fazem elas divergirem. Veja: se trata de educação, que é um tema polêmico e, para alguns, questão de crença. E se trata de mídia, comunicação, discurso: coisas que estão sempre em função de intenções, mesmo das melhores do mundo. Mas, vamos lá: se é o caso de a gente identificar objetivos, eu vou ficar com aqueles que considero os mais relevantes e nobres, capazes de reunir pessoas diferentes em torno deles. E aí eu diria, um: disseminar um senso de responsabilidade ética e social sobre as práticas educativas, entendendo que elas são de natureza formativa e, portanto, têm enorme impacto sobre as escolhas e destinos das pessoas. Dois: mobilizar a sociedade no sentido de transformar em direito inalienável das pessoas acesso aos meios e à educação que prepare para um mundo de comunicação complexa e tensionada. E três: ocupar com diversidade de gente e de práticas um enorme latifúndio cercado e murado pela educação escolar, como a conhecemos ainda hoje, que excluiu a comunicação e o seu exercício criativo e formador dos compromissos para com o desenvolvimento das pessoas e, portanto, da sociedade.

revistapontcom – Midiaeducação é a forma mais correta de nomear este conceito? Haveria algum nome mais oportuno?
Eduardo Monteiro – Sinceramente, hoje eu acho que não. Já segurei outras bandeiras, mas agora estou mais confortável do ponto de vista intelectual e profissional adotando a visão de que o grande problema foi o tipo de educação que a sociedade escolheu fazer, voltada para a colonização dos espíritos das pessoas e, para isso, precisou extirpar seu lado expressivo, impor o silêncio de vozes e ideias dissonantes e privilegiar apenas um canal como canal legítimo da verdade, do conhecimento, da moral – o sistema professor-livro-aula. Claro, há muita gente que hoje não quer mais uma educação assim, que briga todo dia contra ela… mas ela está tão encrustada que não é um banho de tecnologia ou de novas experiências que vai fazer este limo largar. E é a sociedade que tem que mudar de rumo, não só alguns educadores. Então, do meu ponto de vista, creio que o melhor nome para o que fazemos é comunicação, só que agora mais genuína, resgatando o que é o seu modo mais complexo e mais singularmente humano: a comunicação como essência da aprendizagem e como atividade voltada desenvolvimento das poderosas capacidades humanas para terem ideias, compartilhá-las e solucionar problemas. Até porque o que não falta à sociedade são problemas.

revistapontocom – Qual é o papel da educação na relação midiaeducação?
Eduardo Monteiro – Se engajar na construção de um futuro melhor para as pessoas e comunidades em que estão presentes. Para isso, abdicar do poderzinho de dar aula, prova e nota e passar a pensar junto com os que estão na escola ou em outros espaços educativos sobre como seguir adiante como pessoas e sociedades viáveis neste planeta. Usar a criatividade e a comunicação para isso, para formar gente com ideias, autoestima, coragem e, sobretudo, com competência para saber o que fazer com isso.

revistapontocom – Qual é o papel da mídia na relação midiaeducação?
Eduardo Monteiro – Idem, só que abdicando do poderzinho de ser celebridade, dos créditos, de buscar freneticamente o paparico das pessoas, de usufruir do glamour da cobertura social em que se plantaram a serviço de seus donos. Abdicar de querer explicar às pessoas os fatos com legendas. Entender e assumir profundamente a responsabilidade que têm por manejar informação, por influir sobre as pessoas, suas ideias e vontades. Entender o alcance de suas pequenas decisões e que os lugares que ocupam não são seus, mas da sociedade. Plantar a árvore da liberdade debaixo de seus próprios pés, regá-la todos os dias, deixá-la crescer e tomar cuidado para não cair de seus galhos quando não der mais para subir de volta.

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