O futuro dos quadrinhos é a segmentação do público-alvo
Por Marcus Tavares
Embora o mercado editorial de quadrinhos para o público infanto-juvenil esteja fortemente concentrado na produção de uma ou duas revistas, o Brasil, ao contrário do que se pensa, se destaca no cenário latino-americano exatamente por uma larga produção. “Se compararmos com a de outros países, a produção de quadrinho infantil brasileiro, por exemplo, é bastante significativa. Nos EUA, não se publica mais revistas para crianças. Lá, as histórias são voltadas para os jovens”, destaca o coordenador do Núcleo de Pesquisas de História em Quadrinhos da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), professor Waldomiro Vergueiro.
De acordo com Waldomiro, são os adolescentes – dos 13 aos 25 anos – que mais leem história em quadrinhos. As crianças também se dedicam à leitura, mas não de uma forma intensiva e regular. Segundo ele, o quadrinho nacional reflete, cada vez mais, a realidade urbana dos jovens das grandes cidades do país, o que chama atenção e atrai mais leitores adolescentes. “Jovens que são influenciados pela cultura pop, pela televisão e pelos meios eletrônicos”.
Acompanhe a entrevista:
revistapontocom – Que modelos e padrões de comportamento os quadrinhos brasileiros veiculam?
Waldomiro Vergueiro – Vivemos num grande contexto globalizado, num grande sistema de comunicação interligado. Neste cenário, as história em quadrinhos veiculam modelos e padrões de comportamento que já são transmitidos pelas outras mídias em todo o mundo. Tudo acaba se repetindo. No Brasil, o quadrinho reflete, de uma forma geral, a realidade urbana dos jovens das grandes cidades do país. Jovens que são influenciados pela cultura pop, pela televisão e pelos meios eletrônicos. Uma realidade que, na verdade, não é tão diferente daquela que vivem os jovens de outros países. O que há de diferente em nossas histórias são algumas características e especificidades que dizem respeito à nossa cultura local, expressa, por exemplo, nos relacionamentos de amizade e de amor e na apresentação e definição dos grupos sociais.
revistapontocom – Daí então o interesse das crianças pelos quadrinhos?
Waldomiro Vergueiro – As crianças naturalmente gostam dos quadrinhos, se identificam com a narrativa. Afinal, a linguagem dos quadrinhos se aproxima muito do universo das crianças e também dos adolescentes. Felizmente, aqui no Brasil, temos uma forte produção infantil [basicamente assinada por Mauricio de Sousa] que está facilmente disponível no mercado e ao alcance de boa parte dos leitores. A leitura é fácil e prazerosa. Se compararmos com a de outros países, a produção de quadrinho infantil brasileiro é bastante significativa. Nos EUA, por exemplo, não se publica mais quadrinho infantil. Lá, as histórias são voltadas para os jovens. Mesmo tendo um mercado de quadrinhos infantis monopolizado [as revistas de Mauricio de Sousa respondem aproximadamente por 85% de tudo o que é produzido para o público infantil], o Brasil é uma exceção na América Latina em investimentos no setor.
revistapontocom – O mesmo vale para os adolescentes?
Waldomiro Vergueiro – O jovem acaba não tendo a mesma relação com os quadrinhos. Muitas vezes, ele acaba sendo chamado/fisgado por outras mídias de uma forma mais persuasiva do que as crianças. Por outro lado também há poucos investimentos para este segmento. O mercado editorial para os adolescentes é marcado pelas produções estrangeiras. As crianças que crescem lendo os gibis do Mauricio de Sousa quando chegam à adolescência não têm uma alternativa nacional. Ou seja, quando o leitor passa a ‘fase da Mônica’, ele não encontra nada. As tentativas brasileiras não deram certo, pois é grande o predomínio das histórias em quadrinhos com base nos super-heróis e na cultura norte-americana. Este processo dá origem a um círculo vicioso. Os jovens que leem os quadrinhos importados e que se formam na área acabam reproduzindo o mesmo formato e conteúdo. É difícil quebrar este movimento. Por outro lado, o próprio leitor jovem de hoje quer exatamente este tipo de material. Um material que é amplamente divulgado e reforçado pelas demais mídias. Chega o quadrinho do super-herói ao mesmo tempo em que são lançados o filme, o bonequinho e o desenho animado. As mídias se reforçam. Acaba sendo uma competição desleal para os produtos brasileiros. Os jovens de 13 aos 25 anos são os que mais leem histórias em quadrinhos. As crianças leem muito, mas não de uma forma intensiva quanto os jovens.
revistapontocom – E nas escolas, as histórias em quadrinhos vêm ganhando espaço?
Waldomiro Vergueiro – Já não sinto mais um preconceito, mas, sim, um estranhamento à introdução dos quadrinhos na sala de aula. Há uma falta de familiaridade. Muitos professores querem utilizar, mas não sabem como. O Núcleo de História em Quadrinhos [da Escola de Comunicação e Artes da USP] tem trabalhado neste sentido, mostrando alternativas e caminhos para que os quadrinhos sejam utilizados de forma mais inteligente. Acredito que os quadrinhos devam ser usados, pelas escolas, de uma forma interdisciplinar, integrando várias disciplinas. O professor deve trabalhar o quadrinho com o mesmo rigor que usa o livro didático. Não acredito que exista limite para a utilização de quadrinhos na Educação. Tudo depende da criatividade do professor.
revistapontocom – Há um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que determina mecanismos de proteção à produção de quadrinhos nacionais, incentivando a realização de obras e de projetos escolares. O senhor é a favor desta proposta?
Waldomiro Vergueiro – Sou. Acredito que o caminho a ser adotado seja esse mesmo. Todos os países que baixaram leis de proteção tiveram êxito em suas propostas. A Argentina fez isso. A França e a Itália também trabalharam neste sentido. A proposta não vai colocar em xeque o que já existe, só vai acrescentar.
revistapontocom – Qual é o futuro dos quadrinhos?
Waldomiro Vergueiro – Estou convencido que o futuro dos quadrinhos é a segmentação de mercado. Quadrinhos específicos para públicos específicos. Quadrinhos para crianças, para meninas adolescentes, para meninas mais velhas… A Era dos Quadrinhos como meio de massa/produto de massa é coisa do passado. Com o advento das novas tecnologias, vamos ter o aparecimento de produtos híbridos – quadrinhos que incorporam elementos da multimídia. Este é um caminho sem volta. Mas acredito que as histórias em quadrinhos, da forma como ainda conhecemos hoje, continuará a existir.
Adorei esta materia,
Como W. Vergueiro acredito que o público “jovem” é grande consumidor de HQ, nos seus diferentes formatos. Por este motivo venho desenvolvendo um projeto com meus alunos no Ginásio Carioca Orsina da Fonseca, na Tijuca, e tenho me deparado com muito empenho dos alunos durante as aulas.
Com a multiplicidade de sites para montagem de HQs, torna cada vez mais viável trabalhar esta linguagem artística em sala de aula, articulando com as novas tecnologias digitais, como netbooks, celulares, webcam, cameras fotograficas, etc.
Indicarei esta matéria.
Até a próxima.
Lindomar 🙂
http://www.ginasioexperimentalcarioca.wordpress.com
Muito bacana a entrevista.
Acredito que é possível introduzir e incentivar nas escolas a produção de histórias em quadrinho,levando em consideração o fato da abordagem e linguagem sobre determinado tema.
Esse estranhamento ainda existe nas escolas por que os professores em sua maioria continuam repassando conteúdo de modo arcaico,é preciso inovar !