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Academia Brasileira de Letras

Professor, criança e literatura infantil. A escritora Ana Maria Machado fala sobre sua gestão à frente da casa. Confira a entrevista.

Por Marcus Tavares

A escritora Ana Maria Machado dispensa apresentações. Mas para quem não sabe ela foi eleita em dezembro passado para ocupar o cargo de presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL) ao longo deste ano. Ao tomar conhecimento de sua eleição, disse que pretende dar continuidade à linha de
atividades voltadas para a promoção dos melhores valores da cultura nacional e da Língua Portuguesa.

Por meio da assessoria de imprensa da ABL, Ana Maria Machado concedeu uma entrevista para a
revistapontocom. Quais são os planos de Ana Maria Machado para a ABL? Algum projeto especial para crianças e adolescentes? E para os professores?

Acompanhe a entrevista:

revistapontocom – Pode-se dizer que, hoje, com sua eleição, a ABL é um pouco mais próxima da literatura infantojuvenil, dada a sua história?
Ana Maria Machado – Desde sua criação, em 1897, a Academia tem buscado estar próxima da sociedade, promovendo, entre outras atividades, ações culturais acessíveis aos cidadãos. Nossa responsabilidade sempre foi com a literatura e com a Língua Portuguesa. Se é literatura, não importa se é infantil ou outro adjetivo. O importante é que seja uma literatura que possa ser lida também por crianças. Mas se não for apreciada e fruída também por adultos, não é literatura. É apenas um livro para criança. Portanto, não vamos estar mais próximos da literatura infantojuvenil, simplesmente. Muitos Acadêmicos, em todos os anos de existência da ABL, escreveram ou escrevem também para crianças, resguardando,
naturalmente, a importância literária de seus textos. Não sou a única acadêmica que tem uma história literária voltada para a infância. Sou apenas a que tem a imagem mais associada a esse segmento. Entre escritores com obra significativa para o público infantil, a Academia abrigou ao menos dois clássicos – Viriato Correia e Olavo Bilac – e um grande mestre – Orígenes Lessa. Uma característica da literatura no Brasil é que não temos uma barreira rígida entre autores que escrevem para crianças e para adultos. Por exemplo, Jorge Amado, Josué Montello, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Adonias Filho, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia, Raimundo Magalhães Junior, Marques Rebelo, Herberto Sales, Nélida Piñon, Odylo Costa Filho, Carlos Nejar , João Ubaldo Ribeiro, Darcy Ribeiro, Antonio Olinto, Alberto da Costa e Silva, Lêdo Ivo, Arnaldo Niskier, Carlos Heitor Cony, Zélia Gattai, Paulo Coelho, Moacyr Scliar, Cícero Sandroni e José Mindlin também escreveram livros infantis. Outros tiveram textos seus transformados em livros para crianças, como Guimarães Rosa e Ivan Junqueira, por meio de uma edição ilustrada e diagramada de forma a atrair pequenos leitores. Desses, Josué Montello, Nélida Piñon, Alberto da Costa e Silva, Arnaldo Niskier, Cícero Sandroni e Ivan Junqueira foram Presidentes da ABL. Não
sou a primeira em nada.

revistapontocom – A senhora tem algum projeto que promova uma aproximação entre a ABL e a infância e juventude?
Ana Maria Machado – Não, nem acho que essa deva ser uma preocupação específica da Academia. Temos no Brasil uma excelente instituição que cumpre muito bem esse papel de fomento e incentivo: a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Mas desejamos, sim, aumentar o número de leitores de literatura no país, independentemente de sua idade. Com esse objetivo, temos uma programação cultural variada e aberta. A Academia sempre buscou estar próxima da sociedade, seja incorporando aos seus
quadros intelectuais oriundos dos mais diversos extratos sociais e procedências geográficas, seja promovendo ações culturais acessíveis aos cidadãos. Nossa programação cultural procura manter o espírito deste tempo que passa e voa, dando seguimento a uma linha de intensa oferta de serviços culturais totalmente gratuitos, abertos ao público e com transmissão direta por meio de nosso site
na internet. Trouxemos para a ABL milhares de estudantes do Ensino Médio, realizando um vitorioso projeto de visitas guiadas às nossas instalações.

revistapontocom – E o que dizer da relação entre a ABL e os professores?
Ana Maria Machado – Esse é um ponto importantíssimo que nos preocupa muito, mas não está ao nosso alcance fazer muita coisa, porque os problemas não se resolvem com ações pontuais. Têm a ver
com a formação do magistério, e isso é uma questão relativa à qualidade do ensino no Brasil como um todo. Na faculdade, os professores aprendem muito sobre pedagogia e psicologia, mas pouco sobre arte. Ficam sem instrumentos para distinguir arte de não arte, textos bons de ruins. Infelizmente, nossos
professores lêem pouco, porque a formação que recebem não dá ênfase a isso. É uma situação completamente contraditória. Ninguém contrata um instrutor de natação que não sabe nadar. No entanto, as salas de aula brasileiras estão cheias de gente que, apesar de não ler, tenta ensinar. Em contrapartida, nas minhas viagens pelo interior do Brasil, tenho conhecido algumas experiências individuais surpreendentes. Mas ainda são mais exceção do que regra dentro do sistema educacional. Esbarram na burocracia, no currículo, no horário que não reserva espaço para que as crianças leiam. Mas temos alguns projetos em andamento, para reforçar essa formação e dar apoio ao professor em seu contato com a literatura – como o Cenas Clássicas, que teve um piloto no ano passado e vai se desenvolver no decorrer deste ano. Além disso, contam-se às centenas os acadêmicos que exercem ou exerceram o
magistério.

revistapontocom – Como mudar este quadro? Isso é realmente possível? Como?
Ana Maria Machado –
É possível, sim. Basta usar o livro na sala de aula com muita paixão. Quando o
trabalho é feito com gosto, fica fácil descobrir a melhor forma de envolver a turma. Também é importante que o professor nunca indique algo que não tenha lido. Nem algo que, tendo lido, não lhe tenha agradado.

revistapontocom – Que livros nacionais marcaram a sua infância e quais a senhora recomendaria para as crianças? E para os jovens?
Ana Maria Machado – Prefiro citar autores. Entre os nacionais que me marcaram na infância: Monteiro Lobato, Olavo Bilac, Guilherme de Almeida. Não havia muitos e minhas leituras, fora esses, eram sobretudo de estrangeiros traduzidos – Mark Twain, Stevenson, Grimm, Perrault, Andersen. E recomendaria hoje, entre os nacionais, Ruth Rocha, Ziraldo, Sylvia Orthof, Bartolomeu Campos Queiroz, Marina Colasanti, Pedro Bandeira, João Carlos Marinho, Mary e Eliardo França, Ricardo Azevedo, Marcos
Rey, José Paulo Paes, Cristina Porto, além das duas autoras brasileiras que receberam o Prêmio Christian Andersen: Lygia Bojunga e eu. Hoje, eu saúdo a vitalidade do segmento editorial da literatura infantil. É um dos que mais crescem no mercado brasileiro. Nossa literatura infantil é original, sem preocupações didáticas nem moralistas e com capacidade de aliar crítica com a expansão da imaginação.

revistapontocom – O que resta para uma infância que é cada vez mais encurtada?
Ana Maria Machado –
Apesar dos muitos avanços, a educação no Brasil, em todos os níveis, continua muito deficiente – e as estatísticas recentes são bem a prova disso. Sempre propus uma transformação que envolva fundamentalmente o trinômio poder público/escola/professor. Sem que nos empenhemos por ações efetivas que mobilizem recursos de toda ordem no sentido de mudar o atual quadro, não devemos contar com melhorias.

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Rute Miriam Albuquerque
Rute Miriam Albuquerque
12 anos atrás

Sempre leio Ana Maria MACHADO. Gosto muitíssimo de suas obras. Mas sempre que leio algo sobre a educação no Brasil ser deficitária, e o quanto a formação de professoras é fraca e tudo isto que é bem conhecido, fico me lembrando que em nenhum momento durante todas as greves que eclodiram no País no ano de 2010, quando exigíamos apenas o cumprimento da Lei do Piso, NÃO RECEBEMOS NENHUM APOIO de quem sempre diz ter a receita para a melhoria.
Não sou o Martin Luter Kign, mas tenho um sonho: ver pessoas que têm voz, que a mídia acalenta, e que os governantes certamente pararão para ouvir, virem somar-se a nós, professoras, especialmente as que atuam na educação básica das escolas públicas deste País. Somos guerreiras, malungas, e muitas vezes investimos muito pouco em nossas formações porque precisamos escolher entre pagar a água, a comida, ou a conta da livraria. Sou Mestre em educação, não tenho cartão corporativo, e meu vencimento, mesmo após duas décadas de efetivo exercício, não chega a 3.000,00; E olha que estou no sul maravilha!
Amo ler, e concordo que precisamos estimular a leitura e criar a necessidade da literatura em nossas vidas, desde a mais tenra idade.

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