Por Marcus Tavares
Jornalista e professor. Editor da revistapontocom
O ombudsman da Folha de S. Paulo, o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, em sua coluna do último domingo, analisou e comentou as críticas que o jornal recebeu devido à publicação de uma matéria de capa no caderno Folhateen, suplemento do jornal voltado para os adolescentes, que abordava o consumo de maconha em família. A reportagem Baseado em família. Pais e filhos que fumam maconha juntos falam sobre o costume; especialistas comentam foi publicada no dia 23 de novembro.
Segundo o ombudsman, o material “bem feito, é isento, dá voz a quem concorda e adota essa prática tanto quanto a quem discorda dela e a condena”. Em sua coluna, ele acrescenta que “também é indispensável registrar que esse procedimento familiar ocorre na realidade social, embora não seja universalizado, em especial nos estratos que compõem boa parte do leitorado da Folha. Abordá-lo, portanto, é jornalisticamente justificável e o que foi mostrado ao leitor não tem problemas relevantes”.
Duas questões chamam a atenção. Será que realmente esse procedimento familiar ocorre na realidade social de boa parte do leitorado da Folha, como diz o jornalista? Fiquei curioso: o jornal dispõe de pesquisas que comprovem estatisticamente este dado?
Fico também me perguntando se o que foi apresentado ao leitor ”não tem problemas relevantes”. Será? Acredito que seja totalmente relevante e até mesmo justificável abordar este assunto. Explico: trata-se de um tema pertinente a uma pequena fatia da realidade de alguns jovens que impacta direta ou indiretamente o dia a dia de uma população que vive, nas grandes cidades, amedontrada – seja no asfalto ou na favela – com os efeitos do tráfico e da criminalidade que resultam do consumo de drogas. Não quero dizer que o consumo que as famílias – retratadas na matéria – fazem da maconha seja o vilão. Mas alguém tem dúvida de que esse consumo também contribui para a violência?
Penso que a matéria, embora traga a visão de especialistas (médicos e magistrados), num espaço e com um peso menor, possa desconstruir muitas práticas de ensino de escolas, campanhas, bate-papos entre filhos e pais e trabalhos de recuperação de jovens e (de adultos também) em clínicas de reabilitação.
A questão não é ser moralista ou conservador. A questão é outra: será que os jornalistas, os editores, os gestores dos cadernos voltados para os jovens têm exata consciência de sua responsabilidade? Dos efeitos que causam suas reportagens? O papel do jornal é o de apenas provocar?
Se o único retorno que o jornal tem são as opiniões dos leitores, por que essas opiniões não são levadas em consideração? Digo isto, pois, mais adiante em sua coluna, o jornalista diz que fez um levantamento de todas as correspondências recebidas durante este ano sobre o conteúdo do Folhateen e que “curiosamente” quem se manifesta majoritariamente não faz parte do público a que se destina o caderno. “Reli toda a correspondência sobre ele que me chegou às mãos neste ano: 80% provieram de não adolescentes; muitos ressaltavam não ter filho adolescente; 50% atacavam material que tinha a ver com sexo ou drogas”, destaca.
O ombudsman acerta ao afirmar que estes dados podem, na verdade, revelar que os adolescentes não se queixem porque nem leem o suplemento, fato que ele duvida, já que a empresa não manteria o caderno. Outras hipóteses levantadas: “pode ser que gostem do conteúdo ou que pelo menos não desgostem a ponto de se mobilizar”. Sem saber ao certo, ele confessa que “não é possível ter certeza”.
Ora, se não é possível ter certeza, o jornal não deveria, ao menos, levar em consideração as colocações que chegam? Ou, no mínimo, desenvolver pesquisas junto ao público alvo. Algum ruído na comunicação deve estar acontecendo.
Ao final do texto, o ombudsman faz, de certa forma, uma defesa do caderno. Traz uma questão óbvia. Diz ele que um veículo que se dirige aos jovens não pode ignorar tais assuntos e que “o que é seguro é que sexo, drogas e rock and roll despertam o interesse e a curiosidade de muitos adolescentes e possivelmente estão no centro da atenção de vários”.
Como professor e jornalista, gostaria de ter a exata certeza do ombudsman da Folha de S. Paulo. Infelizmente, não tenho. A questão da sexualidade aflora na adolescência. Muitos jovens descobrem o primeiro amor. Querem vivenciar intensamente as paixões e as transformações que passam no corpo.
Mas diante do dia a dia em que vivem, da realidade nada fácil, das exigências e provas que continuamente têm de passar, das expectativas quanto ao futuro profissional, não creio que seja seguro afirmar que sexo, drogas e rock and roll, possivelmente, estejam no centro da atenção de vários adolescentes. Podem até estar, mas, com certeza, ao lado de muitos outros. Talvez, seja preciso definir e explicar quem e quantos são, realmente, os leitores/adolescentes da Folhateen.