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A autoridade da criança no mundo do consumo

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Rita Ribes, professora e pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é autora da tese de doutorado Nossos Comerciais, por favor: infância, televisão e publicidade, orientada por Leandro Konder.

Seu estudo teve como objetivo construir uma análise crítica da contemporaneidade traçada a partir das novas configurações da relação entre adultos e crianças frente à cultura midiática. A ideia também era formular bases teóricas que visam a contribuir para a consolidação de políticas públicas em educação, comprometidas com a constituição de um sujeito crítico e sensível.

Em entrevista ao programa Encontros com a Mídia da Empresa Municipal de Multimeios da Prefeitura do Rio (MultiRio), Rita falou sobre um novo mundo que vem sendo criado pela publicidade, no qual as crianças assumem um poder que até então não lhe pertenciam.

A revistapontocom transcreveu abaixo algumas das ideias e reflexões apresentadas pela professora. Confira:

– O impacto da publicidade
Penso que a publicidade tem um impacto muito forte na vida de todos, não só nas crianças e nos adolescentes. Não podemos esquecer que vivemos numa sociedade de consumo, numa sociedade capitalista, que encontra meios de educar seus cidadãos para que eles estejam inseridos nesta própria sociedade. Educar para o consumo é uma forma de manter a própria sociedade do consumo. É uma exigência do mercado: para que as pessoas comprem é preciso que elas queiram comprar. A rapidez dos fatos e acontecimentos que caracteriza a época em que vivemos também nos foi transmitida pela publicidade. Neste momento, certamente, estamos pensando em outras coisas que ainda temos de fazer. A publicidade é uma das produções culturais que mais consegue demonstrar a velocidade a qual nos referimos. Ela precisa dizer muito em pouco tempo, com muita vida, precisão e objetividade. Os 30 segundos de uma peça comercial precisam dizer muito. A publicidade ajuda a formar a nossa vida corrida e, ao mesmo tempo, nos satisfaz. Afinal, quem hoje tem tanto tempo assim para ficar assistindo à TV? A título de curiosidade, na década de 50, diziam que a televisão não daria certo pois não haveria público. “Quem ficaria horas à frente da TV?”, perguntavam.

– Publicidade e a interface entre a criança e o adulto
Dizer que a criança é ou não é consumidora, tendo como base a posse do dinheiro, é uma questão complexa que tem relação com a forma como as crianças habitam/vivenciam a família e a escola. Hoje a criança pode não ter dinheiro. Mas faz diferença ir ao supermercado com ela. O que isto significa? Significa pensar que tipo de relação adultos e crianças mantém. É a criança quem decide? Quem escolhe as marcas? Quem diz que sim ou que não? Quem deseja? Penso que vivemos num contexto em que a criança, por um lado, está obrigada a amadurecer mais rápido e que os adultos se recusam a amadurecer. Os adultos gostam de ser infantis. Isso tem muito a ver com o mundo do consumo que vende a ideia da jovialidade. É preciso se tornar jovem, deixar de ser criança. O mundo do consumo trabalha com a lógica dos desejos. Ninguém deseja a geladeira que esta lá em casa. A gente deseja a que está na loja. Ninguém deseja o vestido que está usando, deseja o que não tem. O desejo é sempre de algo que ainda não se tem. O mundo do consumo sabe lidar muito bem com esse desejo, sempre oferecendo algo novo. Dificilmente a gente vai ao shopping e diz assim: “Pronto, não tem mais nada que a gente queira”.

– Criança: alvo prioritário da publicidade
A criança se torna alvo prioritário porque ela assumiu um novo lugar social na relação com os adultos. A partir da década de 80, o público infantil passa a ser visto como cliente e não como filho do cliente. As propagandas antigas diziam: “Não esqueça do seu filho! Ele quer! Compre para o seu filho!”. Hoje você tem um discurso voltado diretamente para as crianças: “Peça para o seu pai! Manda seu pai comprar! Se ele não comprar, faz birra, berra!”. Isso mostra que a criança é um alvo. Alvo que tem poder, autoridade. Cabe a nós questionar que autoridade é essa. Um outro ponto importante: a gente nunca faz a relação entre o programa que assiste e a publicidade que paga para que este programa esteja no ar. Como seria bom se relacionássemos bons programas e maus programas com a publicidade que é oferecida neste intervalo.

– A autoridade da criança
Se a criança é uma imagem que vende é porque a gente vê a infância como algo que seduz. Fala-se hoje que a criança adquiriu voz e autoridade e que nós adultos passamos a escutá-las. Tudo bem, mas penso que não construímos com isso uma democracia entre adultos e crianças. Construimos um mundo onde as crianças assumem um poder sozinhas. Toda democracia, toda perspectiva de cidadania, implica diálogo, conflito, contraponto de ideias entre crianças e adultos. E isto não acontece.

– Cidadania e consumo
O escritor Néstor García Canclini fala que ser cidadão e também ser consumidor. Do mesmo modo que consumidor é cidadão. É interessante observar o diálogo que se desenvolve, por exemplo, quando entramos em uma loja. Têm vezes que a gente pergunta assim: “Você tem tal tamanho desta blusa?”. A vendedora responde: “É R$ 54”. Por meio deste diálogo, a gente verifica que será preciso pechinchar. Nos perguntamos: o que a vendedora pensou de mim ao entrar? Quanto eu ganho e quanto ela ganha? O que está em jogo? Ou seja, que sentido o consumo traz para as relações humanas. O que significa ter um pré conceito de quem chega ou de quem vende?

– O papel da família e da escola
Os pais, os professores, os adultos em geral, devem se assumir como adultos na relação com a criança. Se por um lado é preciso ouvir mais as crianças também é necessário não sair de cena. É preciso ser um adulto que – dentro de nossa sociedade tem a responsabilidade de formar as futuras gerações – formule questões, se posicione e diga o que gosta e o que não gosta. Muitas vezes o adulto se recusa a ocupar este lugar porque ele é impedido pelo mundo do consumo. Se ele passa a normatizar, a dizer o que pode ou não pode, ele é o chato. A figura do professor e dos pais nas produções midiáticas muitas vezes é ridicularizada, diminuída, estereotipada. No contraponto, temos uma criança super poderosa, mas, ao mesmo tempo, completamente abandonada. A criança se torna autoridade e manda em tudo, mas não tem ao seu lado alguém para formular questões.

– Consumo que educa
Toda empresa (que anuncia seu produto) educa. Educa na forma que recebe, no tipo de produto que oferece. Educa a partir da relação que mantém com o consumidor e, ainda, por meio da publicidade que veicula. É curioso que, anteriormente, a publicidade era feita pela própria empresa. Em um segundo momento, esta tarefa passou a ser feita por agências de propaganda, cujo produto é a própria publicidade e não mais o produto em si. Nesta segmentação própria capitalista descolamos o produto da produção. O que se vende hoje são recursos. O compromisso é muito mais com a qualidade do anúncio do que com aquilo que é oferecido no anúncio.

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beatriz cavalcanti
beatriz cavalcanti
12 anos atrás

adorei… te amo … beijinhos minha flor…

Daniel Iunes Moura
Daniel Iunes Moura
13 anos atrás

Este artigo da professora e pesquisadora Rita Ribes veio “casar” perfeitamente com o tema que venho desenvolvendo para a minha monografia de pedagogia.
Explico melhor:
Sou graduado em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal de Goiás em 2002 e, em 2008, retornei à faculdade para fazer o curso de Pedagogia, agora, em uma outra faculdade de Goiânia, Faculdade Araguaia.
Desde que entrei no curso de Pedagogia, tenho a intenção de desenvolver um estudo sobre A CRIANÇA NO UNIVERSO DA PROPAGANDA. Tenho conseguido ajuda de todos os lados para a confecção deste estudo e, com mais este texto brilhantemente escrito pela professora Rita Ribes, espero enriquecer o meu Trabalho de Final de Curso.
Outro ponto que eu abordei tomando por base algumas leituras anteriores, e, que, quando lí este artigo percebi que não estava sendo ultrapassado nas minhas colocações:
o fato de a criança querer ser criança e estar forçada à sua “adulltização”.

Isso é gravíssimo!

Parabéns mais uma vez!

fernando carriço
fernando carriço
14 anos atrás

Rita Ribes – seu artigo é um alerta para todos nós que hoje somos considerados “clientes” e menos cidadãos. O adulto no seu papel na formação da criança que está em desenvolvimento é sem dúvida importantíssimo e você abordou um ponto relevante: querer ser criança. Um abraço e espero ler a sua tese.

luisa
luisa
14 anos atrás

Excelente artigo.
sou grande admiradora desta pesquisadora.
profavor envie mias artigo sobre esse assunto.
Luisa

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