As redes são as mensagens

No centenário de nascimento de Marshall McLuhan, a jornalista e professora Raquel Recuero revisita os estudos do pensador.

 

Por Raquel Recuero
Jornalista, professora da ECOS/UCPel e pesquisadora

Um dos teóricos que mais impactou a minha formação, quando ainda estudante de graduação, foi o Marshall McLuhan. Na época, considerado por muitos um “guru” (que academicamente pode ser um termo bem pejorativo) e por ainda outros um pensador “ultrapassado”, McLuhan era pouco estudado.

Ao contrário, a maior parte dos trabalhos/estudos era focada na chamada Escola de Frankfurt e nos pensadores denominados mais “críticos” da mídia (que têm seus méritos). Mas eu sempre gostei do McLuhan e lembro de ter ficado muito impressionada na primeira vez que li “Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem”, a primeira obra com a qual tive contato. Pois bem, embora muita coisa do pensamento mcluhaniano hoje seja considerado “lugar comum” na pesquisa, McLuhan foi capaz de traçar caminhos e perceber coisas que ainda hoje estamos tentando delimitar e compreender melhor. Escrevi há alguns meses um texto discutindo algumas das idéias dele no contexto das redes sociais na Internet e hoje, na data do centenário do nascimento, decidi comentar brevemente essas idéias aqui.

Um dos aportes que eu considero particularmente relevante do McLuhan é a sua idéia de que “o meio é a mensagem”. Ou seja, o meio é tão relevante que é capaz de influenciar sim a percepção do conteúdo da mensagem. Essa idéia, voltada, na época aos meios de comunicação de massa, parece-me muito mais relevante hoje. Por isso, a rede é a mensagem.

As redes sociais na Internet são redes de pessoas que estão interconectadas por sistemas que permitem que essas conexões sejam vias permanentes de informação. Assim, mesmo quando não estamos “conectados” (embora o evento da desconexão seja cada vez mais raro) estamos recebendo informações que serão acessadas depois. Só que as topologias dessas redes, emergentes das ações individuais dos atores, são extremamente relevantes não apenas para os tipos de informação que circulam, mas igualmente, para a visibilidade e a percepção dessas informações.

Assim, as diferentes topologias das redes sociais na Internet às quais você está ligado influenciam a sua percepção das mensagens recebidas e, igualmente, as próprias mensagens. Por exemplo, imagine que você recebe, via Twitter, a informação de que Barack Obama sofreu um atentado e morreu. O que influencia sua percepção dessa mensagem? Várias coisas. Por exemplo: Quem disse isso? Há confirmação de algum jornal? Há mais gente falando nisso? E, dependendo de como você percebe esse conteúdo (é uma piada? é uma notícia? é uma brincadeira? é uma promoção? é spam?), há efeitos. Por exemplo, você pode decidir repassar essa informação para seus seguidores. Você pode decidir comentar isso no seu blog. Você pode reportar a mensagem como spam. Assim, mais importante do que a própria mensagem (conteúdo) é o meio através do qual você a recebe e sua percepção desse meio.

Efeitos do Meio na Mensagem (e vice-versa)

Assim, o modo através do qual as redes sociais online difundem informações tem efeitos variados. E em um artigo que escrevi sobre isso, que espero que seja publicado logo, discuti alguns desses efeitos do “meio” redes sociais. Alguns desses efeitos:

• Cascatas – São fenômenos onde uma determinada informação vai sendo repassada e crescendo na rede, em um efeito “cascata”. Ocorrem quando os atores na rede vão se influenciando e repassando uma informação porque os outros também estão comentando a mesma informação. Quanto mais gente publica a informação, maior a tendência de que você também o faça. As cascatas podem ter efeitos positivos e negativos, fazendo tanto com que informações relevantes cheguem a pontos mais distantes da rede quanto fazendo com que boatos se espalhem mais rapidamente. (Algumas hashtags são exemplos dessas cascatas.)

• Descentralização e Filtragem – As redes sociais online descentralizam a produção de informações e atuam também como filtros, permitindo que informações diferentes cheguem aos demais atores. Assim, as redes podem não apenas apropriar mensagens e deturpar seu conteúdo (por exemplo, a #MarchaAnticanhotismo), mas igualmente mobilizar, espalhar e filtrar. Essas dinâmicas de rede também influenciam o sentido daquilo que é transmitido, dando visibilidade para determinadas informações em detrimento de outras. É a rede que faz o conteúdo visível, portanto (TTs no Twitter são um exemplo dessa filtragem).

• “Públicos em rede” – Outro efeito é com relação à mídia de massa. Os públicos em rede são públicos que discutem, debatem e que vão propagar informações de acordo com suas percepções e idéias. Eles influenciam também a compreensão de uma mensagem, na medida em que vão colocando posicionamentos, idéias e comentários ao repassá-las. (Por exemplo, um retuíte que é comentado pelo ator que o repassa tem efeitos diferentes no sentido da mensagem original, gerados pelo meio “redes sociais”.)

• O conteúdo é outro meio – Essa é outra máxima mcluhaniana. Quantas mensagens você recebe que são constituídas de outro meio? Milhões. Por exemplo, uma grande parte dos tweets é composta de uma informação+ um link. O link é outro meio. O site onde a informação está publicada é outro meio. O conteúdo é influenciado pelas redes, que, por sua vez, são influenciadas pela percepção do conteúdo. Memes são outro exemplo dessa máxima.

Assim, as redes sociais influenciam muito mais do que o modo através do qual as informações são difundidas na contemporaneidade. Influenciam também o conteúdo dessas informações, sua semiose e sua percepção. E os atores, individualmente, são influenciados e influenciam esses processos, que de forma sistêmica, são constituídos como maiores que a soma dessas ações.

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